“Tudo
o que é meu, é teu”.
O Sagrado Coração de Jesus,
é a Quinta Essência do Cristianismo.
“Tudo
o que é meu, é teu” –
afirmava ao filho mais velho o pai. Nesta frase revelou-se-nos Cristo
Senhor Nosso todo por inteiro. Todo Cristo é uma dádiva do amor
divino aos homens: “sic enim Deus dilexit mundum ut
Filium suam unigenitum daret – pois assim amou Deus ao mundo, que
lhe deu o seu Filho unigênito”,
afirmava o próprio Jesus a Nicodemos. E São Paulo comentando Deus:
“não poupou ao próprio Filho, mas entregou-O por nós
todos: como portanto não nos daria com Ele tudo: quomodo non etiam
cum illo omnia nobis donavit?”.
Logo,
tudo o que é de Cristo é nosso: omnia mea tua sunt. E como
Ele é todo amor – a maior manifestação do amor de Deus aos
homens – pertence-nos, por consequência, o melhor que Nele há: o
seu amor, ou por outras palavras: o seu Coração.
Este
Coração nos deu o Eterno Pai para Nele restaurar todas as coisas e
ser a nossa salvação; nem existe outro remédio nem solução para
os males que nos afligem, senão este: non est in alio aliquo
salus – brada São Pedro destemidamente, diante do Sinédrio de
Jerusalém.
Por isso, São Paulo sentia neste amor de Cristo todo o estímulo
para as suas fadigas apostólicas: charitas enim Christi urget
nos.
Não
admira, portanto, que para este Coração Divino nos tenham apontado
os últimos Sumos Pontífices como para a única arca de salvação,
no meio do dilúvio universal que já há tanto vem inundando a
terra.
Pio
IX assim se expressava em 1860: “A Igreja e a Sociedade não têm
esperança senão no Sagrado Coração; é Ele que curará todos os
nossos males. Pregai por toda a parte a devoção a este divino
Coração: deve ser esta devoção a salvação do mundo”.
Falando
da oportunidade do culto ao Santíssimo Cora de Jesus, afirmou Leão
XIII na encíclica Annum Sacrum: “quando a Igreja na sua origem
era oprimida pelo jugo dos Césares, apareceu no alto uma Cruz ao
jovem imperador, ao mesmo tempo augúrio e penhor da esplêndida
vitória prestes a alcançar-se. Eis que hoje se avista também um
sinal faustosíssimo e diviníssimo, queremos dizer: o
Sacratíssimo Coração de Jesus encimado pela Cruz que brilha entre
chamas de esplendorosíssimo candor. Nele devemos
colocar toda a esperança; por Ele pedir e esperar a salvação”.
Na
ânsia de acudir ao mundo atribulado e pervertido, Pio X abriu de par
em par as portas do Coração Eucarístico e chamou para Ele as
multidões, a começar pelos pequeninos, na certeza de que só em
Cristo podia vir a restauração: instaurare omnia in Christo:
instaurar tudo em Cristo, foi o lema do Seu pontificado.
Na
mesma certeza e na mesma angústia, Pio XI deu ao mundo católico uma
preciosa encíclica sobre a Devoção ao Coração de Jesus
“Miserentissimus Redemptor”. Nela nos declarava: –
Entre todas as outras provas da infinita bondade do nosso Redentor,
esta resplandece de um modo especial: perante o arrefecimento do amor
dos fiéis, a própria divina Caridade se propõe a Si mesma para ser
honrada com um culto especial, e o preciosíssimo tesouro da Igreja
foi aberto generosamente para esta forma de veneração com que
honramos o Santíssimo Coração de Jesus, “no qual se
encerram todos os tesouros da Sabedoria e da Ciência”.
“De
fato – continua o augusto
Pontífice – como já ao gênero humano saindo da Arca de
Noé quis a Bondade divina que resplandecesse o Arco-íris que
apareceu entre as nuvens,
assim nos agitadíssimos tempos modernos, serpeando aquela heresia de
todas a mais astuciosa, a heresia jansenista, inimiga do amor e da
piedade para com Deus, que pregava um Deus, não já para ser amado
como Pai, mas para ser temido como juiz, o benigníssimo Jesus
mostrou aos povos o seu Coração Santíssimo, como bandeira
desfraldada de paz e caridade, assegurando uma vitória certa no
combate”.
No
início do Seu Pontificado, também Sua Santidade Pio XII, assunto à
Cadeira de São Pedro precisamente no quadragésimo aniversário da
sua ordenação sacerdotal e da Consagração do mundo por Leão XIII
ao Coração divino, dizia: Como poderíamos deixar de
sentir hoje tão grande reconhecimento para com a Providência por
ter querido fazer coincidir o primeiro ano do Nosso Pontificado com
uma recordação tão importante e tão cara do primeiro ano do nosso
Sacerdócio e como não exultaremos de alegria, por termos assim
ensejo de fazer do culto do Rei dos reis e do Senhor dos senhores
como que a oração do intróito deste Nosso Pontificado, no espírito
do Nosso imediato predecessor e em fiel realização das suas
intenções?… (e mais adiante
continuava Pio XII) pode conceber-se dever maior e mais
urgente do que anunciar as insondáveis riquezas de Cristo aos homens
do nosso tempo? E pode haver coisa mais nobre do que desfraldar o
estandarte do Rei, diante dos que têm seguido e seguem ainda
bandeiras falazes, e procurar conduzir para o pendão vitorioso da
Cruz os que o abandonaram.
Não
se necessitam mais citações nem mais autoridades para se ver que é
necessário tratar deste importantíssimo assunto, ainda que não
seja senão indicando em resumo o que nele há de mais importante; a
fim de que ao menos fiquemos compreendendo o alcance da célebre
frase proferida pelo Cardeal Pie: que a devoção ao Coração de
Jesus é a quinta essência do Cristianismo;
ou a de Santo Afonso Maria de Ligório: que ela é a mais
bela e a mais sólida das devoções.
Uma
e outra coisa se demonstra indicando qual o objeto e qual a prática
desta devoção providencial.
***********
O
Coração de Jesus é a última palavra do amor de Deus aos homens.
Tantas
vezes nos tinha sido dito já que Deus nos amava! A primeira foi na
criação do universo: não soube a Sabedoria infinita atirar para os
espaços as estrelas e os astros todos, que não ficassem a
entoar-nos, nessa linguagem em que vão cantando sempre, ao girar em
suas órbitas, que Deus nos amava. Quando na terra em caos, separou o
Senhor as águas dos continentes, – as águas no seu marulhar e as
montanhas na sua inabalável firmeza ficaram a dizer que Deus nos
amava; e vieram os passarinhos e veio o perfume das florinhas: non
sunt loquelae quorum non audiantur voces eorum:
bem se lhes ouvem as vozes a dizer: Deus ama-nos! Sim, toda a razão
da criação se resume nestas três sílabas: amou-nos!
A
segunda palavra de Deus a dizer que nos amava ainda ecoou mais
possante e rica de novas harmonias: foi quando, logo ao criar o
primeiro homem, não só o fez o melhor resumo de toda a sua obra,
mas enxertou nele, por um processo divino de amor, a Sua mesma vida:
é a maravilha sobrenatural da graça em que o homem, por uma semelhança ao Verbo Divino, fica feito filho de Deus.
Linguagem
sublime que o homem não compreendeu e por isso, desprezou depressa a
graça: homo cum in honore esset non intellexit:
estava em lugar de honra, pelo muito amor que Deus lhe tinha, e não
compreendeu! Malbaratou tudo.
Mas
eis outra voz ou outro poema do amor de Deus aos homens: a Redenção.
Primeiro prepara-a; faz-se desejar: anuncia a Pessoa do Messias
futuro, os seus predicados, os seus benefícios vindouros, o seu
reinado e triunfo. Tudo para ver se o homem compreende agora melhor
que é amado por Deus. Depois executa a Redenção desejada durante
longos séculos por todas as gentes: benignitas et
humanitas apparuit Salvatoris nostri Dei:
apareceu a benignidade e humanidade do Salvador nosso Deus – diz
São Paulo, e dá logo a razão: “não pelas obras de
justiça que nós fizemos, mas segundo a Sua misericórdia salvou-nos
pelo Batismo de regeneração e renovação do Espírito Santo que
abundantemente derramou em nós, por Jesus Cristo Nosso Salvador;
para que justificados pela Sua graça, sejamos herdeiros segundo a
esperança da vida eterna”.
A
benignidade de Deus ao alcance de todos em Jesus Cristo: tão ao
alcance que se fez Menino, simples, pobre, operário: mitis
et humilis: manso e humilde;
sempre a multiplicar as provas de amor: pertransiit
benefaciendo: passou a fazer o
bem.
E
é preciso mais? Aí está a prova suprema da Redenção pelo Sangue:
o Calvário! E todo esse drama entre ânsias de amor aos homens
multiplicando os dons até ao fim: “Pai, perdoa-lhes que
não sabem o que fazem! Hoje estarás comigo no Paraíso! Eis aí a
tua Mãe!”.
Morre,
e finalmente deixa abrir o lado: unus militum latus ejus
aperuit.
Que
é isto?… Mais um dom e profecia de nova Redenção, de novas
provas de amor de Deus aos homens.
São
João Evangelista narra este episódio da transverberação do Lado
de Jesus com insistência desusada:
“um dos soldados abriu-lhe o Lado com uma lança e logo
saiu Sangue e Água. E dá testemunho disto quem viu: e o seu
testemunho é verdadeiro. E sabe que diz a verdade, para que vós
acrediteis. Isto aconteceu para se cumprir a Escritura: não lhe
quebrareis nenhum osso; e outra Escritura diz: verão a quem
trespassaram!”.
Os
Santos Padres veem nesta insistência ou encarecimento um Mistério:
é que daquele Lado aberto e daquele Sangue e Água nascia a Igreja e
os Sacramentos.
Santa
Catarina de Sena não se contentou com esta explicação e perguntou
ao Senhor, porque tinha permitido que ainda depois de morto assim
dilacerassem seu Corpo? E Jesus respondeu: “Eu queria
sobretudo revelar aos homens o segredo do meu Coração, para que
compreendessem que o meu amor é maior que todos os sinais exteriores
que deles lhes dou; porque os meus sofrimentos têm um limite, o meu
amor não tem limite”.
Os
dons do amor de Cristo aos homens foram imensos; era ainda capaz de
os repetir milhares, milhões de vezes, se preciso fosse. Depois de
todos esses dons, milhões de vezes repetidos, ainda ficaria dom
maior e melhor para nós. Qual? A causa de todos eles: o Seu amor.
Esse é infinito; primeiro se esgotarão as provas, do que o amor que
nos tem. E eis a oferta que nos faz, ao dar-nos o Seu Coração!
Por
isso alguém escreveu que “a devoção ao Sagrado Coração
de Jesus é a melhor compreensão, a mais lógica, a mais eloquente,
a mais intelectual e, ao mesmo tempo, a mais efetiva do grande
Mistério da Incarnação”.
Tudo
o que há de bom, de belo, de heroico no Cristianismo tem por fonte o
Coração de Jesus, ou o Seu amor aos homens por Ele simbolizado;
portanto, como não há de ser este objeto, na sintética expressão
do Cardeal Pie “a quinta essência do Cristianismo?”.
Mas
nesse caso, confessaremos a devoção ao Coração de Jesus tão
antiga como o mesmo Cristianismo? Assim é na verdade e Pio
VI condenou a afirmação jansenista do Sínodo de Pistoia, que
incriminava de nova esta devoção.
Foi
a caridade de Cristo que levou os Apóstolos todos
pelo mundo além a pregar o Evangelho e a derramar generosamente o
sangue pelo seu Mestre: charitas Christi urget nos.
O amor de Cristo aos homens é que incutiu valor aos Mártires, para
se deixarem despedaçar e comer pelas feras, em testemunho da fé: “o
fogo, a Cruz, as feras –
exclamava Santo Inácio, Mártir – o quebrar dos ossos, o
despedaçar dos membros, o esmigalhar do corpo todo e todos os
tormentos do Demônio venham sobre mim: só para possuir a Cristo!”.
E ao ver-se já condenado às feras, exultava nestes termos: “sou
trigo de Cristo; vão moer-me os dentes das feras, para ficar pão
imaculado!”.
O
amor de Cristo atraiu logo desde o início da Igreja as Virgens aos
milhares, levando-as a desprezar generosamente todas as seduções e
vaidades do mundo, para se dedicarem inteiramente a Jesus.
Contudo,
alguma coisa há de novo nesta devoção: o símbolo. Se percorrermos
as catacumbas, não descobrimos lá nenhuma imagem do Salvador tendo
no peito em evidência o Coração em chamas, rodeado de espinhos e
encimado pela Cruz, como nas imagens que hoje possuímos do Coração
de Jesus.
A
hagiografia mostra-nos que de longe começaram as almas privilegiadas
e de grande intimidade com Jesus a buscar abrigo na Chaga
Sacratíssima do Seu Lado e alguns regozijavam-se com alvoroço ao
descobrir o Coração dentro dessa morada divina. São João
Evangelista, São Bernardo, São Boaventura, Santa Matilde, Santa
Gertrudes, Santa Catarina de Sena e mais tarde, o B. João de Ávila,
São Pedro Canísio e o nosso Venerável Frei Tomé de Jesus, foram
desses privilegiados. Mas esse objeto inefável era tesouro só a
poucos revelado; por ora não transpunha os limites da devoção
particular.
São
João Eudes principia já a pregar e a propagar a devoção explícita
ao Coração de Jesus e de Maria. Porém, o verdadeiro pregador da
devoção, tal qual a temos hoje na Igreja, foi o próprio Jesus
Cristo, nas Suas revelações a Santa Margarida Maria.
Diga-nos
a Santa o que lhe aconteceu a 27 de Dezembro de 1673: “Apareceu-me
o Divino Coração como num trono de chamas, mais radiante que o sol
e transparente como o cristal, mostrando-me a Sua Chaga adorável.
Rodeava-O uma coroa de espinhos emblema do quanto O pungem nossos
pecados; e sobre Ele uma Cruz significando que desde o primeiro
instante da Encarnação, isto é, desde que se formou este Sagrado
Coração, foi nele plantada a Cruz. Desde esse primeiro instante O
inundaram todas as amarguras que haviam de causar-lhe as humilhações,
a pobreza, as penas e o desprezo que padeceria a Sua Sagrada
Humanidade, em todo o decurso da Sua vida e de Sua Paixão.
Deu-me
a entender, que o desejo que sente de ser amado dos homens e de os
desviar do caminho da perdição, aonde o Demônio os arrasta em
tropel, fez-lhe conceber a ideia de manifestar aos homens o Seu
Coração, com todos os tesouros do Seu amor, misericórdia, graça,
santificação e salvação que contém. Que a quantos quiserem
dar-lhe e procurar-lhe o amor, honra e glória que puderem, os
enriquecerá, outorgando-lhes com abundância e profusão estes
divinos tesouros do Coração de Deus, que é a fonte donde dimanam.
Que O haviam de honrar sob a figura deste Coração de carne, cuja
imagem quer que seja exposta… E onde for exposta e honrada esta
Santa Imagem para ser venerada, aí derramará as Suas graças e
bênçãos. É esta devoção como que o esforço supremo do Seu amor
que quer favorecer aos homens nestes últimos tempos, com esta
espécie de Redenção amorosa, para os subtrair ao império de
Satanás, que procura arruiná-los, e para os colocar na suavíssima
liberdade do império do Seu amor, o qual quer estabelecer nos
corações de todos os que abraçarem esta devoção”.
Outra
vez estando diante de Jesus Sacramentado, num dos dias da oitava da
Festa do Santíssimo Sacramento, descobre-lhe Nosso Senhor o Seu
divino Coração e diz-lhe: “Olha o Coração que tanto
tem amado os homens, sem se poupar a nenhum sacrifício, até se
aniquilar e consumir, para lhes manifestar o Seu amor; e em troca não
recebo da maior parte senão ingratidão, com as suas irreverências
e sacrilégios, friezas e desprezos com que Me tratam neste
Sacramento de amor. Mas o que Me dói mais ainda, é que os corações
a Mim consagrados se portam comigo do mesmo modo. Por isso, peço-te
que a primeira sexta-feira, depois da oitava do Santíssimo
Sacramento, seja dedicada a uma festa particular em honra do Meu
Coração, comungando nesse dia e reparando a sua honra com um Ato de
Desagravo, para recompensar as injúrias que Me forem feitas,
enquanto estiver exposto nos altares. Eu te prometo em troca, que o
Meu Coração se dilatará para derramar com abundância as
influências do seu divino amor sobre aqueles que lhe tributarem e
procurarem que seja tributada esta honra”.
Aí
fica nesse Coração sensível, todo em chamas, com a sua Chaga muito
viva, a Cruz a encimá-lo e os espinhos a pungi-lo, bem delineado o
objeto da nossa devoção ao Coração Santíssimo de Jesus, segundo
ela se pratica hoje na Igreja.
Vai
direita a esse Coração de carne que palpitou e palpita no peito do
Salvador, e por ele ao seu amor simbolizado nessas chamas ardentes
que o inflamam: amor tão real e vivo e incomensurável, que a nada
se poupou para nos beneficiar; lá está a Chaga a dizer-nos a
vivacidade desse amor; lá está a Cruz a indicar-nos a última prova
que se pode dar a um amigo em vida, que é morrer por ele. “Eis
o Coração que tanto tem amado os homens sem se poupar a nenhum
sacrifício, até se aniquilar e consumir para lhes manifestar o Seu
amor”!
Mas
lá estão também os espinhos. Ah! Espinhos num Coração que ama?
Só pode significar o esquecimento que se tem desse amor, o desprezo,
as ingratidões, as injúrias, as blasfêmias, os sacrilégios. “Não
recebe da maior parte senão ingratidões – dizia Jesus a sua
serva – com as irreverências e sacrilégios, friezas e
desprezos com que Me tratam neste Sacramento de amor”!
Agora
já está completo o objeto da devoção ao Coração de Jesus: amor
que não é amado, simbolizado naquele Coração que palpitava a
uníssono e sob o comando do Seu Divino amor para conosco.
Na
piedade e liturgia católica não se encontra outro mais belo objeto
a propor-se à nossa devoção.
Mas
ocorre esta objeção: não são todas iguais em beleza e valor as
nossas devoções a Jesus Cristo? Que mais faz devoção ao Menino
Jesus, que a Jesus Crucificado, ou Jesus Sacramentado: não é sempre
o mesmo Jesus?
Em
qualquer devoção a Cristo o termo principal e último é sempre
evidentemente a Sua Pessoa Santíssima: a segunda Pessoa da
Santíssima Trindade e neste sentido consideradas, todas são de
igual excelência. Mas nós podemos por assim dizer, fixar o amor de
Jesus para conosco em várias demonstrações e essas varia umas das
outras. Foi grande o amor que Jesus nos manifestou durante os anos da
Sua Infância, e esse amor fornece razão esplêndida para uma
devoção especial ao Menino Jesus. Foi imenso o amor que Jesus nos
significou ao morrer por nós na Cruz: por isso, é tão excelente a
devoção a Jesus Crucificado. Foi extremo o amor que O levou a
instituir o Santíssimo Sacramento, para ficar conosco dia e noite e
se constituir o nosso alimento sob as espécies Sacramentais, em que
se oculta feito Vítima como no Calvário. E por isso, que
incomparável se mostra a devoção a Jesus Sacramentado!
Mas
a devoção ao Sagrado Coração de Jesus não surpreende só uma
determinada prova do amor de Cristo aos homens, abrange-as todas: é
o amor que O levou a fazer-se menino, mas o amor com que escondido
trinta anos trabalhou como um pobre operário e depois saiu a público
a ensinar-nos a Sua doutrina; é o amor que multiplicava os Seus
dons, milagres e misericórdias e depois instituía na última Ceia o
Santíssimo Sacramento, para no dia seguinte morrer na Cruz, e já
ressuscitado andar a consolar os Seus, e a estabelecer
definitivamente a Igreja; o amor que levando-O por nós ao Céu, O
deixou, apesar disso, na terra sempre conosco e por tantos modos. É
o mesmo amor que resolveu revelar-se-nos em Paray le Monial e
declarar-nos que, mais que todas as provas, se nos entregava a Si
mesmo, por se ter esgotado e não saber que mais demonstrações nos
dar, para nos persuadir que nos amava. Amor tão generoso e infinito
e misericordioso, que não obstante os espinhos com que O pungimos,
continua a amar, e a vingança que tira das nossas ingratidões é
vir com esta nova invenção de amor. Há nada mais belo, no
Cristianismo?! É a quinta essência da Religião Católica!
“Naquele
felicíssimo sinal (o Coração
de Jesus) – escrevia Pio XI – e na forma de devoção
que Dele emana, não se contém por ventura, toda a substância da
Religião, especialmente a norma de uma vida mais perfeita, como é
aquela que conduz por caminho mais fácil os espíritos a conhecer
intimamente a Jesus Cristo e induz os corações a amá-Lo mais
ardentemente e a imitá-Lo com maior generosidade?”.
Estas
palavras pontifícias confirmam o que acabamos de afirmar e provam o
que ainda nos faltava dizer, com Santo Afonso de Ligório, que é
esta a mais sólida das devoções.
****************
Em
primeiro lugar, uma devoção é tanto mais sólida, quanto mais
sólida for a base em que assente. A devoção ao Coração Sagrado,
assenta sobre o conhecimento de Jesus no seu melhor ponto de vista,
que é o Seu amor. Por mais que se saiba de Jesus, se não se conhece
o Seu amor, não se conhece a Jesus; por pouco que saiba de Jesus, se
se conhece o Seu amor, está Jesus todo conhecido e conhecê-Lo é a
vida eterna: haec est autem vita arterna ut cognascant te
solum Deum verum et quem misiti Jesum Christum.
Depois,
a devoção afirmar-se-á tanto mais sólida, quanto mais sólidas
forem as virtudes a que nos leva e eficazes os meios que para isso
nos oferece.
Ora
não há devoção que nos garanta melhores meios de salvação e
santidade do que esta. Denomina-a o próprio Jesus uma nova Redenção
de amor e dá-nos o Seu Coração como novo Medianeiro entre o
pecador e o Eterno Pai.
A
Redenção foi uma só, mas o Seu Divino Coração vem realizar uma
aplicação tão universal e abundante dos efeitos da única Redenção
do Calvário, que por esta causa Santa Margarida lhe chama uma nova
Redenção de amor. O Medianeiro é um só: Jesus Cristo, mas
pedir-lhe pelo Seu Coração é “tocá-Lo no Seu ponto
fraco” como expressava Santa
Teresinha do Menino Jesus; e apresentar ao Eterno Pai o Coração de
Seu Filho, é dar-lhe a última e mais eficaz razão, para sermos
atendidos.
Nesta
nova Redenção de amor abrem-se, em torrentes desusadas, as
Misericórdias do Senhor, de cujus plenitudine omnes nos
accepimus: de cuja plenitude
todos recebemos; por isso, se multiplicam em profusão as promessas:
para os pecadores, para os tíbios, para os fervorosos, para os Seus
apóstolos; para a vida, para a morte, para as famílias, para as
nações. Trata-se portanto “de um grande acontecimento
na história do mundo –
conclui Bainvel – é como uma era nova que começa para
quem quiser colocar-se sob as influências deste Divino Coração.
Não que Jesus não fosse já todo para todos, com todos os Seus
tesouros da Encarnação e Redenção. Mas há como um novo avanço
de Jesus para nós, uma nova oferta de tudo o que Ele é e de tudo o
que tem, na dádiva do Seu Coração… Há na manifestação do
Sagrado Coração uma nova declaração de amor tão viva e tão
apaixonada, que por isso mesmo é também um novo apelo a que O
amemos”.
Jesus
metendo-nos assim pelos olhos dentro o Seu amor, apresenta-se com uma
nova força de atração; Ele mesmo revelava que a ânsia de nos
atrair ao Seu amor é que O tinha levado a conceber este plano de nos
manifestar o Seu Coração.
Atraindo-nos
ao Seu amor, leva-nos a mais
sólida das virtudes que é a caridade para com Deus, para com
Cristo. Eis o fim dominante desta devoção: estabelecer em nossos
corações o amor a Jesus. “Se tu soubesses a sede que Eu
tenho de ser amado dos homens, a nada te pouparias para Me saciar…
tenho sede e ardo de amor!”.
E
Santa Margarida Maria concluía, porque lho tinha asseverado o mesmo
Jesus: “Ele reinará, apesar dos Seus inimigos, e será o
dono e o possuidor dos nossos corações, porque é este o fim
principal desta devoção: converter as almas ao Seu amor”.
E noutra ocasião: “Esta devoção é como um último
esforço do Seu amor, que queria favorecer os homens nestes últimos
tempos com esta Redenção amorosa, para nos pôr sob a doce
liberdade do império do Seu amor, que Ele deseja estabelecer nos
corações de todos aqueles que abraçarem esta devoção”.
Pio
IX ao estender a todo o mundo a festa do Sagrado Coração em 1856,
declarava que era “com o fim de fornecer aos fiéis
incitamentos para que amassem e redamassem o Coração Daquele que
nos amou e lavou em Seu Sangue os nossos pecados”.
Lembra o convite de São João: nos ergo diligamus Deus
quoniam ipse prior dilexit nos: nós portanto, amemos a Deus que,
primeiro nos amou.
É
a lógica do rifão português: amor com amor se paga. Coração com
coração se paga: praebe, fili mi, cor tuum mihi!
Coração
com coração; chamas com chamas. Por esta nova Redenção de amor
vem Jesus realizar mais eficazmente a grande aspiração do seu
Coração Divino na última Ceia: manete in dilectione mea:
permanecei no meu amor!
Este
amor de correspondência manifestar-se-á em primeiro lugar na
entrega total e incondicional de nós mesmos e de nossas coisas ao
Divino Coração. Mihi vivere Christus est
– sintetizava São Paulo – viver para mim é Cristo; e nós
sintetizaremos: viver para mim é o Coração de Jesus: mihi
vivere Cor Jesu est!
Nesta
entrega total se cifra a consagração de nós mesmos ao Coração
Sagrado; Santa Margarida ligava transcendental importância a este
ato e aconselhava a todos, fizessem esta espécie de testamento a
Jesus, pelo qual lhe entregássemos tudo sem reservar nada para nós.
Sua Santidade Pio XI ensinava na já mencionada encíclica: “entre
as práticas que respeitam propriamente o culto do Sacratíssimo
Coração, sobreleva como digna de recordar-se a piedosa Consagração,
pela qual nos oferecemos ao Coração de Jesus, a nós e todas as
nossas coisas, reconhecendo-as como recebidas da eterna caridade de
Deus”.
Mas
a um Coração com espinhos, responde-se também com um coração
espinhado! Quer dizer: a alma fervorosa e amante do Coração de
Jesus, ao vê-Lo ingratamente correspondido com injúrias e
sacrilégios, toma como seus estes ultrajes e são espinhos a pungir
o coração que aflito procura por todos os modos ao seu alcance
desagravar, expiar, consolar o Coração de Jesus. Eis a reparação,
essencial no culto ao Santíssimo Coração de Jesus, segundo a
doutrina de Santa Margarida Maria. “A todos estes
obséquios – continuava ainda
Pio XI – e particularmente à tão frutuosa Consagração
que mediante a festa de Cristo Rei, foi por assim dizer confirmada,
deve juntar-se um outro, do qual Nos é grato ocupar-nos agora um
pouco mais desenvolvidamente, ou seja: o ato de reparação e
expiação como costuma chamar-se, a prestar ao Coração
Sacratíssimo de Jesus”. “Na verdade
– são ainda palavras Suas – ao espírito de expiação
ou reparação pertence lugar principal no culto do Sagrado Coração
e nada convém melhor à origem, à natureza, à virtude própria
desta devoção e às suas práticas, como o mostram a santa Liturgia
e os Documentos dos Sumos Pontífices”.
E
para nos exortar a esta prática, insiste: “à dívida de
reparação somos particularmente constrangidos por um motivo mais
poderoso de justiça e de amor: de justiça, para expiar a ofensa
feita a Deus com as nossas culpas e restabelecer com a penitência a
ordem violada; de amor, para sofrer juntamente com Cristo, paciente e
saturado de opróbrios, oferecendo-lhe na medida da nossa pequenez,
algum conforto”. E o Santo Padre lembra esta linda verdade: “se
por causa dos nossos pecados futuros, mas previstos, a alma de Cristo
se tornou de uma tristeza mortal, não há dúvida que já então
recebeu algum conforto pela previsão da nossa reparação, quando
lhe apareceu o Anjo do Céu para consolar o Seu Coração opresso de
tristeza e angústias”.
Poderoso
motivo este para não faltar na nossa devoção ao amor de Jesus, a
expiação ou reparação, tanto mais que “assim como a
consagração proclama e torna mais firme a união com Cristo –
assevera Pio XI – assim a expiação, purificando as culpas,
começa a mesma união e, com a participação nos merecimentos de
Cristo, a aperfeiçoa e completa, oferecendo sacrifícios pelo
próximo”; ou como diz noutro lugar: “quanto mais
perfeitamente corresponderem a nossa oblação e o nosso sacrifício,
ao sacrifício do Senhor, isto é, quanto mais imolarmos o nosso
amor-próprio e as nossas paixões e crucificarmos a nossa carne com
aquela mística crucifixão de que fala o Apóstolo, tanto mais
copiosos frutos de propiciação e expiação colheremos para nós e
para os outros”.
Novo
motivo pelo qual esta devoção se apresenta como uma Redenção de
amor, sobretudo, a respeito dos pecadores: levando as almas à
reparação e expiação, cresce a torrente de sangue que, com o de
Jesus derramado no Calvário, brada ao Eterno Pai por misericórdia a
favor dos pecadores; e descem do Céu as graças milagrosas de
conversão.
De
tudo o que aí fica e tão pouco é em assunto inesgotável,
concluamos: qui crediderit et baptizatus fuerit salvus erit:
nesta hora de impiedade, de blasfêmia e de ódio, quem se quiser
salvar, imite o Apóstolo e Discípulo amado: acredite no amor de
Jesus aos homens: nos credidimus caritati. E batize-se;
batize-se neste batismo de fogo e de sangue que é a devoção ao
Santíssimo Coração de Jesus: fogo de amor que se entrega numa
consagração generosa e total de si mesmo, das suas coisas, da sua
família; sangue de reparação e expiação, que consola a Jesus,
toma parte nas Suas tristezas, O desagrava, O ajuda a expiar e
satisfazer à Justiça divina pelos pecados do mundo. Expiação e
reparação que lança mão de todos os meios: da Comunhão reparado,
em que se condensa o terceiro grau do Apostolado da Oração; da Hora
Santa; da adoração noturna no lar; de tudo o que faz sofrer física
e moralmente, para que com verdade Jesus possa dizer de nós: inveni
virum secundum Cor meum qui facit omnes voluntates meas:
encontrei uma pessoa segundo o Meu Coração, que faz todas as Minhas
vontades.
Deste
modo teremos encontrado em vida não só um poderoso meio para
chegarmos rapidamente à santidade, um asilo seguro onde acolher-nos
das emboscadas do Inimigo, um auxílio oportuno em todas as nossas
necessidades e dificuldades, mas particularmente um suavíssimo
amparo na hora da morte.
Como
é doce morrer, depois de ter passado a vida numa verdadeira devoção
ao Santíssimo Coração de Jesus!
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Fonte:
Rev. Pe. Mariano
Pinho, S.J., “Regresso
ao Lar”, Cap. 29º,
pp. 502-524. Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1944.
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