(De judicio, et paenis peccatorum)1
1. Em todas as coisas considera o fim e como um dia comparecerás ante o Juiz severo, a quem nada é oculto, que não se deixa aplacar com dádivas nem admite desculpas, mas julga com justiça.
Oh! Miserável e insensato pecador! Que responderás a Deus que conhece todas as tuas maldades, tu que às vezes tremes à vista de um homem irado!
Por que não te preparas para o dia do Juízo em que ninguém poderá ser escusado ou defendido por outrem, mas cada qual terá bastante que ver consigo?
Agora produz fruto o teu trabalho; as tuas lágrimas são acolhidas e aceitos os teus gemidos; a tua dor é satisfatória e purificadora.
2. Grande e salutar purgatório tem o homem paciente que, injuriado, mais se aflige com a maldade alheia do que com a ofensa própria; que roga sinceramente pelos que o contrariam e de coração lhes perdoa; se a alguém magoa, não tarda em pedir-lhe perdão; que mais facilmente se inclina à compaixão do que à cólera; que, muitas vezes, faz violência a si mesmo e se esforça por sujeitar de todo, a carne ao espírito.
Mais vale purificar agora os pecados e extirpar os vícios, do que deixar para expiá-los na outra vida.
Em verdade nos enganamos a nós mesmos pelo amor desordenado que temos à carne.
3. Que há de devorar aquele fogo senão os teus pecados? Quanto mais agora te poupares e seguires os apetites da carne, tanto mais rigoroso será depois o castigo e mais matéria ajuntas para o fogo eterno.
No que o homem mais pecou, será mais severamente punido.
Ali os preguiçosos serão exasperados com aguilhões ardentes, e os gulosos, atormentados com grande fome e sede.
Ali os luxuriosos e amantes da volúpia serão imersos em piche abrasador e fétido enxofre; e, como cães danados, uivarão de dor os invejosos.
4. Nenhum vício há que não tenha o seu suplício próprio.
Ali, os soberbos estão cheios de confusão e os avarentos reduzidos à mais miserável indigência.
Ali, será mais terrível uma hora de tormento do que, aqui, cem anos da mais rigorosa penitência.
Aqui, de quando em quando, cessam os trabalhos e consolamo-nos com os amigos; lá, para os condenados, nenhum descanso, nenhuma consolação.
Tem agora cuidado e dor de teus pecados, para que no dia do Juízo possas partilhar a segurança dos Bem-aventurados: porque, então os justos estarão com grande confiança contra os que os angustiaram2 e oprimiram.
Então se erguerá para julgar o que agora humildemente se curva ao juízo dos homens.
Então grande confiança terá o pobre e humilde; e de pavor será envolvido o soberbo.
5. Ver-se-á então como foi sábio neste mundo, o que aprendeu a ser louco e desprezado por Cristo.
Então dará prazer toda tribulação suportada com paciência e a iniquidade não ousará abrir a boca.3
Então exultará de alegria o homem devoto e de tristeza se consternará o ímpio.
Mais se alegrará então a carne mortificada, que se fosse nutrida com delícias.
Então resplandecerá o hábito grosseiro e perderão o seu brilho as vestes suntuosas.
Mais louvores terá o casebre do pobre, que o palácio resplandecente de ouro.
Então mais aproveitará a paciência constante, que todo o poder do mundo.
Mais exaltada será a obediência simples, que toda a astúcia do século.
6. Então mais alegria causará a pureza de uma boa consciência, que a douta filosofia.
Mais peso terá o desprezo das riquezas, que todos os tesouros da terra.
Mais consolação te dará a oração fervorosa, que as iguarias delicadas.
Mais alegria terás pelo silêncio guardado, do que pelas longas conversas.
De maior valor serão as obras santas, que as belas frases. Mais te há de agradar então a vida estreita e a penitência rigorosa, que todos os prazeres do mundo.
Aprende agora a sofrer pouco, para te livrares então de sofrimentos mais graves.
Experimenta primeiro nesta vida, o de que serás capaz na outra. Se não podes agora suportar tão pouco, como poderás sofrer tormentos eternos? Se o menor incômodo te causa agora tanta impaciência, que fará então o Inferno? Em verdade, duas venturas não poderás reunir: deliciar-te neste mundo e reinar depois com Cristo.
7. Se até hoje houvesses vivido sempre em honras e prazeres, de que te aproveitaria tudo isso, se viesses a morrer nesse instante?
Assim, pois, tudo é vaidade,4 exceto amar a Deus e só a Ele servir.
Quem ama a Deus de todo o coração não teme nem a morte, nem o castigo, nem o Juízo, nem o Inferno: porque o perfeito amor dá-nos acesso seguro junto a Deus.
Não admira, porém, que tema a morte e o Juízo, aquele que ama ainda o pecado.
Se, contudo, o amor de Deus não te afasta ainda do mal, bom é que, ao menos, te retenha o temor do Inferno.
Aquele, porém, que despreza o temor de Deus, não terá forças para perseverar no bem, por muito tempo e bem depressa cairá nas ciladas do Demônio.
1ª Reflexão5
Estás verdadeiramente convertido? Estar em pecado mortal, é estar voltado contra Deus; estar convertido, é estar voltado para Deus, é viver na Sua graça. Deus a ninguém falta com as graças suficientes, para se arrepender do pecado; aos justos e aos pecadores concede-lhes os auxílios de que carecem, para cumprirem os seus deveres. Deus é paciente convosco, não quer que ninguém pereça, mas que todos se convertam à penitência.6
Não basta, porém, que Deus queira salvar-nos, é necessário que nós, como criaturas livres, queiramos também empregar os meios: Quem te criou sem te consultar, diz Santo Agostinho, não te salva sem tu quereres. Em dois fundamentos, pois, há de assentar a nossa esperança: na graça divina, que nunca nos falta, e na nossa cooperação, que pode faltar. Por isso, devemos trabalhar sempre confiados em Deus e desconfiados de nós: O que julgar estar seguro, acautele-se para não cair.7
Sinais de Predestinação:
1º. Diligência constante em trazer a consciência pura.
2º. Afeto à oração.
3º. Conformidade com a vontade de Deus.
4º. Lembrança frequente da Paixão de Jesus Cristo e confiança nos Seu merecimentos infinitos,
5º. Amor à leitura espiritual e à Palavra de Deus.
6º. Prática da humildade.
7º. Caridade para com o próximo.
8º. Caridade para com Deus e zelo ardente pela Sua glória.
9º. Devoção particular à Santíssima Virgem Maria.
2ª Reflexão8
“Deus é paciente, diz Santo Agostinho, porque é eterno”. Mas depois dos dias de paciência, virá o dia da justiça; dia tremendo, dia inevitável; em que todos os humanos comparecerão diante do Rei da eternidade, para darem conta de suas obras, até de seus pensamentos.
Transportai-vos em espírito a esse momento formidável: eis que o pó dos túmulos se comove, e de toda a parte a multidão dos mortos corre aos pés do Soberano Juiz. Ali todos os segredos se descobrem, a consciência já não tem trevas, e cada um espera em silêncio a sorte que lhe está reservada para todo o sempre.
Separam-se as duas cidades; a grande sentença está pronunciada: ela abre o Paraíso aos justos, e cai sobre os pecadores com todo o peso de uma solene reprovação.
Cercado dos Anjos fiéis e do exército resplandecente dos escolhidos, sobe Jesus Cristo à Sua glória. Satanás apodera-se de sua presa, e com ela se precipita nos abismos: tudo se consumou para sempre; nada mais resta senão as alegrias do Céu e a desesperação do Inferno!
Enquanto estás na terra, tens a escolha destas duas moradas: escolhe, pois, mas lembra-te que, além do túmulo não há arrependimento.
3ª Reflexão9
Os condenados estão dentro do abismo infernal, como dentro da cidade infeliz, onde sofrem tormentos indizíveis em todos os seus sentidos e em todos os seus membros, porque, como empregaram uns e outros para pecarem, assim todos os seus sentidos e seus membros hão de padecer as penas devidas ao pecado: os olhos, por seus falsos olhares, sofrerão a horrível visão dos Diabos e do Inferno; os ouvidos, por terem se comprazido nas conversas viciosas, não ouvirão senão prantos, lamentações e desesperos, e assim os outros. Além de todos esses tormentos, ainda há um maior, que é a privação e perda da glória de Deus, a qual são para sempre excluídos de ver.
Se Absalão achou que a privação da amável presença de seu pai Davi era mais penosa que seu desterro, oh Deus, que pesar o de ser privado para sempre de ver vosso dulcíssimo e suave semblante!
Considerai, principalmente, a eternidade dessas penas, a qual só por si torna insuportável o Inferno. Ai!… se o calor de uma febrezinha nos torna uma breve noite tão comprida e enojada, quão espantosa será a noite da eternidade com tantos tormentos! Dessa eternidade nascem a desesperação eterna, as blasfêmias e raivas infinitas.10
Oração
Meu Deus, necessito de olhar para a minha miséria e para a vossa misericórdia. Se apenas olhasse para a minha miséria, cairia no desalento: se só olhasse para a vossa infinita misericórdia, poderia cair na presunção: guardai-me, Senhor, destes dois extremos. Amém.11
Salvador divino, enquanto não vindes como Juiz severo, tomar contas aos homens de suas ações, dai-me aquela luz inefável que ilumina a alma, para ver a torpeza do pecado, e comove o coração, para detestar o horror do vício, possa eu, ajudado com ela, deixar o caminho da iniquidade, e só escolher a vereda da virtude, que me encaminhe à perfeição neste mundo, e no tremendo juízo me introduza entre os benditos de vosso Pai Celestial. Amém.12
Meu Senhor Jesus Cristo, justíssimo Juiz, eu Vos peço a graça de julgar-me a mim mesmo e todas as minhas ações na vida presente, sem encobrir e desculpar meus pecados e defeitos, mas confesse-os eu com verdadeira contrição, sinceridade e satisfação, a fim de que, em minha morte eu não seja por Vós julgado e condenado. Também Vos peço, que antes castigueis meus pecados nesta vida, do que reserveis a punição para a outra. Amém.13
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1. Imitação de Cristo, nova tradução portuguesa pelo Pe. Leonel Franca, S.J., Livro I, Cap. XXIV, pp. 50-53. 4ª Edição, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro/São Paulo, 1948.
2. Sab. V, 1.
3. Salm. CVI, 42.
4. Ecle. 1, 2.
5. Imitação de Cristo, novíssima edição, confrontada com o texto latino e anotada por Monsenhor Manuel Marinho, Livro I, Cap. XXIV, pp. 74-75. Editora Viúva de José Frutuoso da Fonseca, Porto, 1925.
6. II Ped. 3, 9.
7. I Cor. 10, 12.
8. Imitação de Cristo, Presbítero J.I. Roquette, Livro I, Cap. XXIV, pp. 84-85. Editora Aillaud & Cia., Paris/Lisboa.
9. Imitação de Cristo, versão portuguesa por um Padre da Missão, Livro I, Cap. XXIV, pp. 76-77. Imprenta Desclée Lefebyre y Cia., Tornai/Bélgica, 1904.
10. Introdução…Iª Parte, c. XV.
11. Mons. Manuel Marinho, ob. cit.
12. Presbítero J.I. Roquette, ob. cit.
13. Por um Padre da Missão, ob. cit.
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