A Eucaristia,
penhor da remissão dos pecados.
É o Sangue da Nova Aliança,
que purifica e santifica.
“Bebei dele todos: isto é meu sangue, o sangue da nova aliança; o sangue derramado por vós em remissão dos vossos pecados”. É aqui a parte admirável do Mistério, e também, como se vê, aquela em que Jesus fala com mais força. Que Ele nos dê a comer do Seu Sacrifício, a Carne da Páscoa, é o costume, é o desígnio desse Sacrifício; jamais, porém, se lhe bebeu o sangue, nem o de nenhuma vítima, ainda que se tivesse comido as carnes. “Moisés, diz São Paulo, tendo recitado diante de todo o povo as ordenações da lei, tomou do sangue das vítimas com água, e lançou-o sobre o próprio livro e sobre todo o povo, dizendo: É o sangue do testamento que Deus já fez para vós”. Eis aí, ao que parece, tudo o que se pode fazer do sangue das vítimas; regar, com ele todo o povo, mas não dar-lhe a beber. Só Jesus Cristo vai mais adiante. Moisés diz, lançando o sangue das vítimas sobre o povo: Isto é o sangue da aliança; ao que o Salvador alude manifestamente quando diz: Isto é meu sangue da nova aliança. É, portanto, sangue numa e noutra ocasião. Todo o povo é por ele tocado, mas diferentemente; pois é tocado por aspersão sob Moisés, e a aspersão que Jesus ordena é bebê-lo; é a boca, é a língua, que deve ser regada dele por essa aspersão; “bebei dele todos, diz Ele, pois é meu sangue, o sangue da nova aliança; o sangue derramado em remissão dos pecados”.
Essa diferença dos dois Testamentos é cheia de Mistério. Uma das razões que eram dadas aos antigos para não comerem o sangue, “é porque ele era dado, diz o Senhor, a fim de que, sendo derramado em volta do altar, seja em expiação das nossas almas em propiciação pelos nossos pecados; e, para isso, mandei aos filhos de Israel, e aos estrangeiros que moram entre eles, não o comerem”.1 Proíbem-lhes comer sangue, “por ser ele derramado pela remissão dos pecados”; e ao contrário o Filho de Deus quer que o bebam, “por ser ele derramado pela remissão dos pecados”.
Era pela mesma razão que estava escrito: “Toda vítima que se imolar para expiar o pecado no santuário, não será comida, mas será consumida pelo fogo”2: e essa observância significava que, não podendo a remissão dos pecados efetuar-se pelos sacrifícios da lei, os que as ofereciam ficavam sob o interstício, e numa espécie de excomunhão, sem participar da vítima que era oferecida pelo pecado. Mas, por uma razão contraria Jesus Cristo, havendo expiado as nossas almas, e tendo realizado perfeitamente a remissão dos pecados, pela oblação de Seu Corpo e pela efusão do Seu Sangue, ordena-nos “comermos esse Corpo entregue por nós, e bebermos o Sangue da Nova Aliança, derramado pela remissão dos pecados”, para nos mostrar que esta, estava feita, e que nós não tínhamos mais senão que no-la aplicar.
Degustemos, pois, na Eucaristia a graça da remissão dos pecados, dizendo com Davi: “Bem-aventurados aqueles a quem são perdoadas as iniquidades e cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado aquele a quem o Senhor não imputa pecado, e que não se impõe a si próprio”3, no pensamento que tem de que eles lhe são perdoados. E ainda: “Minha alma, bendize o Senhor, e tudo o que está em mim bem-diga o seu santo nome. Minha alma, bendize o Senhor, e não lhe esqueças os benefícios. É ele quem perdoa todos os teus pecados; é ele quem cura todas as tuas doenças… Ele não nos tratou segundo os nossos pecados; não nos retribuiu com o que mereciam as nossas culpas… Tanto quanto o levante dista do poente, tanto ele afastou de nós as nossas iniquidades”.4
Que repouso tem uma consciência perturbada pelo seu crime e alarmada com a justiça divina que a aperta, em saborear no Corpo e no Sangue de Jesus a graça da remissão dos pecados, e por isso mesmo de apagar-lhe todos os resíduos!
Aprendamos que a Eucaristia, é um remédio dos pecados. Se nos purgamos dos grandes, ela apagará os pequenos e dar-nos-á força para evitar assim os pequenos como os grandes.
É o pecado que põe a separação entre Deus e nós. Purificar-se dos pecados, é tirar todo empecilho e tornar os amplexos entre o Esposo e sua Igreja mais ardentes, mais puros, mais íntimos.
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Fonte: Jacques-Bénigne Bossuet, Bispo de Meaux, “Meditações sobre o Evangelho” – Opúsculo “A Eucaristia”, Cap. XXIII, pp. 105-108. Coleção Boa Imprensa, Livraria Boa Imprensa, Rio de Janeiro/RJ, 1942.
1. Lev. XVII, 11-12.
2. Lev. VI, 30.
3. Ps. XXXI, 2.
4. Ps. CII, 1 ss.
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