Espírito
meu: eu ando em uma região desconhecida, onde não sei bem os nomes
das coisas, como José quando entrou no Egito, Linguam,
quam non noverat, audivit;
ou como na confusão das línguas em Babel,
ninguém
entendia a voz de seu próximo: Ut
non audiat unusquisque vocem proximi sui.
Dá-me, te rogo, alguma luz nesta matéria, apontando-me alguns
principais vocábulos, os sinônimos, que gerem em meu entendimento
notícia mais proveitosa.
Que
coisa é o homem neste mundo?
Comediante no tablado; hóspede na estalagem; uma candeia exposta ao
vento; fábula de calamidade; padecente caminhando para o suplício.
Que
coisa é o nosso corpo?
Espada do Diabo, porque com ele peleja de perto; e o mundo é a sua
lança, porque com ele peleja de longe.
Que
é este nosso corpo?
Escravo fugitivo; esterquilínio coberto de neve; lepra, e pedaço de
telha juntamente, porque a si se raspa; casa em perpétuas
dissensões; antípoda da alma; pedinte soberbo.
Que
é a língua humana?
Feira de maldades; fera indomável; risco doméstico e contínuo.
Que
coisa é a nossa alma?
Faísca do lume incriado; selo da forma Divina; pupilas espirituais
para ver, e, admirar os espetáculos invisíveis e eternos.
Que
é o mundo?
Hospital de doidos; aparência e jogo de títeres; casa cheia de
fumo.
Que
é o mundo?
Inferno breve sobre a terra; ilha dos degradados; telheiro onde se
lavram as pedras do templo vivo de Deus.
Que
são as honras e dignidades?
Eça Real: por fora brasões, telas e luzes; por dentro ripas de
pinho e lixo.
Que
é a nobreza?
Riquezas já de mais longe.
Que
é o ouro e a prata?
Atrativo das invejas; fadiga dos néscios; defunto nobre no túmulo
dos cofres; sangue do corpo da República, que anda em movimento
circular; conselheiro de insolências; peste do espírito Evangélico.
Qual
é o homem que não tem o mesmo que tem?
O avarento; e
qual o que lhe fica o mesmo que largar?
O liberal.
Que
é a formosura humana?
Letra boa no sobrescrito; estímulo da soberba conjugal; irrisão dos
anos; pecado em flor, que as mais das vezes vinga.
Que
são as galas e enfeites?
Armação para as festas de Vênus; funeral do siso e modéstia;
desnudez e fealdade da alma.
Que
são os convites magníficos?
Vésperas solenes da doença; aposentador da luxúria; sacrifícios
ao deus ventre.
Que
é a prosperidade?
Esquecimento de Deus.
Que
é a tentação?
Crivo para separar o grão da terra; salmoura para não se
corromperem no homem os dons de Deus; janela para entrar a luz do
conhecimento próprio.
Qual
é a coisa, que o homem mais trata e menos conhece?
Ele próprio. E
qual a que sempre nos mente e sempre a cremos?
O nosso amor-próprio.
Que
é o pecado?
Morte da alma; verdadeiro mal; semente de desgraças; incêndio
invisível; consolação dos Demônios.
Que
atalho é mais breve para a ruína?
A ocasião. E
qual é a maior segurança para não cair?
Não assegurar-se.
Como
se faz o homem bom?
Sujeitando-se a Deus. E
por que não se Lhe sujeita?
Porque O não ama e teme.
Por
que há na terra tão pouco amor de Deus? Por que há pouca fé? E
por que a fé é tão pouca?
Porque milita contra ela o sentido, que se abraça com as coisas
presentes e sensíveis, que apagam a memória das insensíveis e
futuras.
Que
é a morte?
Filha do pecado; terror dos ímpios; suspiro dos Santos; sumidouro de
homens. Que
é a morte?
Herança do primeiro pai; transação de pleitos.
Que
é o Inferno?
Reino da morte viva; perpetuidade da culpa; braço esquerdo da
balança do Juiz Supremo. Que
é o Inferno?
Gemido sem pausa; dor inconsolável; sepultura dos abortivos;
confusão dos ingratos.
Como
se escapa do Inferno?
Seguindo a Cristo. Como
se segue a Cristo?
Abraçando a Cruz. Como
se abraça a Cruz?
Aborrecendo-se a si próprio.
Que
é a Cruz?
Cetro do Rei da Glória; mastro real na Nave da Igreja; estandarte da
espiritual milícia.
Que
coisa é Deus?
Não tem definição. Que
coisa é Deus?
Quem mais O amar, mais saberá o que é.
Oh
Deus, e Senhor meu! Por Vossa infinita bondade Vos rogo humildemente,
me concedais que Vos ame de todo o coração. Ame-Vos eu, Senhor,
para que despreze o mundo, mortifique o meu corpo, e abomine o
pecado. Ame-Vos eu, Senhor, de todo coração, para que me sujeite a
Vossa vontade, abrace a Vossa Cruz, e purifique a minha alma. Ame-Vos
eu, Senhor, com todas as forças da minha alma, para que não tema a
morte nem o Inferno, e conserve sempre viva a luz da Fé e de Vossa
graça, e, ultimamente, chegue a lograr a de Vossa glória. Amém.
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Fonte:
Ven. Pe. Manoel Bernardez, Orat., “Luz e Calor”, 2ª Parte,
Opúsculo IV, Solilóquio IV, nn. 371-372, pp. 416-418; Nova Edição,
Lisboa, 1871.
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