“Manda-nos o Verbo que O amemos sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos e que testemunhemos este amor por atos, assim como Ele mesmo nos dá o exemplo. Em relação a Deus e ao próximo, devemos mostrar-nos fiéis a estes Preceitos; cada um de nós ouve este chamado. Mas quais são as almas que a ele correspondem? São aquelas que, tendo fome e sede da virtude, correm com desejos santos pelo caminho que o Cristo crucificado nos traçou. Com esta sede e estes desejos, eles se aproximam da fonte… Assim nos convida Cristo, o doce Jesus, a beber a água viva.
A outra voz que nos incita é a do Demônio… Ele traz a morte em si e eis por que nos impele a beber a água morta. Se lhe perguntares: ‘Que me darás se me entregar ao teu serviço?’, ele te responderá: ‘Far-te-ei presente do que possuo: já que vivo sem Deus, necessário te será também viver sem Ele. Estou no fogo eterno onde há choro e ranger de dentes; estou abismado nas trevas e privado de luz; perdi toda esperança e tenho por companheiros todos os condenados e supliciados. Eis o que te darei como recompensa e como consolação’…
Qual é pois o caminho que estamos convidados, consequentemente, a seguir? É a via da mentira. A mentira gera o miserável amor-próprio que te leva a amar, de forma desregrada, o fausto, a magnificência do mundo, as criaturas e a ti mesmo, sem te preocupares em perder a Deus e a beleza da tua alma. Na tua cegueira, fazes do mundo o teu Deus; como um ladrão, furtas o tempo que deverias consagrar à glória de Deus, à salvação de tua alma e ao bem dos outros, pois que o desperdiças na tua própria satisfação, concedendo a teu corpo mais bem-estar e conforto do que Deus permite… Cristo escreveu Sua doutrina no próprio Corpo; fez de Si mesmo um livro, cujas iniciais são tão grandes e rubras que o mais iletrado e menos atencioso pode, facilmente, distingui-las e compreendê-las. O Diabo coloca diante dos teus olhos o livro de teu próprio sensualismo, no qual estão escritos todos os vícios e tendências más da tua alma: a cólera, a impaciência, o orgulho, a infidelidade para com o Criador, a injustiça, a impureza, o ódio ao próximo, o gosto do pecado e o descaso pela virtude, o grosseirismo, a calúnia, a preguiça, a negligência. Se a vontade se detém neste livro, dele se impregnando e pondo em prática suas lições, segue, como um ímpio, a trilha da mentira, indicada pelo Demônio, e bebe a água morta, para seu castigo e condenação eterna”.1
Eis aqui a mensagem que Catarina devia transmitir ao mundo político como ao mundo religioso. Existem dois reinos: – de um lado, o egoísmo, o mundo, o pecado, as trevas, a morte, o Inferno; – do outro lado, o amor, a renúncia, o cumprimento do dever, a luz, a vida, o Céu. A porta de entrada para o reino da morte é o eu, Ego; a porta do reino de Deus é o Verbo, Jesus. Aquele que vive no seu eu apega-se àquilo que passa e perecerá; – aquele que se fixa em Jesus, fixa-se no imperecível e será salvo.
Esta doutrina parecia tão eminentemente verdadeira a Catarina que ela não podia deixar de pregá-la em todas as ocasiões, aos grandes e aos pequenos, “oportuna e inoportunamente” como diz o Apóstolo. “Esta mulher”, escreveu o bom tabelião Cristófano Guidini maravilhado, “pouco se preocupava em saber se o que ela dizia agradável ou não”.2 Para ela, a política, assim como todas as outras obras humanas, constituía capítulos de moral e o homem de Estado devia ser, como todos os outros homens, um imitador de Cristo. Imiscuía-se entre as repúblicas beligerantes, penetrava na Igreja corrompida, admoestando os homens a deporem as armas a fim de se darem o ósculo da paz, exortando-os a que passassem do nepotismo e da simonia à retidão e probidade, do temor dos homens ao temor de Deus, do próprio Eu a Jesus.
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Fonte: Johannes Joergensen, “Santa Catarina de Sena”, Livro Segundo, Cap. IX, pp. 142-143. 2ª Edição, Editora Vozes Ltda, Petrópolis/RJ, 1953.
1. Carta 318.
2. “Costei, per l’onore di Dio, non curava dispiacere o di piacere”. (Arch. Stor. Ital. IV, p. 36).
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