Nosso Senhor Jesus Cristo
despede-se de sua Santíssima
Mãe
1ª Meditação
Deve-se incluir na Paixão de
Nosso Senhor Jesus Cristo, uma pia e delicada tradição, que tem todos os visos
de credibilidade, embora não se ache nos Santos Evangelhos.
Aproximando-se o dia, marcado nos
eternos decretos, em que devia-se executar o plano misericordioso da Redenção
do mundo, Nosso Senhor Jesus Cristo que sempre prestara reverente obséquio e
respeitosa obediência à sua Mãe
, como Filho
amoroso vai visitá-la
, e previne-a
do próximo drama lúgubre em que Ele vai ser único Autor; pede-lhe a Sua bênção
e despede-se dela com infinita ternura.
Translademo-nos para Betânia
, e aí
representemo-nos a Jesus, o mais dedicado entre os filhos dos homens, que, após
a Ceia, convida a Santíssima Virgem, a mais amorosa entre todas as mães
, para um
quarto reservado onde os dois Corações, os mais nobres e generosos do mundo,
vão se abrir e falar.
Aflige-se o Coração de Jesus
antevendo a dor que vai causar a Sua Santíssima Mãe, em comunicar-lhe a
desoladora notícia. Aflige-se a Santíssima Virgem antes de ouvir a cruciante
comunicação, pressagiando o inelutável desenlace e todo cortejo de horrores que
acompanharão a morte do Filho
, cuja
condenação tramada pelos Pontífices, já chegara aos seus ouvidos.
O Filho é Deus, mas também homem;
e tendo-se voluntariamente, submetido às fraquezas humanas
, não há de
duvidar que Ele não sinta em Si mesmo aqueles apertos e pezares que qualquer
outro homem sentiria em tais emergências, e ainda com mais sensibilidade, visto
que mais ternura possua Seu Coração.
Se Sua Alma bendita tanto se
contristou no horto de Getsêmani ao prever a separação do Corpo, não é crível,
que permaneça agora insensível ao separar-se de Sua querida Mãe.
Se o quadro que tenho diante dos
olhos, não me move à compaixão, é porque já não tenho coração. Contempla, ó
minha alma, este Filho e esta Mãe.
Sente o Filho, por ver-se
obrigado a fazer o que nunca fizera, amargurar à Sua Mãe caríssima; sente a
Mãe, por sua vez, todo o martírio que lancine o Coração do Filho, causando-lhe
isto imensa dor. Nesta Paixão de Jesus e Maria não tem parte os judeus. O que
aflige a Jesus, é Maria, por ser Sua Mãe; o que martiriza a Maria, é Jesus, por
ser Seu Filho.
Ó Jesus, Filho muito amável! Ó
Maria, Mãe muito extremosa! Eu me ajoelho em espírito, aos vossos pés.
Dai-me ó Mãe, um pouco daquele
amor que tendes a Jesus; concedei-me ó Jesus, um pouco daquela ternura que
tendes por Maria. O algoz que Vos faz sofrer, é o Vosso recíproco amor, e é deste
que eu careço, para vos saber compadecer.
Mãe de Jesus, que vos rebaixais a
ponto de consentir em ser tida como minha mãe e amar-me de tal amor como
nenhuma mãe jamais amou, apiedai-vos de mim. Vós, sois, cheia de graça e por
isso mesmo que eu sou cheio de misérias, em Vós confio
, de Vós
esperando uma migalha de puro e santo amor.
2ª Meditação
Na pessoa de Nosso Senhor Jesus
Cristo a doçura do coração e a energia da vontade harmonizam-se de tal maneira
a não deixar lugar, que a ternura do Filho, sobrepuje à gravidade do
Homem-Deus, nem que esta leve vantagem sobre aquela. Tudo nEle é medido e
perfeito.
E é neste equilíbrio de
sentimentos, que Ele assim fala à Santíssima Virgem: Minha Mãe
, é chegada
a hora da Redenção do mundo pelo sacrifício da Minha vida. Eu vou ser entregue
aos Meus inimigos, que desfecharão sobre Mim tremendos golpes a Me esmagarem e,
riscarem, se lhe fosse possível, o Meu Nome da face da terra. Agradeço-Vos
todas as fadigas, labores e padecimentos por Mim sofridos; e como outrora
destes o vosso consentimento para Minha Incarnação, assim desejo o deis agora
para Minha Morte. Consenti, pois, e havei por bem, que Eu vos deixe e vá
cumprir a Vontade Santíssima do Meu Eterno Pai.
Que responde Maria Santíssima?
Transida de pungente dor, profere
apenas poucas palavras entrecortadas de soluços e suspiros
. Jesus
querido, meu Pai, meu Filho, meu tudo
, não seria
possível que Eu fosse morrer em Vosso lugar?
O Pai que
é Onipotente, não terá outros meios para salvar o mundo sem exigir a Vossa
Morte?
Quereria dizer mais a mística
pombinha, mas o pranto embarga-lhe a voz; e compreendendo ser impossível a
mudança dos eternos decretos, resigna-se ao divino beneplácito, numa absoluta
conformidade com um heroísmo, de tudo superior à natureza humana.
Tudo isto, porém, em nada diminui
o martírio dolorosíssimo que alancea-lhe o materno Coração. E tu, ó minha alma,
não chorarias porventura, tu também, se te fosse dado vê-la em tais lances?
Quem
poderá sondar a profundidade ou medir a extensão dessa dor? Isto só seria
possível se fossemos capazes de compreender a grandeza do amor que unia um tal
Filho à uma tal Mãe.
Quanto a
mim, porém, devo ponderar que o motivo pelo qual Nosso Senhor consente que o
Filho vá morrer, é porque está em jogo a minha salvação, sendo certíssimo que a
imolação de Nosso Senhor Jesus Cristo, foi para salvar particularmente a mim.
Posto isto, bem teria podido a
Santíssima Virgem, dizer a Seu Divino Filho: Quem é este para merecer que lhe
sacrifiqueis Vossa preciosíssima vida? Vós sois o Filho de Deus, e este um
verme vil e desprezível. Nada disto, porém faz, a amorosa Mãe de Deus, mas
amando-me de imenso amor, consente que o Filho pague por mim à Divina Justiça.
Mãe do santo amor e da grande
dor, que imensa dívida tenho para convosco! Obrigado pela caridade altíssima
que tivestes para comigo! Obrigado pelo vosso doloroso sacrifício! Rogo aos
Anjos do Paraíso, que Vos deem por mim infinitos louvores.
É necessário que eu Vos pague
esta dívida de gratidão, que contraí para convosco, amando-vos de amor terno e
eficazmente prático, não deixando-me dominar pelo comodismo e covardia em face
do sacrifício: lembrando-me de que é justo, que o criminoso sofra alguma coisa,
quando Vós, puríssima e inocente, Vos submetestes a tamanhos sacrifícios em
prol do criminoso.
3ª Meditação
Iluminada supernamente sobre a
Paixão do Filho bendito, a Santíssima Virgem suportara durante dilatados anos,
o peso de um longo martírio,
sem um
momento de alívio no seu atribulado Coração.
Mas, tudo isto
é pouco ou nada em face da dor agudíssima, que lhe penetra a alma na final
despedida, no derradeiro adeus.
Quando foi na perda do Filho
querido, teve grande pesar por ignorar-lhe o paradeiro, alentava-a, no entanto,
a esperança de ainda achá-lO.
Agora, Ela sabe o destino do
Filho, sabe das cadeias que O esperam, dos flagelos que O atendem, dos espinhos
que O aguardam, da Cruz que lhe está preparada, e apagada toda esperança de
revê-lO e ainda abraçá-lO sobre a terra, entre as brancas paredes da casinha de
Nazaré, agora é, que realmente a fatídica espada de Simeão lhe transpassa a
alma.
A presença de Jesus, a
acompanhá-la por toda parte, causava-lhe grande tormento, porque avivava em Sua
mente o quadro de Sua futura Paixão,
mas ao
mesmo tempo experimentara grande conforto, pela conversação dulcíssima que a
arrebatava para as regiões do infinito.
Bem podemos, portanto, avaliar
quão grande seja Sua dor, em se ver privada de um convívio tão suave e
consolador.
Ó verdadeiro lírio de pureza e
caridade entre os espinhos.
Ela é mãe
e viúva, e suas entranhas comovem-se ao ver desaparecer tão rapidamente nas
garras da morte, o único e inocente fruto do Seu sangue, na pujança da vida, na
flor da idade, Deus verdadeiro, no qual Ela tinha posto todo Seu amor.
Quem me dera poder derramar
jorros de lágrimas, sobre uma situação tão pungente e comovedora!
Imprimi, ó Virgem Santíssima, em
minhas entranhas aquelas lancinantes comoções, que crucificaram as Vossas!
Mas, voltemos ainda a Jesus. O
motivo que O impele a abandonar Sua diletíssima Mãe, é o amor que a mim
consagra; é a solicitude do Bom Pastor, que se sacrifica afim de salvar a
ovelha tresmalhada e que desgarrou-se do rebanho.
Ó mistério
de amor! E no entanto, eu vou fugindo dEle quando me procura e torno a
abandoná-lO depois de haver-me alcançado e perdoado.
Sim, eu O abandono para correr
atrás dos impalpáveis fantasmas da vaidade, não querendo por amor dEle
desfazer-me do pesado fardo dos meus defeitos, recusando-me à contrariar meu
gênio, minhas opiniões, meus caprichos e as satisfações do amor próprio. É sem
desculpa, minha ingratidão!
Pastor e Salvador amoroso,
perante Vós me humilho e arrependido da minha tresloucada malícia,
penitencio-me de ter sido tão sem amor, em deixar-Vos pelas criaturas.
Confesso haver eu esbanjado em
ninharias e frivolidades a preciosa herança das Vossas graças e disto peço-Vos
um misericordioso perdão. Perdoai-me dulcíssimo Jesus, por aquela dor que teve
Vossa Mãe em Vos deixar. Nas brenhas malditas do pecado, minha alma perdeu-se,
não a deixeis emaranhada, posta a mercê dos lobos infernais, mas procurai-a, ó
Pastor amoroso, salvai-a, e ela promete nunca mais deixar-Vos.
Le Christ de La Conversion
Sainte Thérèse D'Ávila,
Autobiographie, chap. 9
Fonte: Pe. Caetano Maria
de Bergamo, O.F.M.Cap., “Pensamentos e Afetos sobre a Paixão de Jesus Cristo
para cada dia do ano – Extraídos da Sagrada Escritura e dos Santos Padres”,
Vol. 1, Cap. XVI, pp. 40-48; Tradução de Frei Marcellino de Milão, O.F.M.Cap.;
Escola Typographica Salesiana, Bahia, 1933.
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