Meditação de Santo Afonso Maria de Ligório
Consummabuntur
omnia,
quae scripta sunt per Prophetas
de filio hominis
“Será
cumprido tudo o que está escrito pelos profetas,
tocante ao Filho do
homem” (Luc. 18, 31).
Sumário.
Não é sem uma razão mística que a Igreja propõe hoje à nossa meditação
Jesus Cristo predizendo a sua dolorosa Paixão. A nossa boa Mãe deseja
que nós, seus filhos, nos unamos a ela, para compadecermos do seu divino
Esposo, e o consolarmos com os nossos obséquios, ao passo que os
pecadores, nestes dias mais do que em outros tempos, lhe renovam todos
os ultrajes descritos no Evangelho. Quer ela também que roguemos pela
conversão de tantos infelizes, nossos irmãos. Não temos por ventura
bastantes motivos para isso?
I.
Não é sem razão mística que a Igreja propõe hoje à nossa meditação
Jesus Cristo predizendo a sua dolorosa Paixão. Deseja a nossa boa Mãe
que nós, seus filhos, nos unamos a ela na compaixão de seu divino
Esposo, e o consolemos com os nossos obséquios; porquanto os pecadores,
nestes dias mais do que em outros tempos, lhe renovam os ultrajes
descritos no Evangelho.
Tradetur
gentibus – “Ele vai ser entregue aos gentios”. Nestes tristes dias os
cristãos, e quiçá entre eles alguns dos mais favorecidos, trairão, como
Judas, o seu divino Mestre e o entregarão nas mãos do demônio. Eles o
trairão, já não às ocultas, senão nas praças e vias públicas, fazendo
ostentação de sua traição! Eles o trairão, não por trinta dinheiros, mas
por coisas mais vis ainda: pela satisfação de uma paixão, por um torpe
prazer, por um divertimento momentâneo!
Illudetur,
flagellabitur et conspuetur – “Ele será motejado, flagelado e coberto
de escarros”. Uma das baixezas mais infames que Jesus Cristo sofreu em
sua Paixão, foi que os soldados lhe vendaram os olhos e, como se ele
nada visse, o cobriram de escarros, e lhe deram bofetadas, dizendo:
Profetiza agora, Cristo, quem te bateu? Ah, meu Senhor! Quantas vezes
esses mesmos ignominiosos tormentos não Vos são de novo infligidos
nestes dias de extravagância diabólica? Pessoas que se cobrem o rosto
com uma máscara, como se Deus assim não pudesse reconhecê-las, não têm
pejo de vomitar em qualquer parte palavras obscenas, cantigas
licenciosas, até blasfêmias execráveis contra Santo Nome de Deus! – Et
postquam flagellaverint, occident eum – “Depois de o terem açoitado, o
farão morrer”. Sim, pois se, segundo a palavra do Apóstolo, cada pecado é
uma renovação da crucifixão do Filho de Deus, ah! Nestes dias Jesus
será crucificado centenas e milhares de vezes.
É
exatamente isto que Jesus Cristo quis dizer a Santa Gertrudes
aparecendo-lhe num domingo de Quinquagésima, todo coberto de sangue, com
as carnes rasgadas, na atitude do Ecce Homo, e com dois algozes ao
lado, os quais lhe apertavam a coroa de espinhos e o batiam sem piedade.
Ah! Meu pobre Senhor!
II.
Refere o Evangelho em seguida, que, aproximando-se Jesus de Jericó, um
cego estava sentado à beira da estrada e pedia esmolas. Ouvindo passar a
multidão, perguntou o que era. Sabendo que passava Jesus de Nazaré,
apesar de a gente o ralhar, afim de que se calasse, não cessava de
gritar: Jesus, Filho de Davi, tende piedade de mim (1). Por isso mereceu
que, em recompensa de sua fé, o Senhor lhe restituísse a vista: Fides
tua te salvum fecit – “A tua fé te valeu”.
Se
quisermos agradar ao Senhor, eis aí o que também nós devemos fazer.
Imitemos a fé daquele pobre cego, e neste tempo de desenfreada licença,
enquanto os outros só pensam em se divertir com prazeres mundanos,
procuremos estar, mais que de ordinário, diante do Santíssimo
Sacramento. Não nos importemos com os escárnios do mundo, lembrando-nos
do que diz São Pedro Crisólogo. Qui iocari voluerit cum diabolo, non
poterit gaudere cum Christo – “Quem quiser brincar com o demônio, não
poderá gozar com Cristo”. Quando nos acharmos em presença de Jesus no
tabernáculo, peçamos-lhe luz para detestarmos as ofensas que o magoam
tão profundamente. Peçamos-lhe não somente para nós mesmos, senão também
para tantos irmãos nossos desviados: Domine, ut videam – “Senhor,
fazei-me ver”.
Amabilíssimo
Jesus, Vós que sobre a cruz perdoastes aos que Vos crucificaram, e
desculpastes o seu horrendo pecado perante o vosso pai, tende piedade de
tantos infelizes que, seduzidos pelo Espírito da mentira, e com o riso
nos lábios, vão neste tempo de falso prazer e de dissipação escandalosa,
correndo para a sua perdição. Ah! Pelos merecimentos de vosso divino
sangue, não os abandoneis, assim como mereceriam, Reservai-lhes um dia
de misericórdia, em que cheguem a reconhecer o mal que fazem e a
converter-se. – Protegei-me sempre com a vossa poderosa mão, afim de que
não me deixe seduzir no meio de tantos escândalos e não venha a
ofender-Vos novamente. Fazei que eu me aplique tanto mais aos exercícios
de devoção, quanto estes são mais esquecidos pelos iludidos filhos do
mundo. “Atendei, Senhor, benigno às minhas preces, e soltando-me das
cadeias do pecado, preservai-me de toda a adversidade.”(2)
+ Doce
Coração de Maria, sede minha salvação.
__________________
1. Luc. 18, 38.
2. Or. Dom. curr.
(LIGÓRIO,
Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo
I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive.
Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 279 - 282.)
http://www.flordocarmelo.org/2012/02/paixao-de-jesus-cristo-e-os.html
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