NIHIL OBSTAT
Rio, 21 de Abril de 1915
Côn.º DR. BENEDITO MARINHO
Cens.º Ecº
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IMPRIMATUR
Flum. Jan. 21/IV/1915
† SEB. AUX. EP.
Aos piedosos Leitores
“A memória dos justos
permanece eternamente”1
Estas palavras do Senhor podem-se com toda a razão aplicar ao Santo, em cuja honra oferecemos esta oração às almas devotas.
E na verdade, a memória do Glorioso Mártir São Jorge, defensor da fé cristã, desde o dia de sua morte, não somente não se extinguiu, mas tornou-se cada vez mais gloriosa, pelos inúmeros prodígios que ainda agora em nossos dias continua a operar.
A fama desses prodígios devidos à intercessão do Santo e a bondade de Deus, têm por tal forma excitado a confiança dos povos, que essa confiança paira muito além de tudo quanto nos fosse possível dizer ou imaginar.
No mundo inteiro invocam o Santo; pedem a sua santa imagem e elogiam os admiráveis rasgos de sua poderosa proteção.
Na Palestina, São Jorge é, o objeto de um culto fervoroso, e principalmente, entre os habitantes da Lydda, sua cidade natal.
É, portanto, oportuno oferecer aos fiéis devotos este opúsculo composto em honra do glorioso Mártir São Jorge e de grande proveito para o bem espiritual e temporal dos fiéis.
Possa São Jorge lançar sobre o autor destas poucas linhas a sua bênção nesta vida e alcançar-lhe a felicidade eterna na outra.
Alcance também para todos aqueles que lerem e praticarem esta oração, todas as graças e favores que pedirem por sua santa e poderosa intercessão.
O Autor
A. M. S.
MARTÍRIO PELA FÉ CRISTÃ
História da Vida e Martírio do glorioso São Jorge, segundo Metafrase, a qual é autêntica; e não a que o Papa Gelásio II reprovou. Dist. 15ª, Santa Romana, etc. Como diz Lipomano, Bispo de Verona.
Extraída do IV Volume do “Flos Sanctorum”. Nova edição aumentada pelo Padre José Antônio da Conceição Vieira – 1869.
Vendo Diocleciano, imperador de Roma, que tudo lhe sucedia bem, determinou, segundo seu parecer e engano diabólico, sacrificar aos deuses, principalmente a Apolo, sabedor das coisas que haviam de suceder. E consultando uma vez a estátua sobre certa coisa que desejava saber, dizem, que lhe respondeu o ídolo. Que os justos que estavam na terra, lhe eram impedimentos para dizer a verdade, e por causa deles sucedia muitas vezes ser falso o que ele dizia que havia de ser. Enganado o mísero Diocleciano com o seu erro, desejava saber, que homens eram aqueles que se chamavam justos na terra. Respondeu-lhe um sacerdote dos ídolos: Esses, imperador, são os cristãos.
Folgou muito o tirano de saber isto, e moveu guerra e perseguição contra os cristãos, já quietos das perseguições passadas. Logo sem mais tardar começou a perseguir os inocentes e justos. Era muito para chorar, ver os cárceres, feito para matadores, adúlteros e ladrões, cheios de Santos, que confessavam a Cristo por Deus e Salvador; e ver que não se contentava o tirano de atormentar os Santos com os tormentos antigos e costumados, mas, cada dia, inventou novos e mais cruéis tormentos com os quais grande multidão de cristãos eram torturados. Indo cada dia, de todas as partes, muitas acusações contra os cristãos ao imperador, e principalmente, referindo-lhe os procuradores do Oriente, que os cristãos eram tantos que desprezavam seus mandados, e que ou haviam de permitir que vivessem em sua fé, ou que estando eles com grande exército, e assim os matassem todos, porque de outra sorte não seria fácil.
Ouvindo o perverso Diocleciano estas coisas, mandou chamar todos os governadores e procuradores do Oriente e outras partes. Estando junto com os senadores, manifestou a crueldade que tinha nas entranhas contra os cristãos, e mandou que cada um dissesse seu parecer. Sendo alguns de contrária opinião, por último derramou o tirano sua peçonha, afirmando que nenhuma coisa havia mais excelente que a veneração dos ídolos; e assim lhes disse: Todos que estimais minha amizade, ponde todas as forças para lançar fora de todo o meu império a Religião dos cristãos, e eu vos favorecerei com todo o meu poder.
Louvaram todos este parecer do imperador, e determinaram que se referissem ao povo três vezes em três dias.
Estava então no exército o maravilhoso cavaleiro de Cristo, São Jorge, o qual era natural da Capadócia, de pai e mãe cristãos, e muito nobres, e fora criado desde menino na sagrada Religião Cristã. Sendo São Jorge ainda moço, morreu o pai em uma batalha. Por ser ele bom cavaleiro, foi de Capadócia para a Palestina com sua mãe, que era natural daquela região, onde tinh fazenda. E como este Santo tivesse idade para a guerra, foi instituído por Capitão, no qual ofício, vendo-o Diocleciano muito destro e excelente cavaleiro, fê-lo conde.
Neste tempo faleceu sua mãe, e ele tomando grande parte nas riquezas que lhe ficaram, foi-se para a corte do imperador, sendo de idade de 23 anos. Vendo o Santo mancebo que urdia tanta crueldade contra os cristãos, parecendo-lhe ser aquele tempo conveniente para alcançar a verdadeira salvação, distribuiu com diligência toda a fazenda que tinha aos pobres. Depois disto, no dia em que o conselho do senado havia de ser confirmado contra os cristãos, o Santo mancebo, sem temor humano, armado só do temor de Deus, com alegre rosto se pôs em pé no meio de todo o concílio, e falou desta maneira:
“O imperador e nobres senadores, acostumados a fazer boas leis, que desatino é este tão grande, que não cessais de acrescentar vossa ira contra os cristãos, que têm a certa e verdadeira Lei, para que a deixem e sigam a seita que vós mesmos não sabeis se é verdadeira, porque os ídolos que adorais, afirmo que não são deuses, havendo sido homens perdidos!
Não vos enganeis: sabei que Cristo só é Deus e Senhor na glória de Deus Pai, e por Ele foram feitas todas as coisas, e pelo seu Espírito Santo todas as coisas são regidas e conservadas. Pois esta é a verdade e não queirais perturbar os que a professam”.
Ouvindo isto, todos ficaram atônitos e espantados do valor e atrevimento com que falou o Santo mancebo, e esperavam que respondesse o imperador; mas ele ficando perturbado e refreando a ira, fez sinal ao cônsul Magnêncio, que respondesse a Jorge. O cônsul mandou chegar o Santo mancebo mais perto de si e disse:
– Dize-me, mancebo, quem te deu tamanha ousadia para falar neste consultório?
– Respondeu o Santo: “A verdade”.
– Disse o cônsul: Que coisa é a verdade?
– Respondeu o Santo: “A verdade é meu Senhor Jesus Cristo, a quem vós perseguis”.
– Disse o cônsul: Dessa maneira és tu cristão?
– Respondeu-lhe o Santo: “Eu sou servo de meu Redentor Jesus Cristo, e Nele confiando me pus no meio de vós outros, para que dê testemunho da Verdade”.
Com estas palavras se perturbaram todos . Então Diocleciano pondo os olhos no Santo mancebo, o conheceu, e lhe disse:
– Sabendo eu há dias a tua fidalguia, te levantei ao mais alto grau da dignidade de minha corte, e agora ainda que falaste tão alto, como sou muito afeiçoado à tua prudência e fortaleza, te aconselho, como pai amoroso, que não deixeis o proveito e honra da milícia, nem queirais perder a flor da tua idade com tormentos, antes sacrifica aos deuses e receberá de mim maiores prêmios e mercês.
– São Jorge lhe respondeu: “Oxalá, ó imperador, que conhecendo tu por mim o verdadeiro Deus, lhe oferecesse o sacrifício de louvor, que Ele pede e deseja; e eu ficarei por fiador de que Ele, Senhor de outro mais excelente império do que tens, que é o o do Reino que dura para sempre; porque este que agora possuis, cedo se há de acabar. E sabe de certo que nenhum desses bens que me promete, poderão de alguma maneira afastar-me de meu Deus, nem algum gênero de tormentos que inventares, poderá tirar de mim o amor de meu Redentor, nem causar em mim temor algum da morte temporal”.
Ouvindo isto o imperador, cheio de ira mandou aos soldados que o deitassem fora do concílio com lançadas, e o metessem no cárcere. Fizeram logo os soldados o que lhes fora mandado, mas a ponta das lanças com que lhe tocou no corpo um soldado, dobrou como se fosse de chumbo, e o Santo não cessava de dizer divinos louvores. Sendo o Santo posto no cárcere, estenderam-no em terra e puseram-lhe grilhões nos pés e sobre o seu peito uma grande pedra. Tudo isso lhes mandou o tirano fazer; mas o Santo sofrendo o tormento com muita paciência, não cessou até o dia seguinte de dar graças a Deus.
Sendo manhã, o imperador mandou-o vir perante si, e estando o Santo muito atormentado com o peso da pedra, disse-lhe o imperador:
– Tornaste já sobre ti, Jorge?
– Respondeu o Santo: “Por tão fraco me tens imperador, que cuidas que um tormento de meninos e tão pequeno, havia de me afastar de Cristo e negar a verdade? Primeiro, cansarás tu em me atormentar, do que eu sendo atormentado”.
Disse Diocleciano: Eu te darei tantos tormentos de meninos, que te acabarão a vida. Mandou logo trazer uma roda grande e cheia de navalhas e meter o Santo nela, para ser despedaçado. Estava esta roda pendurada, e por baixo tinha umas tábuas, nas quais estavam pregadas muitas pontas agudas como canivetes, e algumas como anzóis, e outras como trinchetes de sapateiro. Puseram o Santo entre as tábuas e a roda, atado com loros e cordas, tão apertado, que dentro da carne se escondiam as cordas; e voltando a roda, todo o corpo lhe ficava ferido muito cruelmente.
Este espantoso gênero de tormento sofreu o Santo com grande ânimo; e fazia oração ao Senhor, e depois ficou como adormecido por um bom espaço de tempo.
Vendo isto, Diocleciano, e cuidando que já estava morto, ficou alegre e começou a louvar os seus deuses, e dizia: Onde está o teu Deus, Jorge? Porque não te livrou deste tormento de menino?
Mandou então tirá-lo do tormento, e partiu para ir sacrificar a Apolo; mas logo apareceu uma nuvem no ar, e viu um grande trovão, e soou uma voz que muitos ouviram, a qual disse:
– “Não temas, Jorge, porque Eu sou contigo”.
Daí há pouco viu-se grande serenidade, e foi visto um varão vestido de branco estar em cima da roda, muito resplandecente no rosto, e deu a mão ao Santo Mártir, e abraçando-o mandou desatá-lo; e logo desapareceu aquele varão de tanta claridade e ficou São Jorge solto, livre e são, dando graças a Deus.
Os soldados que o guardavam ficaram fora de si, espantados de tal visão, e deram logo novas do que se passava ao imperador, que se achava no templo. Vendo o imperador a Jorge, dizia que não podia ser aquele o mesmo Jorge, mas outro que se parecesse com ele.
Dois pretores ou corregedores, um chamado Anatólio, outro Petroleu, sendo antes criados na fé de Cristo, vendo o milagre cobraram ousadi, e em alta voz disseram:
– Um só é Deus, grande e verdadeiro, que é o Deus dos cristãos; – aos quais mandou logo o imperador levar para fora da cidade e cortar-lhes as cabeças. Muitos se converteram então ao Senhor, tendo fé dentro de si, mas não ousavam descobrir-se com temor da morte e tormentos. Também a imperatriz Alexandra, conhecendo a verdade e começando a querer falar livremente, um cônsul a retirou, e antes que o imperador entendesse a causa a deixou no seu paço.
Não sofrendo Diocleciano estas coisas mandou meter o Santo varão em uma fornalha de cal virgem, três dias, e mandou vigiar, que não lhe viesse de nenhuma parte ajuda alguma. Sendo levado a esse tormento, preso, ia fazendo oração a Deus em alta voz, dizendo: “Senhor meu, ponde os olhos de vossa misericórdia em mim, e livrai-me das insídias do inimigo, e concedei-me que até o fim confesse o vosso Santo Nome.
Não digam os meus inimigos por minhas maldades: Onde está o teu Deus? Mandai, Senhor, o vosso Anjo em minha guarda, assim como transformaste a fornalha da Babilônia em orvalho, e os moços que estavam dentro, conservaste sem lhes fazer mal o fogo”.
Dito isto, e fazendo o Sinal da Cruz em todo o corpo, com grande alegria entrou no forno de cal. Os ministros e soldados que foram mandados para executores destes tormentos, depois de o deixarem no forno se retiraram. Ao terceiro dia, chamou o imperador alguns soldados e disse: Não fique memória daquele malaventurado Jorge, para que não haja quem honre as suas relíquias; portanto ide, e se achardes algum osso enterraio, que não apareça mais. Foram os soldados, seguindo-se grande multidão de povo para ver o que se passava. Descobrindo a cal acharam dentro o varão santo com o vestido resplandecente; o qual levantadas as mãos para o Céu, dava louvores a Deus por todos os seus benefícios; e saindo do forno sem algum mal que lhe fizesse a cal, todos se espantaram de tão maravilhosa causa, e louvaram o Deus de São Jorge.
Chegou a nova deste milagre a Diocleciano, este mandou chamar à Jorge e muito espantado lhe disse: Jorge, com que artes fazes estas maravilhas? Respondeu-lhe o Santo: “Oh, cego imperador, que chamas artes às maravilhas do Senhor, por isso choro tua cegueira”.
Disse Diocleciano: Agora veremos Jorge, se diante dos nossos olhos fazes milagres. Mandou, então, o tirano trazer umas chinelas de ferro ardente, e mandou-lhas meter nos pés, e desta maneira, o fêz levar ao cárcere, e indo açoitando e zombando dele, diziam: Oh, como Jorge corre, ligeiramente; mas o Santo Mártir sendo tão cruelmente levado e açoitado, ia muito alegre dizendo a si mesmo: “Corre Jorge, para que alcances o prêmio”. Depois orando, dizia: “Senhor, olhai o meu trabalho e ouvi os gemidos de vosso preso, porque os meus inimigos se multiplicaram e me tiveram grande ódio pelo vosso Nome; mas Vós, Senhor, me sarai, porque todos os meus ossos estão atormentados, e dai-me paciência até o fim, para que não diga o meu inimigo: Prevaleci contra ele”. Desta maneira passou o Santo mancebo até chegar ao cárcere, indo muito atormentado das chagas que lhe fizeram nos pés os pregos ardentes que as chinelas de ferro tinham para cima. Passando o Santo todo aquele dia e noite em dar graças a Deus, no dia seguinte foi levado diante do imperador, o qual estava sentado junto ao teatro público, estando presente todo o senado.
Vendo o imperador o Santo varão andar tão bem e tão sem obstáculo, como se não recebesse algum mal das chinelas de fogo, disse-lhe: Jorge, as chinelas foram para ti refrigério? Respondeu São Jorge: “Sim, foram”. Disse o imperador: Deixa já a tua ousadia e arte mágica, vem para nós e oferece sacrifício aos deuses, pois de outra maneira será atormentado com diversos tormentos.
Respondeu São Jorge: “Quão ignorante te mostras, pois chamas feitiços ao poder do meu Deus e por outra parte dás honras, aos enganos dos Diabos que adoras”.
Logo o tirano com cruel aspecto atalhou a prática ao Santo e mandou aos que estavam presentes, que o ferissem no rosto, dizendo: Assim te ensinaram a dizer injúrias aos imperadores? E depois disto, mandou que o açoitassem com nervos de búfalo, até que fosse desfeito seu corpo. Sendo o glorioso Mártir tão sem piedade atormentado, e não mudando a alegria do rosto, disse o tirano: Certamente não chamarei a isto obras de virtude, mas arte mágica. Disse então Magnêncio ao imperador: Senhor, mandai chamar um homem que aqui mora, grande mágico, e com ele será vencido Jorge. Foi logo chamado o feiticeiro e lhe disse Diocleciano: Todos os que aqui estamos presentes sabemos o que este maldito Jorge faz; mas porque arte o faz, tu no-lo declararás. E rogo-te que destruas seus feitiços e o faças obedecer-nos. Prometeu então Atanásio (assim se chamava o mágico), que no dia seguinte faria tudo que lhe ordenava; e mandou o imperador guardar o Santo no cárcere, no qual ele invocava o Nome do Senhor, dizendo: “Seja, Senhor, a vossa misericórdia sobre mim, e encaminhai meus passos na confissão de vosso Santo Nome, e acabai minha vida na vossa fé, para que em tudo seja o vosso louvado”.
No dia seguinte, estando Diocleciano no teatro, mandou vir o mágico, o qual veio muito eufórico e mostrando ao imperador umas beberagens, disse: Seja trazido aqui, Jorge, e vereis a força destas mesinhas ; pois se quereis que obedeça deem-lhe deste outro vaso.
Mandou o imperador vir perante si a São Jorge, e disse-lhe: Agora, Jorge, serão acabadas as tuas artes mágicas; e mandou que por força bebesse um daqueles vasos; mas o Santo sem algum temor o bebeu sem lhe fazer mal; e, finalmente, esteve muito constante na fé e ficou a arte do Diabo escarnecida.
O imperador vendo isto, mandou-lhe dar a outra beberagem, que o constrangessem a bebê-la; mas o Bem-aventurado Santo não esperando que o forçassem, pela divina virtude bebeu a outra, sem lhe fazer mal algum.
Ficou o imperador pasmado e espantado e todo o senado e o mesmo feiticeiro, de tamanha maravilha; e disse o imperador ao Santo Mártir: Até quando nos há de pôr em espanto com isto que fazes? Por que não acabas de a verdade? Como escapas tão facilmente da peçonha que dão a beber e como despresas os tormentos? Respondeu o Santo: “Não cuides, imperador, que somos livres por alguma humana providência, mas só pelo poder e virtude de Cristo; e confiados n’Ele, não fazemos caso dos tormentos seguindo Sua doutrina”. Disse então Diocleciano: Que doutrina é a do teu Cristo? Respondeu São Jorge: “Conhecendo o Senhor, a diligência que vós outros haveis de ter em persuadir os Santos, disse:
Não temais àqueles que matam o corpo, nem façais caso das coisas transitórias; sabeis de certo que um cabelo de vossa cabeça não perecerá; e ainda que bebas peçonhas não vos fará mal. Finalmente, prometeu-nos dizendo: Aquele que crer em Mim, fará as obras que eu faço. Que obras são essas? Respondeu o Santo: Dar vistas aos cegos, curar leprosos, fazer andar aos mancos, abrir ouvidos aos surdos, expelir os Demônios dos corpos, ressuscitar os mortos e outras coisas semelhantes a estas.
Virou-se, então, o imperador para Atanásio, o mágico, e lhe disse: que dizes tu a estas coisas. Respondeu Atanásio: Admiro-me de ver como este mancebo despreza a vossa mansidão com suas mentiras; mas já que ele diz, que os que esperam no seu Deus farão as obras que Ele faz, ali naquele sepulcro que está diante de nós, está um defunto que eu conheci, e pouco tempo há que ali o sepultaram; se Jorge o ressuscitar, sem nenhuma dúvida adoremos o seu Deus. Então o imperador fez sinal a Jorge, que o experimentasse.
Pediu então Magnêncio ao imperador, que mandasse soltar a jorge, e depois de solto lhe disse: Agora, Jorge, mostra-nos as maravilhas do teu Deus; e se o fixeres, todos creremos n’Ele. Respondeu São Jorge: “Nobre cônsul, Deus que todas as coisas criou do nada, poderoso é para por mim, ressuscitar este defunto; mas, como vossas almas estão cegas, não podereis entender a verdade; porém, por amor do povo circunstante, isto que pedis tentando-me, Deus o fará por mim, para que o não atribuas a arte mágica. Pois este mágico que aqui o trouxeste, confessa que nem por encanto, nem pelo poder dos vossos deuses, pode um morto ser ressuscitado, eu diante de todos vós outros chamo a meu deus; e dizendo pôs os joelhos em terra, e quase chorando orava a Deus, e levantando-se disse em alta voz: Ó eterno Deus de misericórdia, Deus de todas as virtudes, e que todas as coisas pode, que não frustreis a esperança dos que em Vós confiam. Senhor Jesus Cristo, ouvi este mísero servo vosso, nesta hora, assim como ouvistes, Santos Apóstolos em todo o lugar, dando-lhes poder para fazerem milagres e sinais. Daí, Senhor, a esta geração má o sinal que pede, e ressuscitai a este morto para glória vossa, e do Pai e do Espírito Santo. Rogo-Vos, Senhor, que mostreis a estes circunstantes serdes só Vós, Deus Altíssimo sobre toda a terra e que eles conheçam serdes Vós, Senhor, poderoso, a cuja vontade todas as coisas estão sujeitas e que vossa será a glória para todo sempre. Amém. Dizendo o Santo Amém, se ouviu um grande som, de maneira que tremeram todos.
Logo se levantou grande alvoroço e tumulto no povo e muitos deles louvaram a Cristo, dizendo que era o verdadeiro Deus.
O imperador e os seus familiares, espantados e cheios de incredulidade, diziam que Jorge era um grande mágico, e que metera algum espírito naquele corpo para enganar os circunstantes; mas depois que verdadeiramente viram e conheceram ser homem o que ressurgira, e que chamava a Jesus Cristo, indo correndo para São Jorge, não sabiam mais o que dizer. Atanásio, encantado, vendo esta maravilha, lançou-se aos pés do Santo Mártir, dizendo em alta voz: que Cristo era Deus todo-poderoso, e rogava ao Santo, que lhe alcançasse o perdão de seus pecados.
Daí a pouco fez o imperador calar o povo, e disse-lhe: Veremos o engano e malícia destes feiticeiros? Este Atanásio, semelhante a Jorge, ambos de uma mesma arte, favorecem um ao outro; e as beberragens que havia de lhe dar de peçonha, não lha deu, mas deu-lhe outra cheia de encantamento para nos enganar. Acabando de dizer isto, mandou logo degolar Atanásio com o que fora ressuscitado, dizendo o pregão, que era por confessarem a Cristo por Deus, e a São Jorge, mandou meter no cárcere, onde o Santo dava graças a Nosso Senhor, pelas grandes maravilhas que por ele realizava.
E estando ali no cárcere, vinham a ele muitos dos que tinham recebido a fé pelas maravilhas que foram feitas, e desrespeitando os guardas se lançavam aos pés do Santo, entre os quais alguns enfermos que, em virtude do sinal e Nome de Cristo, foram por ele curados.
Andando um pobre homem lavrando a sua terra, um dos bois com que lavrava caiu em terra e morreu: e ouvindo a fama do Santo, foi correndo ao cárcere, chorando a perda do boi. Disse-lhe o Santo: “Vai alegre, porque Cristo, meu Senhor, tornou teu boi à vida”. Crendo ele em suas palavras, foi correndo e achou o boi vivo como o Santo dissera, e logo sem mais se deter, tornou este homem, chamado Glycero, ao Santo, e ia pela cidade dizendo em altas vozes: Muito grande é o Deus dos Cristãos. Uns cavalheiros o prenderam e mandaram dizer ao imperador o que se passara; o tirano cheio de ira o mandou degolar fora da cidade.
E Glycero, muito alegre, como se fosse a alguma convite, ia correndo diante dos soldados que o levavam ao martírio, e com alta voz chamava ao Senhor, pedindo-Lhe que recebesse o seu martírio em lugar do Batismo. E desta maneira acabou a vida. Neste tempo, alguns dos senadores foram acusar Jorge ao imperador, dizendo que estando no cárcere abalava o povo e fazia a muitos receber a fé de Cristo.
Ouvindo isto, o imperador tomou conselho com Magnêncio, e no dia seguinte mandou aparelhar sua cadeira junto ao templo de Apolo, para que ali publicamente, fosse o Santo perguntado. Naquela noite, orando o Santo no cárcere e adormecendo, viu em sonho o Senhor, que por sua mão o levantava e abraçava, e lhe punha uma coroa na cabeça, e dizia: “Não temais, mas tem forte o coração, pois já és digno e mereces reinar Comigo, não tardes em vir gozar dos bens eternos, que te estão aparelhados”. Acordando o Santo e dando graças a Deus com muita alegria, chamou o carcereiro e disse-lhe: “Rogo-vos, irmão, que deixeis entrar neste cárcere um meu moço, porque me importa falar com ele”. Concedendo o carceireiro o seu pedido, entrou o moço que estava fora muito triste pelos tormentos que passava o seu senhor. Levantou-o o Santo da terra onde se lançara, chorando, consolou-o, esforçou-o e disse: “Filho, muito cedo me chamará meu Senhor, para Si, mas depois que passar desta vida, tomarás este mísero corpo e levá-lo-ás a Palestina, à casa onde marávamos, e Deus será guia do teu caminho, e não afastes nunca da fé de Cristo”. E prometendo-lhe o criado com muitas lágrimas, que assim o faria, abraçou-o o Santo, e mandou-lhe que fosse dali em paz.
No dia seguinte, assentado Diocleciano em sua cadeira imperial, mandou vir São Jorge perante si, e começou com muita mansidão a falar-lhe desta maneira: Dize-me, Jorge, não te parece que sou muito humano e benigno para ti?
Testemunhas me sejam todos os deuses como me pesa em extremo de tua mocidade, assim em flor, da tua gentileza e formosura, como também pelo assento de tua discrição e constância de ânimo. E desejo muito (se te afastares da fé cristã), que mores juntamente comigo, e seja a segunda pessoa do meu império. Agora me responde, o que te parece.
Respondeu São Jorge: “Razão era, imperador, se tamanho amor e afeição me tinhas que não me perseguisse, como a inimigo capital, e não executarás em mim tantos tormentos por satisfazer com tua ira”.
Ouviu o imperador isto com bom gosto e disse a Jorge: Se me quiseres obedecer como pai, eu te compensarei os tormentos que te fiz dar, com muitas grandes honrar que te farei.
Disse então o Santo: “Se queres, imperador, vamos ao templo a ver esses deuses que vós outros honrais”. Levantou-se logo o imperador com grande alegria, e mandou lançar pregão, que o Senado e todo o povo viesse ao templo. Indo o povo para o templo, louvava ao imperador pela vitória que, cuidavam, alcançara do Santo mancebo. Entrados todos no templo, e aparelhado o sacrifício, tinham todos postos os olhos no Mártir, esperando que sem nenhuma dúvida havia de sacrificar.
O Santo chegou à estátua de Apolo, e estendendo a mão, disse: “Por que coisa quereis tu que te ofereça sacrifícios como a Deus?”
E logo faz Sinal da Cruz. O Demônio, que dentro, no ídolo estava bradava dizendo: Não sou Deus, nem algum semelhante a mim é o Deus a quem pregas. Nós, de Anjos fomos feitos Diabos, e enganamos os homens pela inveja que lhes temos. Perguntou-lhe então o Santo: “Pois como ousais vós outros estar aqui neste lugar estando eu presente, que adoro o verdadeiro Deus?” Dizendo isto se sentiu um ruído, como choro que saía das estátuas, e caíram todos os ídolos em terra e fizeram-se em pedaços.
Levantaram-se então alguns dos do povo, acesos em ira e fúria, incitando os sacerdotes, a tomarem o Santo, e açoitando-o bradavam, dizendo: Mate este feiticeiro, ó imperador, mata este mágico. E correndo estas novas, logo pela cidade, a imperatriz Alexandra, não podendo jamais encobrir a fá de Cristo que tinha, veio com grande pressa, e vendo o alvoroço do povo e a São Jorge preso, e longe dela, e que pela muita gente não podia chegar a ele, bradou em alta voz e dizia: “Deus de Jorge, ajudai-me”. Pacificado o alvoroço do povo, mandou Diocleciano trazer diante de si o varão Santo, e com grande ira lhe disse: Mau homem, desta maneira agradeces a benignidade com que te trato? Deste modo costuma sacrificar aos deuses> Respondeu São Jorge: “Sem dúvida, imperador, que deste modo aprendi eu a sacrificar aos teus deuses: daqui em diante tem vergonha de atribuir a saúde que tens a tal deus, os quais não podem sofrer a presença dos servos de Cristo”.
Dizendo estas palavras o Santo, chegou a imperatriz e disse ao imperador o que tinha dito d’antes, e lançou-se aos pés de São Jorge. Vendo isto o imperador, disse: Que novidade é esta, Alexandra, que te afeiçoou a este mágico encantador? A bem-aventurada imperatriz não lhe quis responder, tendo-o por indigno de sua resposta. O cruel imperador, cheio de ira e furor pela mudança da imperatriz, deu contra o Santo Mártir e contra ela a sentença seguinte:
Mando degolar a esse péssimo Jorge, que diz que é galileu, o qual assim aos deuses como a mim injuriou gravemente; e o mesmo fez Alexandra, imperatriz, enganada com os seus feitiços.
Tomaram logo os soldados o Santo varão e o levaram preso para fora da cidade, juntamente com a nobilíssima imperatriz, que orando a Deus com alegre ânimo, caminhava para o lugar do martírio; e indo assim, chegando a um certo lugar, pediu que a deixassem assentar um pouco, e assentando sobre o seu vestido, inclinou a cabeça sobre os joelhos e assim deu o espírito a Deus.
Por essa razão o Bem-aventurado Mártir Jorge, louvando e dando graças a Deus caminhava com grande alegria. Chegando ao lugar determinado fez oração Senhor, dizendo:
“Bendito sois, Senhor Deus meu, porque não permitistes que eu fosse despedaçado pelos dentes daqueles que me queriam e buscavam, nem consentiste que meus inimigos ficassem alegres com a vitória; porque livraste a minha alma, como pássaro do laço dos caçadores. Pois agora, Senhor, também me ouvi, sede comigo nesta última hora, e livrai a minha alma da maldade dos malignos espíritos; e todos os males, que por ignorância em mim executam, perdoai-lhes. Recebei, Senhor, a minha alma com aqueles que desde o princípio do mundo Vos serviram, e esquecei-Vos de todos os meus pecados, que eu voluntariamente, ou por ignorância cometi.
Lembrai-Vos, Senhor, dos que recorrem ao vosso Santo Nome, porque Vós sois Santo, Bendito e Glorioso para sempre. Amém”.
Acabando de dizer isto, estendeu o pescoço com alegria foi degolado, e entregou sua alma nas mãos dos Anjos a 23 de Abril, fazendo excelente confissão de fé pura e sã pelo ano 303. De suas preciosas relíquias trouxe São Gusmão, Bispo de Paris, um braço da Armênia a Paris, indo a Jerusalém, em romaria; outro braço seu se guarda em Colônia, cidade da Alemanha; e a cabeça foi trazida a Roma onde o Papa Zacarias a colocou em uma igreja dedicada ao dito Santo, a qual reformou São Gregório, do reino da Inglaterra e da ilustríssima Ordem militar da Jarrateira. Portugal tomou-o por seu defensor e invoca-o na guerra, desde o tempo de El-Rey D. Fernando e D. João I.
CONSELHOS ÚTEIS A QUEM
FIZER ESTA NOVENA2
1º. Quando possível, deve fazer em comum ou só, conforme o desejo do fiel devoto.
2º. Deve-se fazer diante da Imagem do Santo.
3º. Deve-se comungar ao menos uma vez durante a Novena.
4º. Podendo ser, deve-se dar uma esmola para aumento e manutenção de seu Culto.
5º. Pode, também, fazer-se a Novena, assistindo nove dias seguidos ao Santo Sacrifício da Missa.
6º. No fim de cada ponto (indique-se a graça que deseja obter).
7º. Convém celebrar santamente a festa do Santo Mártir São Jorge, aproximando-se, neste dia, da Mesa da Comunhão.
NOVENA EM HONRA
DO GLORIOSO MÁRTIR
SÃO JORGE
DEFENSOR DA FÉ CRISTÃ
Hino Veni Sancte Spiritus3
1. Vinde, ó Santo Espírito,
E enviai do Céu
Um raio de vossa luz.
2. Vinde, Pai dos pobres,
Vinde, Dispensador dos dons,
Vinde, Luz dos corações.
3. Consolador por excelência,
Doce Hóspede da alma,
Nosso doce Refrigério.
4. No trabalho sois Repouso,
No ardor sois Calma,
No pranto, Consolo.
5. Ó Luz beatíssima,
Penetrai até o fundo do coração
Dos que vos são fiéis.
6. Sem vossa graça
Nada há no homem,
Nada que não lhe seja nocivo.
7. Lavai o que é impuro,
Fecundai o que é estéril,
Ao que está ferido, curai.
8. Dobrai o que é rígido,
Aquecei o que é frio,
E o que se extraviou, guiai.
9. Dai aos que vos são fiéis,
E em vós confiam,
Os sete dons sagrados.
10. Dai-lhes o mérito da virtude,
A salvação no termo da vida,
A eterna felicidade. Amém. (T.P.) Aleluia.
V. Enviai o vosso Espírito, e tudo será criado. (T.P.) Aleluia.
R. E renovareis a face da terra. (T.P.) Aleluia.
Oremos: Ó Deus, que instruístes os corações dos vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, concedei-nos que pelo mesmo Espírito, conheçamos o que é reto e sempre gozemos de suas consolações. Por Jesus Cristo Nosso Senhor. Amém. (T.P.) Aleluia.
1º DIA
Considera, alma devota, que com afeto procuras hoje, por meio desta Novena, a proteção do Grande Mártir São Jorge, o desprezo que ele fez dos bens temporais que possuía, para seguir a Jesus cristo Senhor Nosso, a quem queria imitar, repartindo o produto de uma rica sucessão com os pobres, vendendo todos os seus móveis e os mais ricos vestidos, para espalhar o dinheiro pelos fiéis perseguidos por amor da Religião.
Ó virtude, a mais elevada do esclarecido Mártir São Jorge.
Solilóquio
E como vos considero Santo Glorioso, ainda nos primeiros progressos da virtude de um perfeito imitador de Jesus Cristo! Fazei, Glorioso Santo, que também vos imitemos, e intercedei a Deus por nós, para que por seu amor, desprezando os bens terrenos, somente aspiremos conseguir o sumo bem da glória. Amém.
3 Pai Nossos, 3 Ave Marias, e 1 Glória ao Pai.
Oremos4
Ó Deus, que nos alegrais com a intercessão e méritos do Bem-aventurado Mártir Jorge, fazei com que alcancemos da vossa bondade os benefícios que por meio dele Vos pedimos. Por Nosso Senhor Jesus Cristo…
Antífona
Iste Sanctus pro lege, Dei sui certavi usque as mortem, et a verbis implorum non timuit; fundatus enim erat supra firmam petra: Alleluia.
V. Gloria, et honora coronast eum Domine. (T.P.) Alleluia.
R. Et constituist eum super opera manum tuarum. (T.P.) Alleluia.
Oremus: Deus, qui primitias fidei apud Cappadociae gentes Beati Georgii Martyris tui sangunine confirmat; concede propitius; ut ad tui Nominis confessionem, cujus excitamur exemplis: precibus adjuvemur. Per Christum Dominum nostrum. Amen.
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1. Salm. 111, 6b.
2. Não resta dúvida que, as Novenas à São Jorge são abençoadas pelo Céu. Basta ler a sua vida e consultar a experiência para disso nos convencermos.
3. D. Guéranger explica: “[A sequência] foi composta por volta do final do século XII; sua autoria foi atribuída, e não sem razoável probabilidade, ao grande Papa Inocêncio III. É um hino de rara beleza, e é repleto de terno amor por Aquele que é co-igual a Deus com o Pai e o Filho, e que agora está prestes a estabelecer seu império em nossos corações”. (D. Guéranger, O Ano Litúrgico, Publicações Loreto, 2000, vol. 9, pág. 305. Cfr. Veni Sancte Spiritus, Sequência de Pentecostes (traditioninactiondobrasil.org)
4. “Missal Cotidiano e Vesperal”, por Dom Gaspar Lefebvre, O.S.B., 23 de Abril, pp. 1337-1338. Desclée de Brouwer & Cie, Bruges/Bélgica, 1952.
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