Recompensa da Devoção
ao Sagrado Coração:
a Predestinação.
Pode-se dizer sem exagero, que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus é um penhor e sinal de predestinação. Para nos convencermos, basta considerar atentamente a quem honramos por esta devoção. É evidente que é o Coração mais amante, mais reconhecido, mais misericordioso, mais desejoso de nossa salvação, pois, é um Coração divino, criado de propósito para nos amar.
O Coração de Jesus é Todo Amor Para Nós. Nós não temos amigo, irmão, pai, mãe, esposo, que nos ame tanto como Ele. O divino Salvador ama todos os homens, pois deu sua vida por todos eles sem exceção; mas ama com afeto mais especial aqueles que O amam.1 E que belo testemunho de amor é a devoção ao Sagrado Coração, pois, como já vimos, esta devoção não é outra coisa que um exercício d’amor! Ora, si os corações que se amam, buscam unir-se para não se separarem mais, como se exprime Santo Tomás, segue-se que Jesus Cristo, arroubado por ver uma alma exercer o amor para com Ele pelas piedosas práticas da devoção ao seu amabilíssimo Coração, deve desejar imensamente unir-se a ela de maneira inseparável. É verdade que a Comunhão estabelece entre Ele e a alma fiel uma união das mais estreitas, e é certamente penhor e antegosto da glória futura: mas esta união não pode satisfazer plenamente o amor divino, porque não é completa, nem definitiva; necessário lhe é, a este amor, a união perfeita e eterna do Paraíso. Oh! Quão doce nos será morrer quando amamos a Jesus Cristo durante nossa vida! Uma filha de Santa Teresa, que no momento de expirar viu suas irmãs chorar em torno do seu leito, disse-lhe: Minhas irmãs, porque chorais? Eu vou unir-me a Jesus Cristo, objeto de meu amor; si me tendes amor, alegrai-vos comigo. De mais, o Coração de Jesus é de tal modo reconhecido, que não pode deixar sem recompensa um copo de água fria dado por seu amor. Como poderia abandonar, na última hora, a quem O honrou por tantas orações, comunhões, boas obras, feitas na intenção de Lhe agradar? Não, Jesus Cristo não desampara seus servos na morte. Santo Hilarião, chegada a hora da morte, experimentava o temor natural que todo homem sente ao aproximar-se daquele terrível momento; mas animava-se dizendo: “Minha alma, que temes? Não serviste a Jesus Cristo durante setenta anos? Seu Coração, que é tão reconhecido, poderia te abandonar agora que tens a necessidade de seu socorro?”
Que temor poderia superar nas nossas almas a confiança que nos inspira o Coração de Jesus? Temeríamos por causa de nossos pecados passados? Mas temos de tratar com um Deus, cujo Coração é tão misericordioso que mais ardentemente deseja nos conceder o perdão de nossos pecados do que nós obtê-lo, diz São João Crisóstomo. Ele se gloria de usar misericórdia com os culpados, diz o Profeta,2 e perdoa-Lhes, apenas Lhe pedem perdão. Pecador, continua ele, não terás que gemer por muito tempo: à tua primeira lágrima o Senhor se compadecerá de ti. Por quanto, Ele não procede como os homens; estes, quando são ofendidos, não se dignam responder àquele que implora seu perdão; mas o Senhor, logo que ouvir o grito de vosso arrependimento, responder-vos-á e vos perdoará. Pois bem! Este Deus cheio de clemência, a quem fará misericórdia, senão àqueles que tiverem honrado durante a vida seu Coração infinitamente misericordioso, e Lhe tiverem oferecido tantos atos de reparação, tantas generosas satisfações, por seus próprios pecados e pelos dos outros?
Temeríamos nós as tentações do Inferno? Sem dúvida, o Demônio virá então para nos perder, mas se Jesus Cristo nos oculta no asilo do seu Coração, quem nos poderá fazer mal? Ele enviará então nosso Anjo Custódio para nos fortificar, nossos Santos Padroeiros para nos protegerem, São Miguel para nos defender, a Mãe de Deus para expulsar os inimigos infernais cobrindo-nos com sua proteção. Enfim, Ele mesmo virá, para defender contra as tentações esta alma que prestou tantas homenagens a seu divino Coração; dar-lhe-á a confiança e a força de que tiver necessidade nas suas últimas provações, de sorte que ela poderá desafiar todas as potências do Inferno, dizendo com São Paulo: “Quem será capaz de me separar do Coração de Jesus, ao qual sou intimamente unida pela graça, e que me conserva tão unida a Si pelo amor?3
Temeríamos talvez as dores da morte? Mas que serão então nossas dores comparadas com os tormentos dos Mártires? Quem dava então a esses generosos atletas a coragem para afrontar os mais atrozes suplícios que a crueldade dos tiranos pode inventar? Estes suplícios inauditos, eles os suportavam não somente com paciência, mas até com alegria e ainda com o desejo de sofrer mais cruéis pelo amor de Jesus Cristo. Quem operava este prodígio? É a graça do Coração de Jesus; ela é que lhes dava a paciência e a força necessárias para sofrerem tudo. Pois bem! Esta graça, Jesus Cristo não pode recusá-la àquele que tiver feito tantos sacrifícios durante sua vida para O honrar pelo mês do Sagrado Coração, pela Primeira Sexta-feira do mês, pela Hora Santa, pela visita quotidiana ao Santíssimo Sacramento, etc.
Temeríamos, enfim, o grande Juiz ante o qual devemos comparecer na morte? Ah! Quão própria é a devoção ao Sagrado Coração para nos tranquilizar neste ponto! Por quanto, quem será nosso juiz? Consolemo-nos: a nosso Redentor mesmo é que o Pai Eterno confiou o poder de nos julgar.4 Também São Paulo nos anima dizendo: Quem é que vos condenará? É este mesmo Salvador que, para não nos condenar à morte eterna, condenou-se a Si mesmo à morte por nós, e, não contente deste imenso benefício, continua ainda a interceder por nós no Céu junto de Deus, seu Pai.5 Ah! Como nos poderá condenar o Coração, cujas misericórdias tantas vezes havemos implorado? Que repreensões nos poderá fazer, se não desprezamos os meios de salvação que Ele nos deu? Poderá recusar nos salvar Aquele que prometeu ser o Consolador e Refúgio seguro dos que O honram? Terá Ele esquecido suas promessas? Como poderá desconhecer um amigo fiel que O tiver recebido tantas vezes com amor na Sagrada Comunhão?
Se assim é, devemos exclamar cheios da maior confiança: Oh! Que sinal de predestinação é a devoção ao Sagrado Coração! Oh! Quão doce é morrer depois de ter sido discípulo fiel do Coração de Jesus.
Prática
Aproximar-me-ei dos Sacramentos na Primeira Sexta-feira de cada mês, para obter do Coração de Jesus a graça de uma boa morte, e não deixarei passar este dia sem fazer a oração que se acha no fim deste livro, intitulada: Protestação para a boa morte.
Afetos e Súplicas
Ah! Meu Jesus, quando virá o dia em que poderei dizer: Meu Deus, não posso mais Vos perder? Quando Vos verei face à face e estarei certo de Vos amar com todas as minhas forças durante toda a eternidade? Ó meu Bem Supremo, meu único amor, enquanto eu viver cá na terra, estarei sempre em perigo de Vos ofender e perder vossa amável graça! Houve um triste tempo em que eu não Vos amava, em que desprezava vosso amor; agora arrependo-me de toda a minha alma, e confio que já me haveis perdoado; amo-Vos de todo o meu coração, desejo fazer tudo o que posso, para Vos amar e Vos agradar. Contudo, estou sempre exposto ao perigo de Vos recusar meu amor, e afligir vosso divino Coração que tanto amor me tem. Ah! Meu Jesus, vida e tesouro da minha alma, não o permitais. Se esta desgraça extrema tivesse de me acontecer, fazei antes que eu morra neste momento do modo mais doloroso; eu o aceito e Vos darei as graças por isto. Eterno Pai, por amor de Jesus Cristo e pelos merecimentos de seu divino Coração, não me desampareis em meio dos perigos que me cercam. Castigai-me quanto quiserdes, mas preservai-me da desgraça de perder vossa graça e vosso amor. Maria, minha boa Mãe, recomendai-me a vosso divino Filho; obtende-me de seu Coração tão generoso a perseverança na sua amizade.
Oração Jaculatória
Pai Eterno, fazei que eu seja fiel em honrar o Coração de Jesus até a morte.
Exemplo
Entre os homens dedicados à causa do Sagrado Coração de Jesus, justo é nomear o ilustre Presidente da República do Equador, Garcia Moreno, caído sob o ferro dos assassinos, à 6 de Agosto de 1875. Quando ele estudava em Paris, mostrava já sua Fé e sua grande alma. Moreno, reservava o Domingo para repousar, servir a Deus e estudar seu Coração. Passava este santo dia, parte na igreja, parte em passeios. Desprezava todas as outras distrações, e, todo o tempo de sua residência em Paris, ele nunca foi a teatros.
Este célebre homem deixou a França em 1857; em 1860 era Presidente. Profundamente católico, Moreno resolvera mostrar-se tal por toda parte e sempre. Falando um dia dos miseráveis equívocos sobre a liberdade, ele se pôs a dizer: “E eu também sou liberal, mas entendamo-nos. Para mim, a liberdade é o poder de fazer o bem; mas de fazer ou deixar fazer o mal, nunca!” Seu grande refrigério era a oração. Na sua casa, entre seus familiares, sua guarda e criados, o seu ofício era o de um bom pai de família. Todos os dias a oração e o terço, todos os Domingos e dias festivos, leitura sobre o ofício do dia, segundo o uso da Espanha. “Era um prazer e belíssimo exemplo vê-lo orar, dizia um de seus parentes. Sua voz nobre, sonora e penetrante lia-nos o texto conhecido; mas por vezes sua piedade lhe inspirava palavras novas, que se aplicavam às necessidades do momento. Ele pedia socorro para as necessidades do Estado, rogando a Deus lhe ditasse o que lhe cumpria fazer”. Garcia Moreno era verdadeiramente pai de seu povo; pelo que velava com rara solicitude para que o pão da Palavra de Deus e a instrução religiosa não faltassem. Os religiosos eram acolhidos com braços abertos, e nunca ele os achava muitos para seus desejos. Franciscanos, Jesuítas, Redentoristas, Irmãos das Escolas Cristãs, Irmãs da Caridade, etc., tinham no Equador perfeita liberdade para o bem. Garcia Moreno tinha feito, à frente de seu país e com ele, atos de fé brilhantes e sublimes. Só, no mundo inteiro, ele, como homem de Estado, protestou contra a invasão de Roma. Consagrou também sua República ao Sagrado Coração de Jesus. Numa missão, ele, Presidente da República, levava processionalmente, à vista de todos, sobre os ombros, pelas ruas de Quito, a Cruz sacrossanta. As funções de Presidente da República ele unia as de Membro da Conferência dos pobres e Diretor do Hospital, provido de móveis à sua custa. Este herói cristão costumava dizer a seus amigos: “Matar-me-ão, mas Deus não morre”. Poucos dias antes de sua morte, ele escrevia ao Soberano Pontífice: “Hoje que as lojas dos países vizinhos buscam meios de me assassinar, tenho mais que nunca necessidade da proteção divina, a fim de viver e morrer pela defesa de nossa Santa Religião. Que felicidade para mim ser detestado e caluniado por amor de nosso divino Redentor! E que imensa felicidade seria para mim, se vossa bênção me obtivesse do Céu a graça de derramar meu sangue por Aquele que, sendo Deus, quis derramar o seu por nós na Cruz!” Nos últimos tempos, como houvesse pressentido a morte, Garcia Moreno confessava-se e comungava duas vezes por semana. A 6 de Agosto, Primeira Sexta-feira do mês e dia em que ele foi assassinado, tinha comungado em honra do Sagrado Coração de Jesus. À uma hora indo para o palácio do governo, como tivesse de passar diante da Catedral, onde estava exposto o Santíssimo Sacramento, entrou para adorá-Lo. Ao sair, foi ferido por três assassinos. Levado para a Catedral, expirou diante do altar de Nossa Senhora das Dores, depois de ter recebido os últimos Sacramentos, e ter perdoado a seus assassinos. Sua última palavra foi: “Deus não morre”. Oxalá todos os povos tivessem um Garcia Moreno para governá-los.
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Fonte: “O Sagrado Coração de Jesus, segundo Santo Afonso de Ligório, ou, Meditações para o Mês do Sagrado Coração, a Hora Santa e a Primeira Sexta-feira do Mês”; coligidas das Obras do Santo Doutor pelo Padre Saint-Omer, C.Ss.R., “A Primeira Sexta-feira do Mês de Fevereiro”, pp. 294-302. 5ª Edição Portuguesa, Tipografia de Frederico Pustet, Impressores da Santa Sé. Ratisbona/Alemanha, 1926.
1. Prov. 8, 17.
2. Is. 30, 18.
3. Rom. 8, 35.
4. Jo., 5, 22.
5. Rom. 8, 34.
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