Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

MÍSTICO DIÁLOGO DA ALMA COM DEUS, QUE AOS 15 ANOS DE IDADE, MORRE SEM DECAIR DA GRAÇA BATISMAL, TENDO MUITOS PECADOS VENIAIS, É LEVADA AO PURGATÓRIO. DIÁLOGO III.


DIÁLOGO III


Diálogo do homem que, depois do uso da razão,

declina das virtudes para os vícios; e antes de chegar

aos 15 anos de idade, pouco mais ou menos,

sem decair da graça batismal,

tendo muitos pecados veniais, morre;

e é levada sua alma ao Purgatório e,

depois de purgada, é conduzida pelo seu Anjo

a gozar da vista de Deus por toda a eternidade.



Aos sete anos de idade, pouco mais ou menos, o homem, nascido ao mundo, entra no uso da razão; e como está no tempo de fazer escolha, ou de seguir o caminho da salvação ou de tomar pela estrada da perdição: fala a alma ao corpo e o persuade que ame a Deus e aborreça ao mundo, e que siga o caminho do Céu e não o do Inferno.

Chegado é, irmão corpo, o tempo de me fazeres, como a espírito, uma cruel e continuada guerra. Lembrado estás, quando te informei com alentos de vida, que te insinuei, que era espírito nobilíssimo, e tu uma porção de terra vil; eu senhora, e tu escravo. Não obstante isso, pela estreita união que temos, me houve contigo até agora como irmã; e como vivíamos na graça de Deus, que recebemos no Batismo, tudo em nós tem sido harmonia, paz, sinceridade e sossego. Agora conheço que já fazemos distinção entre o Bem e o Mal; que já temos cabal conhecimento, em que há um Deus, Criador e Remunerador, Autor da graça e da natureza; que há Céu e que há Inferno; e que para o Céu se vai pelo estreito, mas suave caminho da observância dos Divinos Preceitos; e que para o Inferno se vai pela larga estrada do vício e da maldade. Rogo-te que tomemos nesta tão importante empresa o melhor expediente, e que não sejamos rebeldes em executar estes santos ditames. Tratemos de amar a Deus sobre todas as coisas, por Ele ser quem é, e ao próximo como a nós mesmos; e obremos em todas as nossas ações de sorte que, mostremos ao mundo que somos do número dos sábios, e não dos insipientes; que somos do número dos Predestinados, e não dos Precitos. Fujamos da face do pecado, como quem se retira da presença da cobra; e cuidemos em nos conservar na graça batismal, na qual ainda estamos; porque em nós ainda não teve entrada culpa grave própria. Sejam todos os nossos principais cuidados o grande negócio da salvação. Não sejamos como muitos que querem salvar-se pelos merecimentos alheios: com as nossas boas obras, unidas aos infinitos merecimentos de Cristo, é que podemos nos salvar. Em bom tempo estamos, para executar nossos propósitos; pois as nossas inclinações ainda não estão viciadas; e as virtudes, exercitadas na infância, são mui aplaudidas: com advertência, que principiar a servir a Deus, sem ter cometido pecados, é meia obra feita, e meio caminho andado. Ânimo: não temas a aspereza do caminho; porque, suposto na aparência é escabroso, na realidade é suave.1 Assim como sou tua inseparável companheira, também hei de ser fiel coadjutora. Eu te alentarei com meus conselhos, te obrigarei com meus preceitos, e te ajudarei com meus esforços. Sobretudo, está certo que o Anjo da Guarda nos livrará dos inimigos; e o Senhor nos dará os auxílios da Sua graça, para que cheguemos com ventura às portas da Bem-aventurança.

Ouve o corpo os ditames da alma; e agradecido a tão bons conselhos, promete executar sua obediência e de não se apartar da reta razão e da lei divina.

Senhora minha e fiel companheira: Agradeço os conselhos que me dais; pois todos encaminham para o bem e desviam do mal. Desejo ser fiel a Deus e a vós; a Deus, porque o devo amar e não ofender; e a vós, pois vos sou obrigado, por me alentardes com vida e me encaminhardes para Deus. Rogo-vos que me advirtais em tudo o que devo obrar, para que não peque por ignorância, e depois me custe caro a minha culpa. Tenho tanto de bruto, quanto tenho de terra: e se com vossas advertências não deterdes meus apetites, cairei em horrendos absurdos e ficarei submergido em um mar de misérias. Sou filho do pecado, e sou filho da ira, que Adão me deixou por herança, por causa da sua desobediência.2 Nestes poucos anos já me sinto rebelde para obrar bem e inclinado a executar o mal; e como tenho a vontade livre para a escolha, oh! Quanto receio que atropele a razão natural e a Lei Divina, e venha a cair em pecado! Conheço plenamente que o Inimigo infernal já vai maquinando minha eterna perdição, encaminhando-me, com sutis indústrias, para a malícia, sossobrando-me com a ira e inclinando-me para a soltura. Com a luz da razão que, pouco tempo há, amanheceu em nós, estou vendo um mar de misérias, que se levantam em empoladas ondas contra mim. Deus me ajude a prosseguir a vida em Seu serviço. Alma, que és minha senhora, estou pelos teus ditames: vamos em boa hora pelo caminho, que leva ao eterno descanso.

Ilustrados com a luz da razão e alentados com os esforços da graça, prosseguem alma e corpo (isto é, o homem nascido ao mundo), alguns anos no santo amor e serviço de Deus; a cujo aproveitamento o seu Anjo da Guarda os persuade com incessantes inspirações e mui particulares auxílios.

Homem, que és um composto de corpo e alma, semelhante à imagem de Deus, e a quem o Senhor se quer dar a Si mesmo em prêmio na Bem-aventurança: Continua com fervor nos santos intentos de servir ao Altíssimo; porque conseguirás o que se te inspira, tão conforme ao teu desejo. Foge de amar as coisas caducas e ama as felicidades eternas: seja Deus o alvo dos teus desejos, e serás prosperado nesta vida e na outra. Não percas tempo em coisas inúteis: emprega-o em atos de virtude; porque aquelas dispõem para o pecado, e esta encaminha para o Céu. Tem a Deus presente em todas as tuas ações, e serão santas as tuas obras. Os bens do Céu sejam o emprego dos teus cuidados, e as misérias do Inferno o incentivo dos teus temores. Sempre serei em tua guarda e com grande cuidado te livrarei dos perigos. Não faltarei em te inspirar em tudo que for conveniente ao teu bem e encaminhar à tua salvação. Ouve-me atento e não desprezas meus conselhos; porque, com os auxílios da divina graça, te conduzirei a salvamento pelo mar das misérias do mundo, até chegares a ver a Deus no Céu. Advirto-te, que se vão armando contra ti, com muito ardil, os três inimigos da alma: mundo, Diabo e carne. Qualquer deles é inimigo forte e industrioso;3 e se nas batalhas, que te apresentarem, não recorreres a Deus com humildade, exercitando as virtudes, temo que te vençam ou, ao menos, que te maltratem. Procura ser constante nos teus bons propósitos, e conseguirás, com a ajuda do Senhor, o fim para que foste criado.

Esforçado o menino com as santas inspirações do Anjo da Guarda, continua a exercitar as virtudes; e nelas faz grandes progressos, com edificação dos próximos. A estes louváveis empregos procura logo o Demônio atalhar, valendo-se do mundo e da carne, inimigos confederados; e persuade ao menino com sugestões que se encaminhe para a ocasião da culpa, como meio proporcionado para o fazer decair da graça.

Menino, lhe sugere o Demônio, olha como os outros meninos brincam. Repara bem, como as brincadeiras são amáveis. Por que não vais brincar com eles? Põe de parte esse Rosário, por onde louvas a Maria, e à noite rezarás tuas devoções. Por ora diverte-te com os meninos nos teus galanteios, e se à noite não puderes rezar, não importa; que essas tuas devoções, que costumas fazer, são impertinências, que te ensinaram teus pais; e se eles te repreenderem das brincadeiras, responde-lhes: que também os outros meninos brincam, e que dá o tempo o que é seu. Sabe, de certo, que não tens forças para tantos exercícios santos: e se fores por esse caminho, sempre viverás triste e serás aborrecido da gente; pois os homens mais gostam de ver os meninos espertos do que sisudos. Deus de tudo se serve; e bem sabe que é próprio da primeira idade o divertir-se com toda a variedade de recreios. Hás de entender que os meninos que são espertos e travessos, depois saem varões espertos e famosos. Não procures ser como alguns que, metendo-se a beatos no princípio da vida, nunca depois fazem uma ação heroica; porque o mesmo recolhimento os faz encolhidos, e para as empresas inaptos. Tudo tem o seu tempo; e isto é tão certo que até o mesmo sábio diz: que há tempo de se rir e tempo de chorar, tempo de alegria e tempo de tristeza.4

Por ser o menino, ou a menina, carente de experiência; e não conhecer o engano das sugestões do Inimigo (pelos nove anos, pouco mais ou menos), facilmente se rende aos seus enganos e, principiando a lançar de mão às devoções com que seus pais o instruíram no caminho do Céu, se entrega aos divertimentos, com tanta adesão, que estes lhe parecem mais deliciosos ao corpo, do que suas devoções lhe eram antes suaves ao espírito. Perduram-lhe os divertimentos, v. g. desde os dez anos até os quinze; e quando está mais descuidado da eternidade, o acolhe a morte, já muito adiantado de pecados veniais, inda que, pela misericórdia de Deus, livre de pecados mortais. Nestes termos fala outra vez o Anjo da Guarda ao mancebo e, com grande empenho, o interroga da perigosa vida, em que existe, e que se aproveite da misericórdia do Senhor, enquanto tem tempo.

Homem, pois já não és menino: É possível que, sendo tão perfeitamente educado por teus pais no santo temor de Deus, e a quem assisti com santas inspirações: depois de teres seguido as virtudes com bom aproveitamento, assim lanças de mão a estas e te entregas, por sugestão do Inimigo, aos divertimentos do mundo! Onde vais dar contigo? O que é que tens feito? Repara nos termos em que estás. Digo-te que, segundo os sintomas da doença, em que labutas, estás para dar contas ao universal Juiz de vivos e mortos. Neste aperto deves entender que só quem se confessa bem segura a salvação; tendo perfeita dor de ter ofendido a Deus, por Ele ser quem é, e um propósito firme de perder a vida, antes que tornar a ofendê-Lo. Segura a tua conduta com a recepção dos Santos Sacramentos e tem confiança nos infinitos merecimentos de Cristo: porque suposto seja provável que não perdeste a graça do Batismo com culpa mortal, contudo, como te entregaste aos passatempos do mundo, tem isso grande dúvida; pois os teus pecados veniais são sem número, e alguns têm probabilidade de mortais. E se o forem, e não te confessares bem deles, como te hás de haver no tribunal divino? Aonde vais dar contigo, se não mudas de parecer para a vida futura, se Deus te estender os dias? De tão pouco peso é o negócio da salvação? Resolve-te, homem, a fazer penitência, volta-te com presteza a Deus e deixa de todo a lembrança do mundo; pois é mais certa a tua morte do que a tua vida.

Apertado o mancebo, ou donzela, das inspirações do seu Anjo da Guarda, confessa com pesar suas culpas, recebe os Santos Sacramentos; entregando-se com resignação nas mãos do Senhor; e desenganado de que morre, deixa o mundo com desprezo, e lhe diz por despedida:

Mundo, que tão enganador és, tão falso e traidor: Fica-te embora, como quem és; que eu, com total aborrecimento das tuas delícias, me afasto para a casa da minha eternidade. Quase estava engolfado nos teus passatempos, com evidente perigo da salvação; porém, acudiu-me Deus com esta doença, para conhecer teus enganos e tomar outros desígnios. Onde ia dar comigo, se não na condenação eterna; pois à rédea solta caminhava pela sua estrada tão larga? Deixo-te com os teus amadores, e me volto para Deus com esperança firme de que, pelos merecimentos de meu Senhor Jesus Cristo, me há de salvar. Meu Deus, meu infinito Bem e meu tudo: Quero amar-Vos, e não ao mundo, meu inimigo declarado. Oh! Quanto me pesa de Vos ter agravado com minhas culpas e de não observar vossas santas inspirações! Quão doce sois a um coração que Vos ama,5 e quão terrível a um espírito que Vos ofende! Quando Vos servia nos primeiros anos, muitas eram as doçuras que penetravam o íntimo da minha alma: todo me enchia de delícias, e parece que gozava uma porção da glória. Desviei-me para o mundo, instigado do inimigo e enganado do amor-próprio; e no desassossego, em que labutava, participava dos efeitos do Inferno. Lembraste-Vos de mim, Senhor, no meio de minhas misérias e me chamais para Vós, usando comigo do imenso mar de vossas piedades. Eu me entrego nas vossas mãos do mesmo modo que um tenro filho se entrega nos braços de seu pai; e espero que, não faltando à vossa justiça, useis com este pecador de misericórdia. Enfim, entre temores e amores, entrego nas vossas mãos o meu espírito.6

Afastada a alma do corpo, com o golpe da morte, se despede do corpo a alma; e em parte lhe agradece sua boa companhia, em parte lhe estranha sua pouca lealdade.

Doze anos, pouco mais ou menos, vivemos, irmão corpo, no mundo de sociedade, com o intento de merecermos mutuamente a salvação. Entramos nesta empresa no mesmo instante que entrou em nós o uso da razão, seria aos sete anos de idade. Iluminados da luz da fé e favorecidos dos auxílios da graça, nos ajustamos em prosseguir este negócio a todo o custo. Eu prometi de te ser fiel conselheira, e tu protestaste de me seres obediente, para que, em todas as nossas operações, fosse Deus glorificado, e o negócio de nossa salvação bem-sucedido. Nos primeiros anos, depois do uso da razão, em tudo procedemos bem ajustados com a Lei divina e fizemos muitas obras, dignas do agrado da Majestade Suprema. Foram mui crescidos os nossos merecimentos, e dávamos exemplo aos próximos: com as nossas virtudes motivávamos grande alegria aos Anjos e causávamos notável confusão aos Demônios. Porém, (oh dor!) quando íamos prosseguindo o caminho dos santos com passos apressados e o nosso Anjo da Guarda, com o maior cuidado, nos alentava para as virtudes, o Demônio, capital Inimigo, com cavilosas sugestões nos persuadiu que nos voltássemos ao mundo e nos inclinássemos aos vícios. Recusei, quanto pude, conhecendo o engano; porém tu, inclinado aos apetites, foste fazendo pouco caso das inspirações do Santo Anjo; e, sem atenderes ao nosso ajuste, forcejaste para a largueza dos costumes, deixando a vida virtuosa. Ao princípio, nos teus divertimentos, só cometias imperfeições, porque estavas assistido do santo temor de Deus; porém, com o tempo, foste te alargando no mau uso das tuas operações, tanto que já sem rebuço cometias pecados veniais. Sim, não deixaste algumas devoções e a recepção dos Santos Sacramentos, em que fomos educados; que essa foi a causa de te conservares envergonhado para com o mundo e foi o motivo de não cairmos em maiores culpas. Deus, pelos Seus inescrutáveis juízos, nos chamou a Si, antes de cometermos culpa mortal; porque, se vivêssemos mais tempo no mundo, seria infalível prosseguirmos a nossa viagem pelo caminho do Inferno; pois as disposições que tínhamos não eram de irmos pelo caminho do Céu. Vejo-me já livre de tua prisão e precisada a dar conta no tribunal divino: fica em boa hora, esperando a Ressurreição Geral, em que outra vez seremos companheiros; que eu vou, entre temores e confiança, ouvir a sentença, ou de salvação ou de condenação eterna.

Parte a alma para o tribunal divino, acompanhada ao lado direito do Anjo da Guarda e, ao lado esquerdo, junta do Demônio; seguindo-a com a mesma ordem de uma parte suas boas obras e, da outra, suas más obras. Logo que é apresentada nele, se prostra diante do Supremo Juiz, que se lhe faz presente, e se confessa miserável pecadora, dizendo com humildade profunda:

Meu Senhor, que sois o Redentor do mundo, e Juiz Universal do gênero humano: Prostrada diante do vosso divino acatamento aparece esta alma, a quem criastes à vossa semelhança e por quem destes a vida em uma Cruz afrontosa. Sou indigna, pela fealdade de minhas culpas, que empregueis em mim vossos olhos: estou temendo e tremendo; porque, olhando para mim, não vejo senão fealdades e me considero imerecedora de vossas misericórdias. Porém, confio que, pelas vossas Chagas, hei de ser favorecida no vosso juízo, e me hão de ser perdoados os meus grandes pecados. Aqui estou prostrada a vossos pés: cumpra-se em mim vossa santíssima vontade.

Sem demora acusa o Demônio a alma diante do Supremo Juiz, alegando todas as suas culpas e requerendo a sua perdição eterna.

Supremo Senhor e retíssimo Juiz, em cujas mãos estão no fiel as balanças da justiça: Faço-Vos saber, em forma de acusação, como esta alma, que está em vossa divina presença, não é digna da vossa misericórdia; porque com muitas culpas ofendeu vossa tremenda Majestade. A primeira culpa que tem, é ser ingrata aos vossos benefícios, o não se aproveitar do vosso precioso Sangue, e de não ocupar todo o tempo em vosso serviço. Não Vos louvou e atendeu em todos os seus pensamentos, palavras e obras, como a seu último fim. Por muitas vezes pronunciou com irreverência o vosso Santíssimo Nome: e faltou vezes sem conta à verdade. Não santificou os dias, que Vós determinastes para os vossos louvores; pois ocupou a maior parte deles em divertimentos. Faltou em algumas ocasiões à obediência de seus pais, ao respeito dos superiores e à veneração dos Sacerdotes. Por qualquer motivo se irava e apetecia vingança. Com algumas ações torpes contaminou sua pureza; e roubou ao próximo algumas coisas e a Vós o tempo, em que Vos havia de servir. Todas estas e outras culpas, são em grande número, como sabeis, e da maior parte delas não se acusou aos pés do Confessor. Deveis ser infinitamente amado e sois imenso em Majestade; e qualquer culpa, por ser ofensa vossa, deve ser castigada, com correspondência ao ofendido. Esta alma ofendeu a vossa infinita Majestade, não só com um, senão com muitos pecados: Pois, Senhor, requeiro justiça e pretendo levá-la comigo para os eternos tormentos; pois me compete o cuidado da perdição das almas.

Defende o Anjo da Guarda a alma e dá resposta à acusação do Demônio: rogando ao Senhor, sem faltar à justiça, que use com ela de misericórdia.

Senhor de infinita Majestade, a quem obedecem, com o devido acatamento, todas as coisas criadas: Vós me ordenastes que fosse guarda desta alma e que a patrocinasse, até ser apresentada na vossa real presença. Com todo o desvelo o tenho feito, com sumo desejo de cumprir com a vossa santíssima vontade, e de Vos dar glória. A livrei de continuados perigos, afastei-a, quanto pude, de cometer culpas, e a conduzi, com muito cuidado, para o vosso santo serviço. O meu desejo era que fosse grande santa, e em efeito nisso puz todos os esforços. Atendeu muito nos primeiros anos, depois de ter o uso da razão, às minhas persuasões; e sem dúvida, com notável consolação sua, Vos serviu e Vos amou. Valendo-se da oportunidade do tempo, se intrometeu este maldito adversário; e persuadiu a esta alma, para que se aproveitasse do tempo da mocidade e que gozasse das delícias do mundo. Rendeu-se, não em tudo, mas em parte, à persuasão infernal; e dando em muitas coisas de mão ao vosso santo serviço, se ocupou, estes últimos anos, em divertimentos e vaidades do século. Muitos discursos teve, muitas palavras disse e muitas obras fez, por causa de más companhias, que, em outros sujeitos de maior idade e de mais claro conhecimento, seriam culpas graves e merecedoras de eterno castigo: porém, todas as suas culpas não passaram de veniais; porque em umas lhe faltou o pleno conhecimento de sua gravidade, em outras não obrou com vontade livre, e na maior parte delas procedeu com materialidade. Esteve sim, por muitas vezes em perigo de perder vossa graça; porém, em umas ocasiões, com os vossos auxílios, e em outras, com as minhas diligências, se conservou nela, desde que recebeu a batismal. Pelo que, sendo certo que em toda a sua vida se conservou na vossa graça, não obstante ter muitos pecados veniais, é digna de que useis com ela de piedade, executando o mais que for do direito de vossa justiça.

Ouvidas as partes litigantes, dá o Senhor a sentença em favor da alma, mostrando a razão por onde a favorece; faz-lhe seguro o direito que tem à sua glória; e manda com confusão o Demônio para o Inferno.

Atendendo a que esta alma foi criada à Minha Imagem e redimida com Meu Sangue, e que, por não perder a Minha graça, não perdeu o direito de ser Minha filha, declaro que é herdeira da Minha glória; porém, como ofendeu com muitos pecados veniais a Minha infinita bondade, a sentencio a penas temporais no Purgatório, onde será purificada em fogo, correspondente na duração do tempo e na intensidade do ardor à fealdade das suas culpas. E vós, Anjo da Guarda, Ministro executor dos decretos da Minha vontade, levai-a ao seu lugar competente, donde não será tirada, para gozar da Minha vista, enquanto não pague o seu reato até o último quadrante. E tu, Demônio maldito, Inimigo declarado das almas, que redimi com Meu Sangue, retira-te confuso para as trevas infernais, onde é a tua habitação em tormentos e o será, pela tua malícia, por toda a eternidade.

Depois de ser dada a sentença pelo Supremo Juiz, com reverência profunda agradecem o Anjo e a alma ao Senhor os lances da Sua misericórdia. Logo é conduzida a alma pelo Anjo ao lugar do Purgatório, situado no centro da terra, para ser purificada em fogo, das máculas das culpas, com que ofendeu à divina Majestade. Nesta sua chegada àquele lugar de tormentos, lhe dão as outras almas padecentes os parabéns da sua dita e a confortam para padecer as penas, conformada com a vontade do Senhor, em desagravo de Sua divina Justiça. Dizem-lhe as almas com caridade suma:

Filha de Deus, a quem amamos com caridade ardente e com intenso afeto: Parabéns, seja o seres julgada em boa sorte pelo Supremo Juiz. Sois nossa irmã por graça, e sereis a seu tempo nossa companheira na glória. Estais agora nestes horrendos calabouços padecendo tormentos de fogo temporal, para seres purificadas das vossas culpas: porém, consolai-vos, que é meio necessário, para depois vos abrasardes na Bem-aventurança no fogo do divino amor. Permita a divina Majestade que os vossos parentes e pessoas devotas, que ficam no mundo, apliquem sufrágios, unidos aos merecimentos de Cristo, para que a vossa purificação seja mais aliviada. Parece-nos que o vosso tormento não será dilatado; porque como passastes do mundo para a eternidade, tendo poucos anos de viadora, e, pela misericórdia de Deus, falecestes sem perder a graça batismal, não vindes muito carregada de pecados. Louvai, por tão grande benefício, a tremenda Majestade do Senhor; pois foi servido usar convosco de tanta misericórdia, não o tendo vós merecido. As que estamos nestes tormentos também sem cessar louvamos Suas misericórdias; porque, devendo qualquer de nós estar em penas eternas, pelas nossas horrendas culpas, usou compassivo do Seu infinito poder, não só em nos dar auxílios, para nos arrependermos com tempo, senão também em nos dar a graça final. Aqui estamos, cada uma de nós, conformadas com a divina vontade, esperando com grande ânsia o ano, dia ou instante, em que sejamos aliviadas de tantas penas, e conduzidas à presença do Senhor, para gozarmos de Sua divina Face na glória. Tende ânimo, nossa irmã, e sabei que, se Deus é de justiça para castigar almas, com tormentos tão rigorosos, também é de misericórdia, para as aliviar das penas, pelos infinitos merecimentos de Seu Unigênito Filho.

Ausenta-se o Anjo do lugar do Purgatório, e fica a alma penando em tormentos tão rigorosos, que o menor tormento, que ali padece, excede aos maiores tormentos do mundo. Na tal aflição entra a alma a ponderar a gravidade de uma culpa venial, cometida contra a suma bondade de Deus nosso Senhor.

Oh pecado, como és feio! Oh culpa, como és horrorosa! Oh Serpente, como és terrível! Pois com o teu veneno tiraste a vida a todo o gênero humano. Da tua mordedura fui ferida mortalmente, não tendo ainda visto a luz do dia; porém Deus, pela Sua infinita misericórdia, me sarou com a água do Batismo, depois que nasci ao mundo. Porém, aí de mim! Que me voltaste a morder tantas vezes, quantas foram as culpas veniais que cometi; e fiquei tão maltratada dos teus golpes, como agora experimento no rigor de tantos cautérios de fogo, que são necessários, para me purificar de tantas misérias. Amontoei pecados sobre pecados; e agora experimento a Justiça de Deus sobre mim com rigor tão crescido, que antes quisera padecer os maiores martírios do mundo, do que os menores tormentos, que aqui se me dão, em castigo das minhas culpas. Assim o mereci, quando era viadora, e por isso desta sorte o determina a divina Majestade, com retíssima justiça. Senhor: Aqui estou muito conforma neste tormento: Cumpra-se em mim vosso beneplácito; e sempre seja louvada a vossa misericórdia.

Depois de terem passado alguns dias, meses ou anos, que a alma estava penando, louvando ao Altíssimo, e rogando pelos benfeitores do mundo, a visita do Santo Anjo da sua Guarda e em sua própria mão lhe traz uma palma. Alvoroça-se a alma com vista de tanto gosto e, com extremosa alegria, rompe em amorosos queixumes ao Santo Anjo.

Bem-vindo sejais, Anjo santo. Por onde tendes andado até agora? Pois há tantos séculos, que aqui estou encarcerada com prisões de intensíssimo fogo, sem me visitardes nestas escuridões, nem me aliviardes em meus tormentos? Têm sido imponderáveis as saudades, que tenho padecido na vossa ausência. Oh que saudade era a minha, quando reparava, que outros muitos santos Anjos vinham tirar destas horrendas fornalhas de fogo a muitas almas, que para elas tinham vindo depois de mim, e subiam, a estas alturas, mais resplandecentes que o sol! Anjo santo, que novas me trazeis, que me causem alívio? Chegará cedo a hora ou instante, em que aliviada destes tormentos tenha a dita de ver a meu Deus, que me criou? Que goze da formosíssima presença do Verbo Encarnado, que me redimiu? Que veja a formosura da graça de Maria Santíssima, que tanto me amparou? E a glória de todos os Anjos e Santos, com quem estou unidade por graça, e espero ser companheira na Bem-aventurança?

Responde o Santo Anjo às amorosas queixas da alma padecente, declarando-lhe o motivo da sua ausência e dando-lhe a alegre nova do fim das suas penas e da sua subida ao Céu.

Alma, a quem amo com um intenso afeto, porque estás unida ao nosso amantíssimo Deus por graça. Chegado é o fim das tuas penas, e em breve acabarão as tuas saudades. Tão empenhado sou nos teus alívios e interessado nas tuas glórias, que o tempo, que faltei em te visitar nestes cárceres, andei pelo mundo inspirando a quem te socorresse com sufrágios. Muitas pessoas estavam esquecidas de ti; porém, com as minhas inspirações, os teus parentes, vizinhos e amigos e algumas pessoas devotas te socorreram com sufrágios; e assim, havendo de estar mais tempo em tormentos, estás de todo aliviada. O Altíssimo me manda dar-te esta notícia, para que louves Suas misericórdias; e que te tire já deste cárcere de tormentos, para subires ao Céu, a gozar da Sua Essência divina. O tempo, que tens estado em penas, no teu conceito, foram muitos anos; porém, na realidade foram poucos dias. As tuas culpas mereciam que estivesses neles dilatados séculos; mas valeram-te os sufrágios, que te fizeram no mundo pessoas devotas, unidos aos infinitos merecimentos de Cristo. Usou Deus contigo do imenso mar de Suas piedades; e não te pareça que favoreceu mais as outras almas, que viste subir primeiro ao Céu; porque essas, já por terem menos anos de idade e já por não terem tantas ocasiões de pecados, passaram à eternidade com menos culpas, ou quase inocentes. Se bem repararem, nesses lagos de fogo ficam muitas almas que, estando em penas há muitos séculos, pelos seus grandes pecados, têm ainda para padecer muitos anos: e algumas delas não subirão ao Céu, senão para o dia do juízo. Aqui, filha de Deus, paga-se tudo pelo reato; e para fora dos tormentos não sai alma alguma com mancha; todas hão de sair, como diamantes polidas, como ouro purificadas, como estrelas luzidas, e como o sol resplandecente. Trago-te esta palma em sinal de teus triunfos; sai já deste lago de tormentos, e vem cantar, para sempre, ao Senhor as vitórias, e render-lhe as graças.

Sai a alma daqueles dilatados e horrendos calabouços infernais, abrasados em fogo; e penetrando com a sutileza de espírito, na companhia do Santo Anjo, os rochedos e concavidades, que há na distância de mil duzentas e cinquenta léguas, desde o centro até a superfície da terra, aparece no mundo, onde tinha sido viadora. Aqui, passando, talvez, por onde está seu corpo enterrado, e pelo lugar em que vivem seus parentes, conhecidos e amigos, se eleva com voo mais remontado que o da águia e, penetrando em breves instantes o céu da lua, o do sol e o das estrelas, se avizinha ao Céu empíreo e chega às eternas portas da glória. Neste tempo, olhando para a terra, que escassamente divisa, contempla a pequenez do mundo com suas vaidades e a cegueira dos homens com os seus enganos, e por último diz ao Santo Anjo seu condutor:

Santo Anjo, a quem, abaixo de Deus e de Maria Santíssima, devo os maiores benefícios: Aqui sou chegada às portas da glória, livre das misérias do mundo, e das penas do Purgatório. Por toda a eternidade viverei agradecida à vossa caridade suma; pois conheço que, se não me guardásseis, cairia no mundo em muitos pecados e iria, pela larga estrada dos vícios, parar na companhia dos Demônios. Por esta estrada caminham tantos mortais, cegos do seu amor-próprio, e não se tiram da sua teima, senão quando Deus com a sua mão poderosa lhes faz força, e com violência de castigos os traz à Sua graça. Estive em termos de me suceder o mesmo, se o Senhor Deus de misericórdia não me cortasse os fios da vida; e se vós, Santo Anjo, não me defendêsseis dos continuados assaltos dos mais fortes inimigos. Destas alturas, onde estou, pouco diviso o mundo; pois em respeito a estes céus inferiores parece um ponto, e sua pequenez nenhuma comparação pode ter com a grandeza do Céu empíreo. Fiquem-se embora os mortais lidando com os seus enganos, que eu para sempre agradecerei a meu Deus e a vós, Santo Anjo, o tirarem-me dos seus perigos. Introduzi-me já nos imensos espaços da glória, e apresentai-me a meu Deus e Senhor, para me submergir no profundíssimo pélago do Seu amor, da Sua graça e da Sua visão beatífica.

Neste tempo se abrem as eternas portas da glória; e entrando a alma para dentro, metida entre coros de Anjos, alternando suavíssimos cânticos de louvores ao Altíssimo, se lhe manifestam as três Pessoas da Santíssima Trindade em beatífica visão. Prostrada incontinente diante do trono da Divindade, dá as graças ao Senhor por tão assinalados benefícios: ora pela salvação do gênero humano e, em particular, por todos os que concorreram para a sua salvação.

Senhor de infinita clemência: Prostrada diante de vossa tremenda Majestade, vos dou as graças pelo sem número de benefícios, que tendes feito a este meu nada. Glorificado sejais por todas as eternidades, e todas as criaturas louvem vossas misericórdias. Nos Céus, na terra e nos Infernos, seja temido e reverenciado vosso Santíssimo Nome, e os espaços imaginários sejam cheios de vossa glória. Rogo-vos, como coisa tanto do vosso agrado, pela salvação do gênero humano, e com empenho particular vos peço pelos pais, que me criaram, pelos que concorreram para a minha salvação e me socorreram com sufrágios, estando em penas do Purgatório. Recolhei-me, finalmente, a vossos braços e agasalhai-me em vosso peito, para que, em companhia de todos os Anjos e Santos, goze de vossa infinita bondade por todos os séculos dos séculos. Amém.


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Fonte: Fr. Antônio do Sacramento, da Sagrada Religião dos Observantes da Província de Portugal, “Ventura do Homem Predestinado e Desgraça do Homem Precito”, Diálogo III, pp. 41-63, 1ª Edição Brasileira, Ed. Vozes, 1938.

1.  Mat. 7, 14.

2.  Ef. 2, 3.

3.  I Ped. 5, 8.

4.  Ecle. 3, 1-8.

5.  Salm. 33, 9.

6.  Salm. 30, 6.


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