De
qua natus est Jesus
Maria,
de quem nasceu Jesus.
(S.
Mat. 1, 16)
Ser
Maria Aquela, que abrangeu em seu ventre o que é Imenso; ser Ela a
que deu ao mundo um Redentor Divino; ser Ela Filha, Esposa e Mãe do
seu mesmo Deus, ser Ela de quem nasceu Jesus - De qua natus
est Jesus; eis aqui o mais alto
grau a que podia ser elevada uma filha de Adão; eis aqui uma
qualidade altíssima, que não podia unir-se em Maria com a Culpa
Original. Não, irmãos meus, a Primogênita do Eterno não podia ser
em tempo algum o objeto do Seu ódio; a Mãe de um Deus Santíssimo
não devia contrair alguma culpa; a Esposa de um Deus Santificador
devia ser santificada em todo o tempo; a libertadora da nossa
escravidão não devia arrastar as nossas tristes cadeias; a
vencedora da Serpente não convinha ser ferida de suas setas; Maria,
finalmente, não devia contrair a Culpa Original.
Como
não podemos negar a glória de ser Mãe de Deus, devemos por isso
mesmo acreditar, que Ela foi concebida em graça, e que desde o
primeiro momento da sua Conceição, Ela foi pura, imaculada, isto é,
isenta do Pecado Original. Os Santos Padres assim o tem acreditado e
ensinado; e a Santa Igreja, finalmente, assim
o definiu há pouco como ponto de fé, a que não podemos faltar. Não
espereis, pois, que eu hoje venha provar-vos um Dogma ultimamente
definido; falando o oráculo da verdade, nada mais é preciso; a
vossa mesma piedade e devoção para com Maria, invocando-A e
festejando-A como pura e imaculada desde a sua Conceição, me escusa
disto mesmo. Eu me contento somente de mostrar-vos a singularidade da
Graça Original em Maria, ou o grande privilégio com que o Criador a
enriqueceu na sua Conceição. Quanto Ela foi feliz desde sua origem,
e quanto nós somos infelizes, eis o que mostrarei. – Eu
principio.
Para
formarmos alguma ideia da singularidade da graça, que santificou a
Maria na sua Conceição milagrosa, é necessário conhecermos a
desgraça do Pecado Original, de que todos nascemos réus, e de que o
Senhor excetuou esta feliz Criatura. Ah! Que horroroso espetáculo
exporia eu aos vossos olhos, se pudesse descrever com clareza a
deformidade enormíssima deste monstro detestável! Ele é um dragão
venenoso, que nutrindo-se conosco desde o ventre de nossas mães, nos
despedaça as entranhas com mordeduras mortais;
é uma maldição inevitável, a qual, contraído logo desde o
princípio da nossa existência, nos faz objetos odiosos do nosso
Deus, indignos das suas graças, e excluídos do Reino do Céu; é um
contágio universal, que infeccionando toda a humanidade, chama sobre
ela as enfermidades, as paixões, as desgraças, e finalmente a
morte; em poucas palavras, é aquele primeiro pecado de
desobediência, que Adão e Eva cometeram, e que todos nós deles
herdamos como filhos ou descendentes, e que desgraçou a eles e a
toda a sua descendência.
Fatal
herança, quem poderá escapar-te? Virgem Santa, quem senão Vós,
que fostes criada para ser Mãe do Vosso mesmo Criador, e que não
tendes semelhante na vossa origem, e que sois bendita entre todas as
mulheres, quem senão Vós poderá ficar isenta de tão perniciosa
lei?
Mas
com efeito; ainda que no princípio da nossa origem, logo que somos
concebidos no ventre de nossas mães, ficamos todos sendo réus do
pecado, escravos do Demônio, marcados com o seu selo; Maria sem
exemplo é concebida em graça, e entra no mundo cheia de Inocência
e Santidade; o seu mesmo Criador por um raro privilégio a susteve
nos Seus braços para não cair na massa da perdição; no mundo
apareceu uma nova Criatura dotada desde a sua Conceição, das
melhores perfeições por um raro privilégio. Infernal Serpente,
enganadora de uma incauta Eva, confunde-te com a existência desta
nova Criatura, foge, foge envergonhada para esses abismos de
tormentos; tuas forças e teu poder não tiveram parte em Maria; tuas
duras cadeias não prenderam esta Virgem; se procuraste com uma só
lança ferir toda a humanidade, se pensavas ganhar num só combate
todas as vitórias, aterra-te, ainda digo, pois é
Maria quem alcançou sobre ti
uma completa derrota; é Maria a quem não prenderam teus laços; é
Maria finalmente, que te esmagou a cabeça, e abateu tua soberba –
Ipsa conteret caput tuum.
Maria
é sim essa valorosa Judite, que confundiu e derrotou o soberbo
Holofernes do Inferno; Maria é a única que não arrastou seus
ferros. E que glória esta para Maria! Que glória para Ela, alcançar
uma completa derrota de tamanho adversário! Que glória para esta
Virgem, confundir logo no princípio da sua existência um Inimigo,
que tinha zombado do mundo todo! Ah! O Demônio tinha subjugado ao
seu império toda a descendência de Adão, mas só esta Virgem pode
escapar-se à tirania de seus ferros; tudo havia sucumbido às leis
deste soberbo vencedor, mas só esta forte Torre de Davi despreza as
suas bandeiras. O soberbo Assuero tinha condenado à
morte todo o povo hebreu, mas uma formosa Ester é excetuada deste
decreto; todos somos concebidos em pecado, réus e escravos do
Demônio; Maria tão somente é excetuada desta lei. Que privilégio,
que glória para Maria!
Ah!
Todos os mais privilégios, todas as mais graças que o Senhor lhe
concedeu, por muito grandes que sejam, não excedem, nem chegam a
este dom da sua Conceição Imaculada; é esta uma graça onde não
tem chegado alguma criatura humana: Ela ainda que procedida de um
princípio imundo, de uma carne corrupta, como nós outros, é
concebida e criada por Deus toda bela como a brilhante aurora; saindo
do meio das trevas da obscura noite da culpa, apareceu toda luminosa;
começando a existir entre os espinhos do pecado; é uma rosa sempre
cheirosa, agradável e imarcescível; entre
a nossa natureza toda estragada por causa de Adão e Eva, veio esta
flor toda bela, toda formosa e engraçada.
Virgem
Santa, criatura imaculada, formosa Filha de Jerusalém, a quem vos
compararei? Ai! Se a fé não me ensinasse que há um só Deus na
Essência, e trino em Pessoas, eu
diria com São Dionísio, que Maria era uma segunda Divindade –
Nizi unam tantummodo Divinitatem esse crederem, hanc
mulierem Divinum esse dicenem.
Mas não larguemos os voos do nosso pensamento mais acima do que deve
ser; basta dizer que Maria pela sua Conceição Imaculada excede a
tudo quanto é criado, e que assim como o sol brilha entre todos os
mais astros, também Ela resplandece e sobressai a tudo quanto é
grande diante de Deus: Ela é um Castelo fortíssimo, uma Torre
inexpugnável, que nunca pagou algum tributo ao Demônio, diz São
Tomás de Vilanova, isto é, nunca cometeu pecado, nem houve momento
desde a sua Conceição em que estivesse no poder do Demônio –
Ecce castelum fortissimum, ecce turrim inexpugnabilem, quae
nunquam diabolo praestitit tributum.
Oh!
Quanto pois Maria é feliz desde o primeiro instante da sua
existência! E quanto nós todos somos infelizes, desgraçados desde
o primeiro momento em que fomos concebidos no ventre de nossas mães!
Maria apenas começa a existir, é livre do poder do Demônio, e nós
desde o primeiro momento da nossa existência começamos a ser
escravos do seu infame poder; Maria desde então Santíssima,
perfeitíssima, sumamente agradável a Deus, e nós desde o primeiro
instante da nossa criação, pecadores, miseráveis, feios e
desagradáveis aos olhos de Nosso Senhor: que
diferentes sortes! Que desgraçada condição humana! Mas desta
infeliz sorte, fomos por Deus resgatados nas sagradas Águas do
Batismo; então, o nosso Divino Criador por meio desse Santo
Sacramento nos livrou da escravidão do Demônio, e lavou nossas
almas dessa mancha do pecado; então, ficamos cheios de graça e
inocência, amados de Deus, agradáveis aos Seus olhos, e herdeiros
do seu Reino do Céu; enfim, pela Sua infinita
Misericórdia ficamos sendo Seus filhos, e inteiramente felizes pela
graça da regeneração. Mas esta graça e felicidade tornamos a
perder por nossa culpa, se caímos em pecado mortal, e ficamos depois
ainda mais infelizes e desgraçados do que da primeira vez, porque
fomos infiéis às nossas promessas, e ingratos ao nosso bom Deus.
Sim,
irmãos meus; o Pecado é Original e Pessoal; o Original é aquele
com que somos concebidos no ventre de nossas mães, e que nos vem de
nossos primeiros pais Adão e Eva como origem, e de que só Maria
Santíssima ficou livre por um raro privilégio; o Pecado Pessoal é
aquele que comete a própria pessoa, ou o que nós praticamos depois
do uso da razão. Do Original somos livres pelo Batismo, como já vos
disse; e se morrermos sem ser batizados não poderemos ir para o Céu,
nem também sofreremos as
penas do Inferno, porque o Pecado Original não é cometido por
vontade própria. Mas, se depois do Batismo e do uso da razão nós
cometemos algum pecado mortal, ao qual não damos remédio pela
Confissão e Penitência, não poderemos também ir ao Céu gozar a
Deus, iremos sem remédio algum ao Inferno padecer tormentos eternos;
porque este pecado já é cometido por nós por vontade própria, por
malícia pessoal, de que não há desculpa diante de Deus.
Assim
pois, se desgraçados éramos pelo Pecado Original antes de sermos
batizados, muito mais desgraçados somos depois do Batismo, se
cairmos em pecado mortal, que não remediemos. Estes pecados pessoais
nos fazem muito mais aborrecidos de Deus, e merecedores de tremendos
castigos pela nossa infidelidade e ingratidão. Sim, o sagrado
Batismo além de ser um Sacramento de Regeneração, pelo qual somos
lavados do Pecado Original, como já vos disse, é também, como
dizem os Santos Padres, um contrato que Deus faz conosco e nós com
Ele. Deus promete, e nós prometemos; Deus obriga-se, e nós
obrigamo-nos também; damos palavra pela boca de nossos Padrinhos
como fiadores, estando presentes os Ministros da Igreja, testemunhas
os Anjos e os homens; faz-se
disto escritura, a qual se guarda no arquivo da Igreja e nos
registros de Deus. O Senhor te colheu a palavra que tu deste no
Batismo, diz por isso Santo Ambrósio, escrita está não no livro
dos mortos, mas sim no livro dos vivos; diante dos Anjos pronunciaste
a tua obrigação, não a podes negar.
E
que nos prometeu Deus no Batismo? Prometeu-nos o Céu, e obrigou-se a
dar-no-lo, se O servirmos e amarmos, e se morrermos na Sua graça.
Eis a promessa da parte de Deus, e que de certo há de cumprir. E da
nossa parte, que prometemos, e a que ficamos obrigados? Chegando à
porta da Igreja logo nos saiu
ao encontro o Ministro do Senhor, o qual nos perguntou, ou aos nossos
Padrinhos em nosso lugar: Que pedis à Igreja? – E logo responderam
por nós: A fé. – E a fé que te dá – A vida eterna,
responderam mais. – Se pois queres entrar na vida eterna, guarda os
Mandamentos, disse o mesmo Ministro do Senhor – Si vis ad
vitam ingredi, serva mandata.
Logo, o mesmo Sacerdote mandou ao espírito imundo ou ao Demônio
sair fora da nossa alma; logo
nos marcou com o Sinal da Cruz na testa e no coração; na testa,
para que sempre nos lembremos da Cruz, e não nos envergonhemos de
ser cristão; no coração, para que vivamos sempre com amor e afeto
à mesma Cruz e Mortificação.
Tomando
depois o Sacerdote um pouco de sal bento, o meteu na nossa boca, e
nos disse, que recebêssemos o sal da sabedoria, isto é, que
deveríamos saber as nossas obrigações e guardá-las, livrando-nos
sempre da corrupção dos costumes e pecados, e que nunca tivéssemos
fastio das coisas de Deus, e de O servir. Expeliu outra vez com o sal
o Demônio para fora da nossa alma, e lhe mandou que nunca mais
tomasse posse dela. Entrando nós na Igreja, o mesmo Sacerdote nos
fez duas cruzes nos nossos ouvidos para os abrirmos depois à Palavra
de Deus, para a ouvirmos com atenção e aproveitamento, e no nariz o
mesmo para percebermos o cheiro da celestial suavidade. Apenas
chegamos à pia do Batismo, logo aí nos perguntou o Ministro
Sagrado: Renuncias a Satanás? – E nós respondemos por boca de
nossos Padrinhos: Renuncio. – Renuncias também
as suas obras? – Cada um de nós respondeu: Renuncio. – Renuncias
as sua pompas? – Do mesmo modo respondeu qualquer de nós:
Renuncio. – E logo depois se seguiu o Batismo, a ação mais solene
e proveitosa para nós, pela qual a nossa alma foi lavada da mancha
Original em que fomos concebidos e nascidos, ficando logo filhos de
Deus e com direito ao Céu.
Eis
aqui, irmãos meus, a grande felicidade que nos veio pelo Batismo,
onde começamos a viver para Deus, onde Ele nos concedeu tanta graça;
nos prometeu tantos bens, e onde nós mesmos lhe fizemos tantas
promessas, e contraímos tantas e tão santas obrigações. E
dizei-me: vós tendes por ventura cumprido estas obrigações? Ah! De
certo não. Deus não falta, nem faltará ao que os prometeu; mas
desgraçadamente tendes vós faltado, e faltais imensas vezes. E se
não, dizei-me: que pedistes vós, e que prometestes quando chegastes
às portas do templo para receberdes o Batismo? A fé; e prometestes
guardá-la. E que tendes vós feito? Talvez a tenhais perdido de todo
ou em parte, não acreditando quantos Dogmas a Santa Igreja vos
manda; e se os acreditais, desacreditai-os pelo vosso péssimo
procedimento.
Diz-me,
cristão, pergunta São João Crisóstomo, em que poderei eu conhecer
que tu és cristão e tens fé? Pelo lugar em que vives? Pelo teu
vestido? Pelas tuas palavras? Pelo teu sustento Pelos teus negócios?
Oh! Por nenhuma destas coisas se pode conhecer que és um verdadeiro
cristão, ou que tens verdadeira fé, como pediste e prometeste; mas
tudo pelo contrário. O lugar que buscas é o teatro, o baile, a casa
da assembleia, a do jogo, a
da prostituta ou concubina, a da mancebia, a taberna, o lugar do
divertimento profano e da desmoralização. O vestido de que usas é
um vestido desnecessário, vestido de luxo, de vaidade, e de mais a
mais de indecência e sinal de desonestidade. As palavras de que te
serves são muitas vezes pragas, juras, nomes injuriosos ao próximo,
murmurações e palavras impuras. A comida e bebida de que usas é
mais do que a necessária para viver, trabalhar e servir a Deus, um
sustento demasiado e brutal, perdendo por isso a sobriedade, e até,
às vezes, a saúde e o juízo. Os negócios em que te empregas são
unicamente, ou mais que tudo, os negócios domésticos ou da família
e do teu interesse temporal; e pouco ou nada no negócio da glória
de Deus e da tua salvação.
Se
queres gozar a vida eterna,
guarda os Mandamentos, te disse mais o Sacerdote quando te batizou. E
como os tens tu guardado? Muito mal. Não há talvez Mandamento que
tenhas cumprido, nem algum que não tenhas profanado uma e muitas
vezes com pecados, e até mortais; a Lei de Deus tem sido para ti
coisa de menor preço e valor; a tua vida tem sido uma comprida
cadeia de culpas, que chega daqui ao Inferno. Tens desmentido
milhares de vezes as tuas promessas do Batismo. O Ministro do Senhor
te lançou, então, fora da alma o Demônio; mas tu o deixaste entrar
outra vez, pecando mortalmente, e talvez o tenhas deixado andar
sempre contigo sem fazeres uma boa Confissão, nem te emendares.
Marcou-te o mesmo Sacerdote
com o Sinal da Cruz para viveres debaixo das bandeiras de Jesus
Cristo, e passares uma vida mortificada, uma vida de cruz, como
discípulo de tão Santo Mestre.
Mas
que vida é a tua, cristão? Não é vida de cruz, é vida de
delícias, porque em lugar de buscares mortificação para o teu
corpo, só buscas gostos e prazeres, e só aborreces a cruz ou a
penitência; tu até te envergonhas talvez de ser cristão, ou ao
menos te envergonhas algumas vezes de fazer boas obras, obras de
cristão, de fazer o Sinal da Cruz, de trazer o Escapulário de Maria
ao pescoço, pegar num rosário ou numas contas, de fazer oração,
confessar, comungar, de fazer estas e outras obras de cristão. Toda
a vida de um cristão, se vive conforme o Evangelho, é uma vida de
cruz, diz Santo Agostinho. Porém, a tua vida, é uma vida laxa,
uma vida conforme as tuas paixões, e cheia de preguiça e vergonha
para seguir as lições de Jesus Cristo, e só diligente e de pouca
vergonha para seguir as coisas do Mundo, do Demônio e da Carne.
Lançou-te o Sacerdote do Senhor o sal bento na boca para gostares da
verdadeira sabedoria, para depois procurares saber as tuas obrigações
que contraías, para te livrares da corrupção dos maus costumes, e
para não te enfastiares das coisas de Deus. Mas, tu nem sabes, nem
procuras saber o que te convém para a salvação; nem buscas um bom
Diretor ou Mestre que ensine; antes buscas confessores passageiros,
que te deixem na ignorância, que não te mostrem o que deves fazer,
que por tudo te passem e te deixem viver conforme as tuas paixões; e
assim, em lugar de te livrares da corrupção do pecado, vives cada
vez mais empestado, enfermo na alma, cada vez pior. Se aparece,
porém, ou encontras algum Confessor que
te expõe a verdade, e te quer livrar do pecado e do Inferno,
apertando mais alguma coisa contigo, demorando-te a santa absolvição,
fazendo-te entrar em Confissão Geral, ou mandando-te fugir da
ocasião, restituir o alheio e fazer, finalmente, o que deves, logo
te aborrece, foges dele, e não tornas a buscá-lo.
Se
aparece algum pregador, que com eficácia te expõe a gravidade das
tuas culpas, e te quer conduzir ao Céu, não o queres ouvir, ou ao
menos te enfastias de o escutar; nem uma prática, nem um catecismo
queres ouvir, ficando muitas vezes fora da Igreja; tudo, tudo quanto
é Palavra de Deus e para tua salvação te aborrece, te causa
fastio, e por isso, nunca saras dessa peste dos teus vícios, nunca
gostarás das delícias da vida eterna. Este soberano sal nada te
aproveita, porque tens fastio de ouvir a Palavra de Deus, e pouco ou
nenhum apetite da doutrina do Céu. Tardes e noite inteiras em uma
comédia, assembleia ou baile e na casa de jogo ou na taberna, horas
e horas a conversar, tudo
isto te causa gosto e te faz parecer pouco tempo; e uma hora ou meia
numa prática ou sermão, já te enfada, cansa e enfastia: ó
gravíssima enfermidade, e execranda miséria! Tens na verdade o
gosto estragado; não há sal que te cure; assim viverás e morrerás,
e assim te condenarás ao Inferno.
Perguntou-te
mais o Sacerdote, quando te batizou: “Renuncias a Satanás, às
suas obras, e às suas pompas?” E tu, pela boca dos teus Padrinhos,
como fiadores às tuas promessas, respondeste, que a tudo isso
renunciavas. Mas, que tens tu feito? Tudo pelo contrário. Em lugar
de renunciares o Demônio, tens seguido as suas tentações ou
enganos, e tens feito quanto ele quer; em lugar de aborreceres as
suas pompas, tens vivido com luxo e mais luxo, tens andado à moda, e
com a maior vaidade. Estas pompas de Satanás, diz Santo Agostinho,
São Jerônimo e outros Padre, são pompas do mundo, a ambição, a
soberba, a vaidade, a superfluidade, a vanglória, em preciosas
alfaias (roupas), em coches,
em criados, em galas, em banquetes, em teatros e em jogos; são estas
as pompas do Demônio, que tu renunciaste; mas, são estas as que
tens seguido, e segues desgraçadamente contra as tuas promessas.
A
tudo renunciaste, e a tudo faltaste, fazendo o contrário. Ungiu-te
depois o Sacerdote com o óleo, que era o símbolo da graça de Deus,
que entrava na tua alma para sará-la da enfermidade do pecado, para
moderar as tuas paixões, e fortalecer-te nas batalhas contra a tua
salvação; mas nem isto te aproveitou; porque com a maior fraqueza
te deixaste depois arrastar dos teus apetites, e tens caído em
imensas misérias. Em seguida, foste logo batizado, lavada a tua alma
nessas águas puras da tua regeneração, e ficaste logo filho de
Deus, e com direito ao Céu; mas tudo isto perdeste pelo pecado
mortal que depois cometeste; pela tua infidelidade a tantas promessas
que fizeste, ficaste privado de tantos e tão grandes bens; ó
miséria das misérias, ó grande infelicidade! A tua alma depois do
Batismo ficou toda pura, mais branca do que a neve, mais formosa do
que o sol; mas tu depois do uso da razão a manchaste com pecados
mortais em que caíste por tua malícia, e a fizeste mais feia e
horrorosa do que que um Demônio, ficaste mil vezes pior do que antes
do Batismo; Deus te aborreceu muito mais por causa da tua ingratidão
ao benefício que te fez; e assim te tirará rigorosas contas das
tuas infidelidades, da falta de observância das tuas promessas no
Batismo, e te castigará com muito maior rigor.
Ele
te dirá no dia do juízo: “Tu no Batismo tomaste o nome de tal
Santo ou Santa para imitar as suas virtudes; mas seguiste uma vida
contrária: tu foste marcado com a Minha Cruz para levá-la com
vontade e paciência, e seguir a mortificação; mas tu quiseste
antes passar uma vida de delícias, e aborrecias tudo quanto era
pena, dor e penitência, e te declaraste inimigo da mesma Cruz: tu
recebeste o sal bento na boca para gostar da Palavra de Deus e te
livrar da corrupção do pecado; mas tu te aborrecias de ouvir a sã
doutrina, e te deixaste corromper dos vícios: tu renunciaste às
obras e pompas de Satanás; mas seguiste depois tudo quanto ele te
ensinou, as vaidades e modas infames: tu foste ungido com o óleo
para te fortalecer contra as criminosas
paixões, e tu cada vez te fizeste mais fraco: enfim, tu foste então
batizado para ganhares o Céu, e tu mereces o Inferno”.
E
que responderás ao Senhor? Como te desculparás de tantas
infidelidades às tuas promessas no Batismo? Maria foi concebida em
graça sem a menor mancha de pecado por um raro privilégio, e foi
sempre fiel a Deus; mas tu, se foste concebido em pecado, e nascido
em pecado, Deus pela sua grande bondade te livrou no Batismo, e te
fez seu filho e cristão, e a tua alma pura; mas tu como tens
correspondido a tão bom Senhor? Porque tens faltado tantas vezes às
promessas que lhe fizeste, e desgraçado a tua alma? Oh!
Envergonha-te, pecador, e muda de vida: até quando hás de abusar da
bondade de Deus, que te resgatou no Batismo do poder do Demônio? Até
quando hás de ser infiel ao que então lhe prometeste? Olha que se
antes de batizado eras desgraçado e infeliz pelo Pecado Original,
agora mais desgraçado e infeliz estás pelos pecados mortais que
tens cometido; olha que agora mereces de mais a mais o Inferno, se
não lhes dás remédio. Este remédio, que agora te resta, é o
arrependimento com uma boa Confissão e com a emenda.
Anda
pois à presença do Senhor, chorar teus pecados pessoais, e diz
assim: Ó meu Deus, eu vejo-me carregado de crimes, de
que não tenho desculpa; eu tenho-Vos sido infiel e ingrato milhares
de vezes; mas eu me arrependo agora e me pesa muito de tantas
maldades. Tenho profanado o meu Batismo, tenho desgraçado a minha
alma; mas agora proponho viver como cristão, e nunca mais pecar.
Ajudai-me com a Vossa graça para que leve a efeito estes meus
desejos. Ó Maria, ajudai-me também; Vós que fostes sempre pura e
Santa desde o primeiro momento da Vossa vida, alcançai-me graça
para viver e morrer santamente. Ó Maria, concebida sem pecado, rogai
por nós, que recorremos a Vós. Amém.
______________________
Fonte:
Rev. Pe. Fr. Manoel da Madre de Deus, O.C.D., “Práticas
Mandamentais ou Reflexões Morais sobre os Mandamentos da Lei de Deus
e os Abusos que lhe são Opostos”, Prática 15ª, pp. 607-617; 3ª
Edição, Editor Casa de Cruz Coutinho, Porto, 1871.
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