Que se Devem Examinar e
Regular os Desejos do Coração
Jesus
Cristo: Filho, importa que aprendas ainda muitas coisas, que não tens
aprendido bem.
A Alma:
Senhor, que coisas são essas?
Jesus
Cristo: Que sujeites totalmente o teu desejo ao Meu beneplácito, e não te
cegues com teu amor próprio, mas sejas fervoroso zelador da Minha vontade.
Muitas vezes te prendem teus desejos, e com
veemência te levam atrás de si; mas examina, se te moves mais por Minha honra,
que por teu proveito.
Se Eu for a causa, de qualquer modo que ordene,
sempre estarás contente; mas se ocultares algum interesse próprio, esse te
impedirá e afligirá.
Foge, pois, de confiar demasiadamente no desejo que
tiveste sem Me consultares, para que não aconteça que te arrependas e te
desagrade o que primeiro te contentou e desejastes como melhor.
Porque nem todo desejo que parece bom logo se há de
seguir, nem todo o que parece contrário, à primeira vista, se há de evitar.
Convém que às vezes te refreies até nos bons
exercícios e desejos, para que não caias em distrações do coração pela demasia;
e que não dês escândalo aos outros por tua indiscrição; ou também para que com
a resistência dos outros subitamente não te perturbes e caias.
Também algumas vezes te convém usar de violência e
resistir varonilmente ao apetite sensitivo, não reparando no que quer ou não
quer a carne; mas trabalhando para que esteja sujeita ao espírito, ainda que
não queira; e deve ser castigada e constrangida e sujeitar-se até que esteja
disposta para tudo, e saiba contentar-se com pouco e alegrar-se com as coisas
moderadas e não murmurar contra o que lhe for contrário.
Assim como todos os dias cuidamos da limpeza e
alimentação do nosso corpo, também com melhor razão, devemos cuidar da limpeza
e alimentação da nossa alma. Raros são os homens obcecados que, em teoria, não
reconheçam a superioridade da alma sobre o corpo; na prática, porém, é forçoso
admitir que a maioria deles vivem tão esquecidos da alma, como se não acreditassem
na existência dela. Para o corpo, todos os desvelos e mimos parecem poucos:
procuram-se-lhe bons ares, boas casas, boa alimentação, bons vestidos e
conveniente exercício; se enferma, chama-se-lhe um ou mais médicos, aplicam-se-lhe
remédios a horas determinadas, dia e noite, dispensam-se-lhe todos os cuidados.
O corpo é um ídolo, o espírito cai de joelhos diante dele e o adora com devoção
fervorosa! Já esta espécie de idolatria está de tal maneira enraizada nos
costumes, que, sem a menor estranheza, se transmite de geração em geração.
A par disto, a pobre alma é relegada para uma
posição muito secundária: na peregrinação mais ou menos longa da vida, raro se
olha para ela com decidido interesse. Nasce uma criancinha, desenvolve-se,
começa a revelar as primeiras luzes da sua inteligência, e os pais, que devem
esmerar-se em corrigir-lhe os defeitos, descuidam da sua educação: deixam-na
viver segundo os instintos da natureza, à maneira de um animalzinho doméstico.
Será isto verdadeiro amor de pais? Não; tal amor é falso, porque é desordenado.
Tens
filhos? Educa-os e sujeita-os desde a sua infância.
Se ainda os filhos que recebem boa educação muitas vezes se perdem, que se há
de esperar dos mal educados? Com a idade crescem os maus hábitos, e depois vem
a influência do mundo corrompido completar a desgraça, a que a negligência dos
pais dera começo. Encontra-se muitas vezes um destes infelizes às portas da
morte e a família não permite que ninguém lhe fale em Sacramentos, porque
receia assustar o enfermo. Que barbaridade, que loucura! Então credes na imortalidade
da alma e tendes coração para impedir a que um vosso parente, um vosso amigo se
reconcilie com Deus! Será isto proceder como bom cristão?
Temos que sustentar uma grande luta: contra nosso
espírito, que nos extravia, nos seduz com falsas aparências e com uma funesta
curiosidade; contra nossos desejos, que nos perturbam; contra nossos sentidos,
cujos apetites maculam a alma e a curvam para a terra. Lamentável condição do
homem culpado! Mas Deus não o abandonou: pode vencer se quiser. A fé reprime a
inquietação mórbida do espírito, e o fixa na verdade. Uma inteira submissão à
vontade divina produz a paz do coração, acalmando os vãos desejos e aqueles
mesmos que enganam a devoção com uma aparência de bem. Finalmente, vencemos os
sentidos com a oração, a humildade, a penitência, “castigando o corpo rebelde, e
reduzindo-o à escravidão”.
Nesta guerra de cada momento é que o cristão se
aperfeiçoa, e combatendo com fidelidade pode dizer com o Apóstolo: “Não
penso ter ainda chegado aonde aspiro; porém, esquecendo o que fica para trás e
aplicando-me ao que está adiante; corro ao termo da carreira para segurar o
prêmio que Deus nos destinou, a felicidade celestial, à qual nos chamou por
Jesus Cristo”.
Quando vos instar o desejo de serdes livre de algum
mal ou de conseguir algum bem, antes de tudo ponde vosso espírito em repouso e
tranquilidade, assentai vosso juízo e vossa vontade, e depois, manso e manso,
procurai o êxito de vosso desejo, empregando por ordem os meios que forem
convenientes.
E quando eu digo manso e manso, não quero dizer
negligentemente, mas sem pressa, perturbação e inquietação; aliás, em lugar de
terdes o efeito de vosso desejo, estragareis tudo, e vos virá mais forte
embaraço...
Não permitais a vossos desejos, com quanto pequenos
e de pouca importância, que vos inquietem; por quanto depois dos pequenos,
virão os grandes e mais importantes, achar vosso coração mais disposto à
perturbação e à desordem. Quando vos sobrevier inquietação, recomendai-vos a
Deus, e resolvei-vos a nada fazer do que vosso desejo requer de vós, sem que
tenha cessado a inquietação; salvo se não puder diferir-se a execução, e nesse
caso, com brando e tranquilo esforço deveis refrear o ímpeto de vosso desejo,
temperando-o, acalmando-o e moderando-o quanto for possível, e realizar depois,
não segundo vosso desejo, mas segundo a razão.
Oração
Ó Salvador meu, vida de minha alma, esperança do
meu coração, por mim padecestes tantos tormentos para me remir e dar o exemplo
da mortificação de meu corpo; porque sois para Vós tão cruel, e para mim tão
brando? Eu com todos meus membros vos tenho ofendido, e com eles, e com os
próprios sentidos, que me destes, tenho servido a malícia de minha vontade, e
ao mundo e ao Demônio. Como me descuidei em dizer-vos quão mal de tudo usei? Mas
Vós, Luz verdadeira e Sabedoria infinita, o vedes, e sabeis que seria pouco
abrirem-me todo em chagas para satisfação e cura das que eu fiz nesta triste
alma. E todavia, sabendo Vós quão feias e abomináveis são, a mim perdoais, a
mim mantendes com vossos bens, e me chamais à vossa amizade. Ó Amor que sempre
ardes, e nunca te consomes, muda toda minha vida, corpo e alma, nesse fogo e em
teu serviço. Mudai-me, Senhor meu, desta hora para todo sempre, porque para
isso me entrego todo a Vós. Açoitai, castigai e atribulai este perverso
pecador, fazei de mim tudo o que for vossa vontade, trazei-me sempre da vossa
Mão sujeito e preso à vossa Providência, nem me deixeis querer outra coisa
senão padecer conVosco, para que padecendo conVosco possa melhor servir-vos e
amar-vos. Amém.
Meu Senhor Jesus Cristo, que de vossas Chagas
salutares fizestes correr a fonte de vossas graças, fazei que vosso Sagrado
Sangue me fortifique contra os maus desejos, e me seja um remédio salutar para
todos os meus pecados. Amém.
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