Porque
este breve tratado fala da oração e meditação, bem será dizer em
poucas palavras o fruto que deste santo exercício se pode tirar,
para que com mais alegre coração se ofereçam os homens a ele.
Notória
coisa é que um dos maiores impedimentos que o homem tem para
alcançar a sua última felicidade e bem-aventurança é a má
inclinação do seu coração, e a dificuldade e má vontade que tem
para bem obrar, porque a não estar esta de permeio, facílima coisa
lhe seria correr pelo caminho das virtudes e alcançar o fim para que
foi criado. Pelo que, disse o Apóstolo: Alegro-me
com a lei de Deus, segundo o homem interior; mas sinto em meus
membros outra lei e inclinação, que contradiz a lei do meu
espírito. E me leva atrás de si cativo da lei do pecado.
Esta é, pois, a causa mais universal que há de todo o nosso mal.
Pois, para tirar este peso e dificuldade e facilitar este negócio,
uma das coisas que mais aproveitam é a devoção. Porque, (como diz
S. Tomás), devoção não é outra coisa senão uma
presteza e ligeireza para bem obrar,
a qual despede de nossa alma toda essa dificuldade e peso, e nos
torna prestes e ligeiros para todo bem. Porque é uma refeição
espiritual, um refresco e rocio do Céu, um sopro e alento do
Espírito Santo e um afeto sobrenatural; o qual de tal maneira
regula, esforça e transforma o coração do homem, que lhe põe novo
gosto e alento para as coisas espirituais, e novo desgosto e
aborrecimento das sensuais. O que nô-lo mostra a experiência de cada
dia, porque, ao tempo em que uma pessoa espiritual sai de alguma
profunda e devota oração, ali se lhe renovam todos os bons
propósitos;
ali estão os fervores e determinações de bem obrar; ali o desejo
de agradar e amar um Senhor tão bom e tão doce como ali se lhe tem
mostrado, e mesmo derramar sangue por Ele; e, finalmente, reverdece e
se renova toda a frescura de nossa alma.
E,
se me perguntares por que meios se alcança esse tão poderoso e tão
nobre afeto de devoção, a isto responde o mesmo Santo Doutor
dizendo: que
pela meditação e contemplação das coisas divinas, porque da
profunda meditação e consideração delas resulta este afeto e
sentimento na vontade
(que chamamos devoção), o
qual nos incita e move a todo bem.
E, por isso, é tão louvado e recomendado por todos os Santos este
santo e religioso exercício; porque é meio para alcançar a
devoção, a qual, embora não seja mais do que uma só virtude, e é
como que um estímulo geral para todas elas. E, se queres ver como
isto é verdade, olha quão abertamente o diz S. Boaventura por estas
palavras:
Se
queres sofrer com
paciência as adversidades e misérias desta vida, sejas homem de
oração. Se queres alcançar virtude e fortaleza para venceres as
tentações do Inimigo, sejas homem de oração. Se queres mortificar
a tua própria vontade
com todas as suas afeições e apetites, sejas homem de oração. Se
queres conhecer as astúcias de Satanás e defender-te dos seus
enganos, sejas homem de oração. Se queres viver alegremente,
e caminhar com suavidade pelo caminho da penitência e do trabalho,
sejas homem de oração. Se queres enxotar de tua alma as moscas
importunas dos vãos pensamentos e cuidados, sejas homem de oração.
Se a queres sustentar com a gordura da devoção, e trazê-la sempre
cheia de bons pensamentos e desejos, sejas homem de oração. Se
queres fortalecer e confirmar teu coração no caminho de Deus, sejas
homem de oração. Finalmente, se queres desarraigar
de tua alma todos os vícios e plantar em lugar deles as virtudes,
sejas homem de oração; porque nela se recebe a unção e graça do
Espírito Santo, a qual ensina todas as coisas. E, além do mais, se
queres subir à altura da contemplação e gozar dos doces abraços
do Esposo, exercita-te na oração, porque este é o caminho por onde
a alma sobe à contemplação e gosto das coisas celestiais. Vês,
pois, de quanta virtude e poder seja a oração? E, para prova de
todo o dito (deixado
de parte o testemunho das Escrituras Divinas),
isto basta agora por suficiente prova de que temos ouvido e visto, e
vemos cada dia, muitas pessoas simples, as quais alcançaram todas
estas coisas sobreditas e outras maiores, mediante o exercício da
oração.
Até
aqui são palavras de S. Boaventura. Pois, que tesouro, que empório
se pode achar mais rico, nem mais cheio do que este? Ouve também, o
que a este propósito diz outro mui religioso e Santo Doutor, falando
desta mesma virtude: Na
oração (diz
ele),
limpa-se a alma dos pecados, apascenta-se a caridade, certifica-se a
fé, fortalece-se a esperança, alegra-se o espírito, derretem-se as
entranhas, purifica-se o coração, descobre-se a verdade, vence-se a
tentação, afugenta-se a tristeza, renovam-se os sentidos, repara-se
a virtude enfraquecida, despede-se a tibieza, consome-se a ferrugem
dos vícios, e nela não faltam centelhas vivas de desejos do Céu,
entre as quais arde a chama do Divino Amor. Grandes lhe são os
privilégios! A ela estão abertos os Céus. A ela se revelam os
segredos, e a ela estão sempre atentos os ouvidos de Deus.
Isto
basta por hora, para que de alguma maneira se veja o fruto deste
santo exercício.
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Fonte:
São
Pedro de Alcântara, Tratado
da Oração e Meditação,
Parte I, Cap. I, pp. 41-45; Editora Vozes Ltda., Petrópolis-RJ,
1951.
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