A
exaltação de Maria por Deus
1.
Como Mãe de Deus é Maria a criatura mais chegada ao Senhor.
Necessário seria compreender quão sublime é grandeza de Deus, para
também se compreender a altura a que foi Maria
elevada. Bastará,
pois, somente dizer que Deus fez desta Virgem sua Mãe, para entender
com isso que não lhe era possível exaltá-la mais do que a exaltou.
Apropriadamente afirma Arnoldo
de Chartres
que, em se fazendo Filho da Virgem, Deus a colocou numa altura
superior a todos os Santos e Anjos. Exceto Deus, ela é sem
comparação mais elevada do que todos os espíritos celestes, como
dizem S.
Efrém e
S. André de Creta.
Vulgato
Anselmo
escreve: Senhora, Vós não tendes quem vos seja igual, porque
qualquer outro ou está acima, ou a abaixo de Vós; só Deus vos é
superior, e todos os outros vos são inferiores. É tão grande, em
suma, a grandeza da Virgem, conclui S.
Bernardo,
que só Deus pode e sabe compreendê-la.
“Por
isso, ninguém se maravilhe, adverte S.
Tomás de Vilanova,
se os Santos Evangelistas, tão prontos em registrar os
louvores de João
Batista, de
Madalena,
foram tão parcos em descrever as prerrogativas de Maria.
Contentam-se em dizer que 'dela nasceu Jesus'.
Baste-nos isso. Com tais palavras dizem tudo, resumem-lhe todas as
excelências, sendo por isso desnecessário que as fossem descrevendo
uma a uma”. E descrevê-las por quê? Maria
é Mãe de Deus, e já não excede com isso a toda grandeza e
dignidade que se pode exprimir ou imaginar depois de Deus? Pergunta
Eádmero.
Igualmente conclui Pedro
Celense:
Dai-lhe o nome que quiserdes, de Rainha do Céu, de Senhora dos
Anjos, ou qualquer outro título de honra, jamais chegareis a
honrá-la tanto, como chamando-lhe Mãe de Deus.
É
evidente a razão do exposto. Pois S.
Tomás
ensina o seguinte: Quanto mais uma coisa se avizinha ao seu
princípio, tanto mais recebe da sua perfeição. Ora, sendo Maria
a criatura mais vizinha a Deus, do mesmo Deus ela participou mais
graça, perfeição e grandeza, que todas as outras criaturas. Daqui
deduz o Padre Suárez
a razão por que a dignidade de Mãe de Deus é de ordem superior a
toda outra dignidade criada. Pois de algum modo pertence à ordem da
união de uma Pessoa Divina com a qual vai necessariamente conjunta.
Assevera por isso Dionísio
Cartuxo,
que, depois da União Hipostática, nenhuma há mais próxima, que a
da Mãe de Deus com seu Filho. É esta a união suprema que pode ter
uma pura criatura com Deus, ensina S.
Tomás. S. Alberto Magno
afirma que ser Mãe de Deus, é a dignidade imediata depois da
dignidade de ser Deus. Por isso, diz que Maria
não pode ser mais unida a Deus, do que foi, senão fazendo-se Deus.
A
Virgem devia ser Mãe de Deus. Precisou, portanto, na linguagem de S.
Bernadino,
ser exaltada a uma certa igualdade com as Pessoas Divinas, por meio
de uma quase infinidade de graças. Moralmente falando, os filhos são
reputados a mesma coisa com seus pais, de modo que comuns lhes são
os bens e as honras. Daí deduz S.
Pedro Damião
que, se Deus habita em diversos modos nas criaturas, em Maria
habitou com modo singular de idoneidade, fazendo a mesma coisa com
Maria.
Depois exclama com aquele célebre dito: Aqui trema e emudeça toda
criatura, ousando apenas contemplar a imensidade de tão sublime
dignidade! Deus habita no seio da Virgem, com ela mantém a
identidade de uma natureza.
2.
Como Mãe de Deus, é Maria portadora de uma dignidade quase
infinita.
Segundo S.
Tomás,
tendo Maria
sido feita Mãe de Deus, em razão dessa união tão estreita com o
Bem Infinito, recebeu uma certa dignidade infinita, a qual Suárez
chama de infinita no seu gênero. Pois
a dignidade de Mãe de Deus é a máxima que pode conferir-se a uma
pura criatura. Ouçamos a explicação do Doutor Angélico: “A
humanidade de Jesus
Cristo
podia receber de Deus maior graça habitual. Mas como assim? Porque a
natureza limitada da graça, como coisa criada, é sempre capaz de
aumento. Entretanto, não pode a humanidade de Cristo
receber maior realce que o da União com uma Pessoa Divina. Assim, a
Bem-aventurada Virgem não pode também ser constituída em maior
dignidade, que ser Mãe do Infinito”. E S.
Bernadino
garante que o estado de sua Mãe, a que Deus exaltou Maria,
foi sumo, de modo que a não pode exaltar mais. E o confirma S.
Alberto Magno:
Deus conferiu à Ss. Virgem o que há de mais alto possível para uma
criatura: a Maternidade Divina.
Eis
a razão das conhecidíssimas palavras de Conrado
da Saxônia: Deus
pode fazer um mundo maior, um Céu mais extenso, mas não pode fazer
uma criatura mais excelsa, do que fazendo-a sua Mãe. Melhor que
todos, porém,
a própria Mãe de Deus exprimiu a altura a que o Senhor a sublimou,
quando disse: Maravilhas em Mim operou Aquele que é poderoso. E por
que não especificou Ela quais eram essas maravilhas concedidas por
Deus? Maria
não as expôs, responde-nos S.
Tomás de Vilanova,
porque são tão grandes, que não se podem explicar.
Razão
teve, pois, o autor da Salve
Rainha
de dizer que Deus criou o mundo por causa dessa Virgem que havia de
ser a sua Mãe. S.
Boaventura
podia dizer que o mundo persiste por disposição de Maria.
“Por vossa intercessão, ó Santa Virgem, é conservado o mundo,
que no começo fundastes juntamente com Deus”. Essas palavras fazem
alusão ao texto dos Provérbios, onde se lê: Estava eu com ela
regulando todas as coisas (8, 30). Que, por amor de Maria,
Deus não destruiu o homem depois do pecado de Adão, é sentença de
S.
Bernadino.
Motivadamente
canta, portanto, a Santa Igreja que “Maria
escolheu a melhor parte”. Porquanto, esta Mãe e Virgem não só
elegeu a ótima parte, mas das ótimas coisas elegeu a ótima parte.
É o que no-lo atesta S.
Alberto Magno:
Deus dotou-a em sumo grau de todas as graças, e dons gerais e
particulares, conferidos a todas as outras criaturas.
3.
Inefável riqueza de graças conferidas a Maria.
Mas todo esse tesouro lhe foi dado em consequência da dignidade que
lhe fora concedida de Mãe de Deus. De modo que Maria
foi menina, mas desse estado teve unicamente a inocência, não o
defeito de incapacidade. Pois, desde o primeiro instante de sua vida
teve o uso perfeito da razão. Foi Virgem, mas sem a ignomínia de
estéril. Foi Mãe, mas conservando sempre a glória da virgindade.
Foi bela, mas belíssima até, como diz Ricardo
de S. Lourenço, com
Jorge
de Nicodemia e o Pseudo-Dionísio Areopagita.
O
Senhor revelou a S.
Brígida
que a beleza de sua Mãe excedeu a de todos os Anjos e Santos. Foi
belíssima, repito, mas sem perigo para os que a contemplavam, porque
a sua beleza afugentava os movimentos impuros e inspirava pensamentos
de pureza, como atestam S.
Ambrósio e S. Tomás.
Por isso, ela se chamou mirra, que impede a corrupção. “Espalhei
como mirra escolhida suavidade de perfume” (Ecli. 24, 20). Levava a
Senhora uma vida ativa, mas sem que o trabalho a distraísse da união
com Deus. Na contemplativa estava recolhida em Deus, mas sem
negligência do temporal e da caridade devida ao próximo. Tocou-lhe
a morte, mas sem as suas angústias e sem a corrupção do corpo.
Concluamos,
pois. Esta Divina Mãe é infinitamente inferior a Deus, mas é
imensamente superior a todas as criaturas. E se é impossível achar
um Filho mais nobre que Jesus, é impossível também achar uma Mãe
mais nobre que Maria.
Sirva tudo isto aos devotos de Maria,
não só para se regozijarem das suas grandezas, como também
para
aumentar-lhes a confiança no seu poderosíssimo patrocínio. Pois,
não diz o Padre
Suárez
que
Maria,
sendo Mãe de Deus, tem um certo direito sobre seus dons, em
benefício dos que a servem? Além disso, na opinião de S.
Germano,
Deus não pode deixar de ouvir as súplicas de Maria,
porquanto, precisa reconhecê-las como sua verdadeira e imaculada
Mãe. Assim, pois, ó Mãe de Deus e nossa Mãe, não vos falta nem o
poder nem a vontade para socorrer-nos. Sabeis, dir-vos-ei com o Abade
de Celes,
que Deus não vos criou para Si, mas que vos deu aos Anjos como sua
restauradora, aos homens como sua reparadora, e
aos
demônios, como sua debeladora. Por meio de Vós recobraremos a graça
divina, e por Vós
o
Inimigo é vencido e debelado.
Desejamos,
porventura, dar um agrado à Divina Mãe? Saudemo-la, então, muitas
vezes com a Ave
Maria.
Apareceu um dia a Virgem a S.
Matilde
e disse-lhe que ninguém a podia obsequiar melhor do que com esta
saudação. Se assim o praticarmos, receberemos graças singulares
desta Mãe de Misericórdia, como se verá pelo seguinte exemplo:
É
célebre aquele acontecimento que refere o Padre
Ségneri
na sua obra intitulada: O
cristão instruído.
Foi confessar-se, em Roma, ao Padre
Zucchi, um
jovem carregado de pecados desonestos, e mal habituado. O confessor
acolheu-o com caridade, e compadecendo-se das suas misérias lhe
disse que a devoção a Nossa Senhora podia livrá-lo daquele
desventurado vício. Portanto, impôs-lhe, por penitência, que até
outra confissão recitasse pela manhã e à noite, ao levantar-se e
deitar-se, uma Ave
Maria
a Virgem, oferecendo-lhe os olhos, as mãos e todo o seu corpo, e
rogando-lhe que o defendesse como uma coisa sua. E, além disso, que
beijasse três vezes a terra. O jovem praticou esta penitência, ao
princípio com pouca emenda. Mas o Padre continuou a inculcar-lhe que
jamais a deixasse, animando-o a que confiasse no patrocínio de
Maria.
Neste tempo partiu o penitente com outros companheiros, e levou
muitos anos a rodar pelo mundo. Quando voltou a Roma, foi de novo ter
com o confessor, o qual com grande júbilo e maravilha o achou
completamente mudado, e livre das antigas torpezas. – Filho,
perguntou-lhe, como obtiveste de Deus tão feliz transformação?
Respondeu-lhe o jovem: Meu Padre, Nossa Senhora alcançou-me esta
graça, por causa daquela prática de devoção que me ensinastes. –
Mas não param aqui as maravilhas. Tendo o confessor narrado do
púlpito o que acabamos de referir, foi ouvido por um capitão que
entretinha, havia muitos anos, relações criminosas com uma mulher.
Resolveu-se
ele a praticar a mesma devoção para libertar-se daquela horrível
cadeia, com que o Demônio o escravizava (esta intenção é
necessária a todos os pecadores, para que a Virgem os possa
socorrer). Por este meio conseguiu também deixar a má conduta, e
mudou de vida.
Mas
que aconteceu depois? Ao cabo de seis meses, o capitão, fiando-se
loucamente nas próprias forças, quis ir um dia visitar aquela
mulher, para ver se ela também tinha mudado de vida. Mas ao chegar à
porta daquela casa, onde ia correr manifesto perigo de tornar a cair,
sentiu-se puxado para trás por uma força invisível, e achou-se tão
distante, no fim da rua, em frente a sua própria casa. Conheceu,
então, claramente que Maria
o livrara assim da sua perdição. De tudo isso se depreende quanto
é solícita nossa boa Mãe, não só em arrancar-nos do pecado, se
com este fim a Ela nos recomendamos, mas ainda em livrar-nos do
perigo de novas recaídas.
Oração
Ó
Virgem Imaculada e Santa, ó criatura a mais humilde e a mais excelsa
diante de Deus! Fostes tão pequena aos vossos olhos, porém, tão
grande aos olhos do Senhor, que ele vos exaltou a ponto de vos
escolher para Sua Mãe e fazer-vos depois Rainha do Céu e da terra.
Dou, pois, graças àquele Deus, que tanto vos sublimou, e me alegro
convosco por ver-vos tão unida a Deus, que mais não é possível a
uma pura criatura. Diante de vós que sois tão humilde, com tantos
dotes, me envergonho de comparecer, eu, miserável, tão soberbo e
tão carregado de pecados. Entretanto, mesmo assim, quero saudar-vos:
Ave
Maria, cheia de graça.
Sois cheia de graça, impetrai também a graça para mim. O
Senhor é convosco.
Aquele Senhor que esteve sempre convosco desde o primeiro instante de
vossa criação, uniu-se agora a vós mais estreitamente, fazendo-se
vosso Filho. Bendita
sois vós, entre as mulheres: Ó
Mulher bendita entre todas as mulheres, alcançai-me também a divina
bênção. E
bendito é o fruto de vosso ventre:
ó planta bem-aventurada, que destes ao mundo um fruto tão nobre e
tão santo! Santa
Maria, Mãe de Deus:
ó Maria,
confesso que sois verdadeiramente a Mãe de Deus, e por esta
verdade estou pronto a dar mil vezes a vida. Rogai
por nós, pecadores.
Mas se vós sois a Mãe de Deus, sois também a Mãe de nossa
salvação, e de nós pobres pecadores. Pois para salvar-nos foi que
Deus se fez homem, e vos fez sua Mãe para que vossos rogos tenham a
virtude de salvar qualquer pecador. Eia, pois, ó Maria,
rogai por nós: agora
e na hora de nossa morte.
Rogai sempre; rogai agora, que estamos em vida no meio de tantas
tentações e perigos de perder a Deus. Mas, sobretudo, rogai por nós
na hora da nossa morte, quando estivermos a ponto de deixar este
mundo, e sermos apresentados ao divino tribunal a fim de que,
salvando-nos pelos merecimentos de Jesus
Cristo,
e pela vossa intercessão, possamos um dia, sem perigo de jamais nos
perder, saudar-vos e louvar-vos com o vosso Filho no Céu, por toda a
eternidade. Amém.
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Fonte:
Santo
Afonso Maria de Ligório, “Glórias de Maria”, 2ª Parte, Tratado
I,
Cap.
II, Tema IV, Ponto II, pp. 236-242; Versão da 11ª edição
italiana, última revista pelo autor, de acordo com a novíssima
edição crítica dos PP. Krebs e Litz, C.Ss.R. pelo Pe. Geraldo
Pires de Sousa, C.ss.R., 6ª edição, Editora Vozes Ltda,
Petrópolis-RJ, 1964.
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