Santo Agostinho em cem lugares ensina esta mesma prática. Diz ele: “Ninguém vem ao Salvador senão sendo atraído. Quem é que Ele atrai, e quem é que Ele não atrai, por que é que Ele atrai este e não aquele, não queiras ajuizar disto, se não queres errar. Escuta uma vez e ouve. Não és atraído? Reza a fim de seres atraído. De certo, ao cristão que ainda vive da Fé e que não vê o que é perfeito, mas sabe apenas em parte, basta saber e crer que Deus não livra ninguém da condenação senão por misericórdia gratuita, por Jesus Cristo Nosso Senhor, e que Ele não condena ninguém senão pela Sua justíssima verdade, pelo mesmo Jesus Cristo Nosso Senhor. Mas saber por que é que Ele livra este de preferência àquele, sonde quem puder tamanha profundeza dos Seus juízos, mas resguarde-se do precipício, pois os Seus decretos não são por isso injustos, ainda que sejam secretos.1 Mas, por que então livra Ele estes de preferência àqueles?2 Dizemos outra vez: Ó homem! Quem és tu para responderes a Deus?3 Incompreensíveis são os Seus juízos.4 E acrescentemos isto: Não inquiras das coisas que estão acima de ti,5 e não investigues o que está além de tuas forças.6 Ora, Ele não faz misericórdia àqueles a quem, por uma verdade mui secreta e muito afastada dos pensamentos humanos, julga não dever conceder Seu favor ou misericórdia (Quaest. II, ad Simplic.).7
Vemos às vezes crianças gêmeas das quais uma nasce cheia de vida, e recebe o Batismo; a outra, nascendo, perde a vida temporal antes de renascer para a eterna; uma, por conseguinte, é herdeira do Céu, a outra é privada da herança. Ora, por que será que a Divina Providência dá desfechos tão diversos a tão semelhante nascimento? De certo, pode-se dizer que a Providência de Deus ordinariamente não viola as Leis da Natureza; de tal sorte que, sendo um desses gêmeos vigoroso e o outro demasiado fraco para suportar o esforço da saída do seio materno, este morreu antes de poder ser batizado, e o outro viveu; não havendo assim a Providência querido impedir o curso das causas naturais, que, nessa ocorrência, terão sido a razão da privação do Batismo naquele que o não teve. E certamente esta resposta é bem sólida”.
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Fonte: São Francisco de Sales, “Tratado do Amor de Deus”, Liv. IV, Cap. VII, pp. 226-227. 2ª Edição, Ed. Vozes, Petrópolis, 1996.
1. I Tract. XXVI in Joan.
2. Ep. 105.
3. De bono persever., c. XII.
4. Rom. XI, 20.
5. Rom. XI, 33.
6. Ecli., III, 22.
7. Quaest., II ad Simplic.
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