Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

O Real Caminho do Amor: "O Sofrimento".



P. João Pinamonti, S. J.





A Cruz Aliviada




Motivos de Consolação

nos Trabalhos




Terceira edição portuguesa revista

por Acácio Casimiro, S. J.




PORTO



LIVRARIA APOSTOLADO DA IMPRENSA

Rua de Cedofeita, 628.



1939








IMPRIMI POTEST.

Vimarani, 13 mail 1939.

Paulus Durão, S. J.

Praep. Prov. Lusit.







Pode imprimir-se.

Porto, 16 – V – 1939.

A. J. Pereira.






Prólogo



Date siceram moerentibus et vinum his qui amaro sunt animo – Dai um licor forte aos aflitos e vinho aos que têem o coração amargurado” (Prov. 30, 6).


Consolar ao próximo em suas tribulações, é ordem que o Senhor nos intima a todos e cuja inobservância tem Salomão por uma das maiores misérias desta vida mortal. Vi as lágrimas dos inocentes e nenhum consolador1. Esta consideração inspirou-me a ideia de escrever o presente livrinho, para expor nele os motivos mais eficazes que nos animem a padecer. Procurei ser breve o mais que pude, com o fim de mais facilmente se ler e passar de mão em mão. Assim como também reduzi a pouco e como que condensei, os principais motivos que a Fé nos ensina para as tribulações; deste modo, à maneira de água abundante recolhida em canal estreito, terão esses motivos mais força em nossa alma.

Para estarem mais à mão, vão distribuídos pelos dias da semana; e a oração, ao fim de cada um deles, é para implorar e obter os mais eficazes auxílios da divina graça, pois o sofrimento é aquilo a que mais repugnância sente a natureza.

Debaixo deste nome genérico de padecer, foi intenção minha incluir tudo o que se opõe às inclinações da mesma natureza; quer nos venha imediatamente de Deus, como as securas do espírito, as faltas de luzes na oração, as desolações; quer imediatamente do Demônio, como as sugestões para o mal, as angústias, os temores; quer dos nossos próximos, como são as murmurações, as calúnias, as perseguições.

Numa palavra, padecer diz tudo aquilo que ou mortifica o corpo, como a inconstância dos climas, a pobreza, o cansaço, as doenças; ou aflige o espírito, como os escrúpulos, os cuidados, as melancolias. Tudo isto compreenderei neste nome genérico; e ao passo que as pessoas espirituais verão nele principalmente o que atribula a alma, as mais imperfeitas verão principalmente o que contraria os sentidos.

Só falta que os que me lerem, não passem superficialmente a vista por estas verdades, senão que as meditem com seriedade e constância. Se pois vos aproveitardes destas considerações na devida forma, espero que chegareis a levar o sofrimento não só com paciência, mas até mesmo com alegria; e que, longe de fugir da cruz, a ireis buscar, como quem vê no padecer a coisa mais preciosa desta vida. “Bem-aventurados os que choram”, diz Cristo Senhor Nosso2. A bem-aventurança da vida imortal está em gozar de Deus; a bem-aventurança desta vida perecedoura está em sofrer por Deus.


1ª Meditação




Domingo



A Necessidade do Sofrimento

Serve de Alívio na Tribulação


________________


1 – Devemos sofrer, porque somos homens.

Considera a necessidade imprescindível do sofrimento, pelo mero fato de seres homem. Para que outro fim vieste ao mundo, senão para sofrer? O homem nasce para o trabalho, como a ave para voar3. Todas as outras coisas te são acessórias; só o sofrimento te é como essencial e inevitável. Apenas nasceste à luz do dia, começaram logo a chover sobre ti males sem conta, à maneira de flor que nasce, como diz Jó, e é pisada4; e estes males hão de te ir seguindo e molestando enquanto a vida te durar.

O mesmo Santo Jó, que nesta ciência do sofrimento, assim teórica como prática, ocupa um lugar muito avantajado, pinta-nos o homem cheio de contínuas misérias, sem que aquelas de que se vê livre por um lado, impeçam que entrem muitas mais por outro: Vivendo pouco tempo, está cheio de muitas misérias5. E a palavra que exprime esta ideia (Repletur), merece bem ser considerada; porque não diz que se enche uma só vez à maneira de cisterna, senão que se está enchendo sempre como poço inesgotável, que quanto mais água dele se tira, tanto mais recebe da sua fonte perene.

Tu bem queres lisonjear-te com a esperança de que chegarás por fim a secar essa fonte de misérias, fugindo aos trabalhos; mas não cais na conta de que fugir a um trabalho leve é cair noutro mais pesado. É como quem foge da vista do leão, o qual ainda que terrível a quem lhe faz frente, é manso com aquele que se humilha, para se ir meter nas garras do urso, o qual se enfurecerá logo em te avistando, e fartará em ti a sua raiva, por mais que te lances rendido em terra diante dele6.

E como pode ser de outro modo, se temos continuamente a guerra de portas a dentro? Desapareçam muito embora as doenças, não nos incomodem as inclemências do Céu, deixem as criaturas de nos perseguir, sempre há de ser inevitável dentro de nós, em guerra acesa, a sedição e o tumulto das nossas paixões desordenadas7. Uma tal criatura, rodeada e cheia de tantas misérias, amassada, para assim dizer, com suas próprias lágrimas, não há de envergonhar-se de romper em ira contra os trabalhos e sacudir o pesado jugo que a natureza nos impôs a todos os filhos de Adão?8

Se és filho de Adão, não tens direito de recusar pena alguma; porque todas são devidas aos filhos de um pai rebelde. Deves confundir-te, por teres andado até agora com as tuas impaciências tão afastado do caminho direito, e confessar a tua incrível necedade em antes quereres ser arrastado do que levado por uma senda que todos forçosamente têm que andar9.

Pede perdão humildemente ao Senhor e suplica-lhe que te dê força de ânimo, para levar as tribulações; e que, depois de um curto inverno de trabalhos momentâneos, amanheça para ti a eterna primavera de consolações imortais: Passou o inverno, cessou e acabou-se o tempo das chuvas; as flores apareceram na nossa terra10.

2 – Devemos sofrer, porque somos desterrados.

Outro motivo que nos obriga a sofrer, é o desterro em que vivemos. Não chamaste tu mesmo muitas vezes um vale de lágrimas a esta miserável terra? Pois como te há de parecer coisa estranha ter de chorar, enquanto nela estás? Com lágrimas anunciaste a tua vinda a este mundo; lágrimas há de ser a tua principal ocupação. Tempus flendi: “Tempo de chorar”11.

Quanto menos chorares, mais deplorável te há de ser esta vida. Para que a terra não estivesse semeada de espinhos, deveria o nosso primeiro pai Adão ter permanecido fiel a Deus, atendendo assim ao seu próprio bem como ao nosso. Então, nesse estado de inocência voaríamos num instante do Paraíso terreal ao Paraíso da glória; agora, já não é possível. Porque te enfadas, pois, tanto com os trabalhos? Porque te afliges tanto? Sai do mar, se não queres sentir o amargor das suas águas; sai desta vida, se não queres padecer.

Já que um tal remédio não está na tua mão, faze da necessidade virtude; e em vez de te lamentares, dá graças ao Senhor por ter coberto o teu desterro de tantos males que te vejas forçado a suspirar de contínuo pela tua verdadeira pátria. Se assim não fosse, se o teu coração achasse neste mundo a plena satisfação dos seus desejos, como planta que não se pode mover da terra onde tem todo o seu bem, nunca se elevaria a Deus nas asas dos seus afetos. Feliz de ti, se destas máximas fizeres a regra da tua vida! Serás verdadeiramente sábio aos olhos de Deus12.

Confunde-te, pois, por teres andado tão longe desta doutrina, que mais parece haveres posto na terra o centro da tua felicidade, e chamado ao triste lugar da tua prisão o real palácio da tua vida. Pede perdão a Nosso Senhor; e roga-lhe humildemente te dê graça abundante, para saberes viver entre os falsos bens e os verdadeiros males do mundo, de tal maneira que chegues por fim ao eterno descanso do Céu: Passamos pelo fogo e pela água; mas enfim, levaste-nos a um lugar de refrigério13.

3 – Devemos sofrer, porque somos cristãos.

Considera quanto cresce esta necessidade de sofrer, à vista da profissão que fazemos de cristãos. Ainda supondo que todos os homens, menos tu, vivessem em perpétuas delícias, esse estado de vida deveria ser tido em horror, por todo cristão que quisesse ser o que significa um tal nome, consagrado com o Sangue de inumeráveis Mártires e com o que derramou na Cruz o Nosso Divino Redentor.

Este santíssimo nome obriga-te seriamente, senão a ir em busca dos padecimentos, pelo menos a receber com submissão todos os que a Divina Providência te enviar, e além disso, a estares preparado para sofrer tudo o que pretender desviar-te da observância dos Mandamentos Divinos. Esta é a promessa a que te obrigaste no Batismo; esta é a condição que o Evangelho exige, para entrar na Escola do Salvador: Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo e tome a sua cruz cada dia14.

Ninguém te força, pois a todos se diz: Se alguém quer. Mas, para seguires a Cristo, Sumo e Único Bem, apresenta-se-te, como condição necessária, indispensável, que tomes a cruz e a ponhas de bom grado sobre os teus ombros. E não há de ser de quando em quando, nem somente no tempo da prosperidade e consolação, senão sempre em todas as circunstâncias, de luz ou de trevas, de secura ou devoção: “Tome a sua cruz cada dia”.

Assim pois, tu que tanto desejas achar a causa destes padecimentos, lembra-te que és cristão e logo darás com ela. Não vos admireis15, diz o Apóstolo, nem muito menos desanimeis com as contrariedades que experimentais. Se somos cristãos, havemos de ser provados e exercitados seguindo as pisadas do Nosso Divino Redentor; e se o Batismo nos faz cristãos de nome, o padecer faz-nos cristãos de obras e na realidade: In hoc positi sumus.

Certamente, se tivéssemos bem fundo no coração o espírito de Jesus Cristo, parecer-nos-ia até coisa monstruosa fugir da cruz. Não sabemos que a primeira lição dada ao homem por Nosso Divino Mestre, foi, que “são bem-aventurados os que sofrem, bem-aventurados os que choram?” E, pelo contrário, que “são infelizes, desventurados, os que tem na terra a sua consolação?” E não é fazer guerra à doutrina de Cristo com as obras, quando um cristão foge da cruz a cada hora?

Envergonha-te, pois, de também teres sido do número dos inimigos que perseguem a Cruz do Redentor, do número desses homens que o Santo Apóstolo tanto deplora e tão afastados andam do caminho da salvação: Inimigos da Cruz de Cristo que vão a dar na perdição16. Faze propósito de receber de hoje em diante a tribulação com bom rosto, exclamando com Santo Inácio Mártir ao vê-la chegar: Agora que começo a sofrer, começo a ser discípulo de Cristo17. Pede, finalmente, ao Senhor, que se compadeça das tuas misérias passadas e te dê força, com a Sua Divina Graça, para que todos estes motivos de sofrimento te sejam outros tantos estímulos, que te façam abraçar a cruz mais de coração e perseverar nela até a morte.


Oração a Jesus atribulado no Horto,

para alcançar a Paciência


Amorosíssimo Redentor, Caminho, Verdade e Vida desta Vossa pobre criatura. Vede, Senhor, como de contínuo estou a dar provas de que sou filho de Adão; pois, sendo desterrado e peregrino, só penso em levantar um palácio de delícias neste vale de lágrimas. Aqui desejo ter em sossego, todos os meus dias; aqui procuro achar remédio a todos os meus males; e não me envergonho de mim mesmo quando, esquecido de que sou discípulo de um Deus crucificado, deixo para Vós todos os trabalhos e quero para mim todos os prazeres.

Ah Senhor! Que pouco me pareço Convosco que, não contente com o Sangue, que dentro em pouco Vos haviam de tirar das Vossas Sacratíssimas veias os algozes, quisestes no Horto fazer do Vosso amor um desapiedado verdugo, que Vos dilacerasse o coração e se antecipasse a derramar esse mesmo Sangue em tanta abundância, que chegasse a ficar banhada a terra! Parece que andamos à porfia, Senhor, Vós em me dar exemplos cada vez maiores de paciência, e eu em fugir cada vez mais de Vos imitar.

Ó glória do Paraíso! Ó riqueza do Céu e da terra, meu Salvador e meu Deus! Até quando há de durar esta oposição entre a Vossa vida e a minha! Oh! Acabe já por uma vez e seja este o último dia! Trocai a delicadeza deste meu coração num grande desejo de sofrer por Vosso amor; livrai-me deste amor desordenado que tenho a mim mesmo, para amar mais puramente a Vós só. Basta o tempo que tenho malbaratado com o prazer dos meus sentidos; fazei que de hoje por diante, me aproveite daquele Sangue Divino, tão prodigamente derramado, para dar novos alentos à minha força; e, juntamente, com isso, fazei também, que todos os Santos Vos deem, por Ele, glória eterna no Céu.

Grandes são, na verdade, as coisas que Vos peço; mas peço-as àquele Senhor que por mim fez coisas infinitamente maiores; e assim espero que não me será negado o que para mim ganhastes com tantos trabalhos. A minha vontade, Senhor, é entregar-me todo em Vossas Divinas Mãos; e quero agora, mais que nunca, ter por felicidade grande estes sofrimentos, que me abrem o caminho para Vos imitar, e me ensinam a amar-Vos sobre todas as coisas, hoje e sempre. Amém.


2ª Meditação




Segunda-feira



A Utilidade do Sofrimento

serve de Alívio na Tribulação.


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I – O Sofrimento purifica a alma.

A tribulação é nas mãos de Deus o instrumento mais poderoso para lavrar as almas escolhidas, conseguindo facilmente por meio dela aquilo a que, por fim, se reduz todo o nosso aproveitamento; isto é, purifica-nos, ilumina-nos e aperfeiçoa-nos.

Em primeiro lugar, limpa-nos não só dos pecados, como depois veremos, senão também de toda a sorte de imperfeições. Que seria do ouro, se não fosse o crisol? Quão pouco se diferenciaria da terra! Que seria das almas virtuosas a quem a tribulação não visitasse? Ficariam sempre cheias de imperfeições e não passariam nunca de uma virtude vulgar.

Como morreria nelas o amor-próprio que tanta guerra lhes faz sempre, que infecciona com o seu veneno até as obras mais santas, que tão sutil se mostra para buscar o seu próprio interesse, ainda naquelas ações em que às vezes parece buscar-se unicamente a glória de Deus?

As consolações espirituais apartam-nos, é verdade, da terra; mas nunca nos apartam totalmente de nós mesmos; antes são a causa de procurarmos com mais avidez a nossa própria satisfação, crendo que assim o podemos fazer sem o menor mal e sem remorso nenhum. O sofrimento, pois, é muitas vezes o remédio mais eficaz, e ainda o único, para nos curar de tão grande enfermidade. Se ele não fosse, as nossas paixões na vida espiritual não mudariam de natureza, senão de objeto; e, em vez de morrerem, desprender-se-iam do que tinham de mais tosco e baixo, para conservarem o que tinham de mais elevado, ou melhor, de mais diabólico.

Ó santas tribulações, remédio de todas as nossas desordens! Oh! Se os homens vos conhecessem! Certamente, em lugar de fugirem de vós, como se fosseis inimigas, vos abririam os braços e vos estreitariam ao coração.

Acontece às vezes que uma alma está toda cheia de si, estima-se como uma coisa grande e ainda diz no seu coração como aquele soberbo da parábola evangélica: “Não sou como os demais homens”. Mas, nisto sobrevem-lhe uma grande adversidade; assalta-a uma doença grave, apodera-se dela uma desolação. Logo se humilha e abate; e, como a péla inchada que, perdendo o ar, se contrai e aperta, assim o coração cheio de si mesmo cede ao peso da tribulação e finalmente se rende, podendo dizer com Davi: Muito bem, Senhor, que me humilhaste.18

Considera, pois, os altíssimos desígnios de Nosso Senhor em te afligir com trabalhos e espanta-te da tua cegueira em fugires tanto deles, como até agora tens feito. Pede-lhe humildemente perdão, e que daqui em diante te dê força para O servires na tribulação, a qual é sem dúvida o tempo das suas misericórdias mais assinaladas: A misericórdia de Deus mostra-se, sobretudo, na tribulação.19

II – O sofrimento ilumina-nos.

Considera que o Senhor, por meio do sofrimento, além de purificar a nossa alma das imperfeições, é também a sua luz na prática da virtude: Caminharão iluminados com a luz das tuas setas.20 As setas com que Deus fere a tua alma são setas luminosas, que ao mesmo tempo descobrem o caminho e dão alento para andar: Quem não é ferido destas setas, o que é que sabe?21 Não se conhece a si nem conhece a Deus, isto é, ignora os dois objetos a cujo conhecimento se dirige toda a ciência do espírito: Conheça-vos a vós, conheça-Me a Mim.22

Não se conhece a si; porque quem não é provado com o fogo da adversidade, de certo não vê o que tem em seu coração; ante, no meio da abundância e felicidade, forma de si uma ideia muito diferente do que é na realidade. Eu disse no tempo da prosperidade: Não experimentarei mudança em tempo nenhum.23 Se tivéssemos sempre lua cheia, e não somente de quando em quando, quem não diria ser própria deste astro a luz que o ilumina? Mas, porque umas vezes a vemos faltar-lhe a luz e outras nos aparece toda radiante, ainda os mais rudes do povo conhecem facilmente, que não vem dela aquele resplendor, senão do sol.

Ai das almas, se sempre estivessem em prosperidade, sobretudo, no tocante ao espírito! Dificilmente deixariam de atribuir a seus próprios merecimentos a posse daquela paz e ventura. Por isso, convém que Deus Nosso Senhor, para as fazerem entrar no conhecimento das suas misérias e do seu nada, empunhe de vez em quando a vara do rigor; convém que se lhes mostre irado, que lhes tire a luz, que os prive daquele vigor de que antes o Seu divino rosto as enchia: Eu sou o homem que vejo a minha miséria na vara da indignação de Deus.24

Não conhece a Deus. Enquanto a alma, guiada pela mão do Senhor, não entrar pelo caminho real da Cruz que todas as almas grandes percorreram, enquanto não se sentir falta de toda a consolação humana, deixada, perseguida, desprezada: só sabe de Deus o que a fé lhe ensina. Conhecia-Vos, Senhor, como de ouvido,25 dizia o Santo Jó antes da tribulação e no meio da prosperidade. Mas, tanto que se viu despojado de todos os bens, feito todo uma chaga, desamparado dos amigos, cheio de amargura, debaixo de um Céu de bronze, e reduzido a não ter na terra senão aquele monte de podridão e uma telha com que a limpar do próprio corpo; então, é que a sua mente de tal maneira se esclareceu, que pode dizer: Agora, Senhor, te veem os meus olhos.26

Onde estão, pois, aquelas almas tímidas que, mal veem assomar uma doença ou tribulação, logo se queixam que não podem praticar o bem? Como é possível que a tribulação assim as embarace, se nela precisamente está o meio mais eficaz para a virtude? Deus Nosso Senhor vale-se das trevas, para alumiar a nossa cegueira. Com lôdo abriu os olhos do cego de nascença; fazendo-nos sentir as nossas misérias, reduzindo-nos ao estado de pobreza, privando-nos de toda a luz e dando-nos outras provas, abre-nos também os olhos do espírito e dispõe-nos para que O conheçamos a Ele e nos conheçamos a nós.

Como as almas do Purgatório, que não chegam a ver a Deus senão depois de terem passado pelas chamas purificadoras, deixando nelas tudo o que tinham de terreno e mundano; assim nós neste mundo não estaremos nunca em disposição de ver a Deus, com aquela luz que a seus amigos comunica, enquanto não tivermos passado pelo fogo da tribulação. Tu, por conseguinte, que tantas vezes pediste luz a Nosso Senhor, para O conheceres a Ele e para te conheceres a ti, como não cais na conta de que com esta oração pedias te admitisse a ser participante da Sua Cruz? A noite mais escura daquelas desolações, que tanto te afligem o coração, é a disposição mais próxima para que o Sol divino amanheça em ti.

Ganha, pois, bom ânimo; confunde-te da tua passada covardia; pede perdão ao Senhor e suplica-lhe que, se é necessário o fel das amarguras, para te abrirem os olhos da alma, como a Tobias os do corpo, não demore um instante em o aplicar-te, por mais que doa à natureza rebelde; mas que ao mesmo tempo te conceda a graça de saberes tirar da tribulação o fruto que Ele deseja.

III – O sofrimento aperfeiçoa-nos.

Considera finalmente que a tribulação, depois de purificar e esclarecer a alma, leva-a também à perfeição, exatamente como o fogo, o qual, depois de tirar ao ouro toda a escória da terra, depois de lhe dar aquele brilho, aquilata-o a tão subido grau, que já não há chamas que o façam minguar em nada. Por isso mesmo que eras agradável aos divinos olhos, foi necessário que a tentação te provasse, disse a Tobias o Arcanjo São Rafael.27 Como se lhe quisesse dar a entender que as obras de caridade e religião: dar esmolas, enterrar os mortos e render verdadeiro culto ao Senhor; ainda que bastavam por si para o purificar e esclarecer, contudo, sem o sofrimento não o poderiam fazer perfeito: A paciência é a que aperfeiçoa as nossas obras,28 a que dá a última demão à santidade, a qual entre as consolações apenas estava esboçada.

E a razão é clara. Porque, havendo dois gêneros de virtudes, umas que consistem mais nas obras, outras que consistem mais nos sofrimentos, estas últimas são as de maior estima e valia, por servirem à própria custa a caridade, que é a rainha de todas. Nas obras, pode tomar parte a natureza, e não pouco; no sofrimento, em vez dela achar o seu próprio cômodo, acha o seu desprezo e a morte.

Quando a alma e o corpo desfrutam de completa felicidade, quem pode saber se vivem para Jesus ou se se buscam a si mesmos nessa felicidade que o Céu lhes dá? Mas, quando o seu peso te oprime o corpo e aperta o coração, sem contudo perderes a resignação e a paz; então, bem podes crer que a graça é a que te fortifica e, se te deixas guiar, será também a que te conduzirá ao puro amor de Deus. Porque, próprio é do amor deste Senhor nascer entre as consolações espirituais; mas para chegar a ser forte, tem que passar pelo cadinho do sofrimento.

Tira daqui quão injustamente te queixas quando, suspendendo Nosso Senhor a luz da sua graça e os ternos sentimentos de devoção, te deixa em estado de puro sofrimento. Então, parece-te impossível praticar a virtude; mas ser-te-á também impossível o padecer? Pois esse é precisamente o fruto que de ti espera Deus Nosso Senhor; e às tuas queixas bem pode responder com aquelas suas divinas palavras: Não sabes o que pedes. Podes beber o cálice da Minha Paixão?29

Oh! Ditoso de ti, se souberes corresponder à graça, sofrendo e calando, à maneira de paciente cordeirinho que se oferece como vítima ao Senhor! Este sofrer silencioso e com tanta resignação na vontade divina será de maior merecimento do que todas as mais obras, quaisquer que sejam. Esta estrada coberta de espinhos levar-te-á bem depressa a um grau de perfeição a que dificilmente chegarias por outro caminho mais plano e agradável: Meus filhos delicados pisaram ásperos caminhos.30


Oração a Nosso Senhor açoitado à Coluna

para alcançar a Paciência


Amabilíssimo Redentor: que lei é esta que o mundo usa agora contra Vós, declarando-Vos como inocente e açoitando-Vos como culpado? Ah! Senhor! É a lei do vosso amor, que não conhece outra senão a que conduz ao meu aproveitamento. Eu sou aquele a quem são devidas essas Chagas, eu fui o que mereci essa crueldade desapiedada; e contudo, apesar de ser o culpado, vejo-me tão poupado e sem trabalhos, quando sobre o vosso Corpo Santíssimo caem os golpes como tempestade desfeita. E o pior é que, se para meu bem lançais às vezes mão do açoite, se para iluminar a minha alma a feris com as setas da vossa luz, se me quereis aperfeiçoar algum tanto naquele mesmo bem que Vos dignastes por em mim e que eu misturo de tanto mal; logo rompo em queixas e lamentos, caio desalentado em terra e me dou por perdido de todo, sem advertir que é o amor-próprio a buscar-se sempre a si, sob pretexto de maior bem, e a fugir sempre da cruz para me levar miseravelmente a seus enganos.

Mas a tudo isto, que posso eu responder senão confessar diante de Vós a minha miséria e implorar remédio para ela? Em tudo me pareço comigo, em tudo me porto como sou, como criatura miserável, cheia de trevas e fraqueza. A Vós, ó fortaleza da minha alma, a Vós toca mostrar-Vos como Sois, isto é, como Senhor onipotente que com um só sinal podeis mudar este pobre coração num coração semelhante ao Vosso. Uma gotinha daquele Sangue divino, que se derramou a torrentes e é pisado por aqueles mesmos por quem foi derramado, pode dar-me essa constância invencível que tanto desejo.

Para a alcançar, entrego-me todo a Vós; atai-me, Senhor, muito apertadamente à Vossa coluna; açoitai-me, atribulai-me como vos aprouver. Não olheis para a minha rebeldia; ponde os olhos unicamente no meu verdadeiro bem e na Vossa divina glória, a qual sobressairá triunfando da minha fraqueza. Bem vejo, que nem sei pedir como convém; mas falem por mim essas Chagas que Vos cobrem dos pés à cabeça. Obtenham-me elas da Vossa bondade infinita a graça que vos supliquei e da qual me terei sempre por indigno, enquanto não me livrarem desta minha indignidade os seus merecimentos e eficácia infinita.


Terceira Meditação




Terça-feira



O Sofrimento,

como Remédio do Pecado,

é de Alívio na Tribulação.


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I – Cura os pecados presentes.

Considera que os trabalhos são o remédio do pecado; porque tornam a pôr em ordem, com a beleza da justiça, o que a deformidade da culpa tinha desordenado no mundo. Ora, para um remédio ser bom, deve conter em si eficácia para nos curar o mal presente, reparar os males passados e preservar-nos dos males futuros: tudo isto encontramos muito avantajadamente no sofrimento.

Em primeiro lugar, sara-nos do mal presente. Porque, que pensas tu que é o teu coração? É uma esponja embebida em veneno mortífero, composto das culpas atuais que cada dia cometes, dos maus hábitos que com elas contraíste e, sobretudo, do teu amor-próprio tão apegado às coisas da terra, tão ávido de prazeres, tão insaciável, enfim, tão maligno, que se insinua nas obras mais santas e se põe a si mesmo como fim de todas as tuas ações; de maneira que os orvalhos mais preciosos do Céu somente lhe servem para o fazerem mais prejudicial e nocivo: Banhado para seu mal com o orvalho do Céu.31

E sendo assim, bastará que Nosso Senhor toque somente ao de leve a um coração tão depravado, para dele sair todo o veneno da sua malícia? Certamente que não! É necessário que o aperte com o peso da tribulação, por muito tempo e com mão firme: só deste modo poderá deitar até a última gota a peçonha que o mata. Todas estas iniquidades que tinham endurecido, como endurece o gelo no rigor do inverno, e que com o andar do tempo facilmente se tornariam duras como rocha, desfazem-se logo ao primeiro sopro da tribulação, sem que no teu coração fique sinal delas.32

E, ainda, continuarás a queixar-te das tuas aflições, sem refletir que te queixas do teu próprio bem e que, em vez de te levantares contra o pecado, que é o teu verdadeiro mal, te levantas contra o seu remédio? Dirás que a tribulação não te ajuda na virtude, antes te fazes pior com ela. Mas, infeliz de ti se assim fosse. Pois seria este um sinal de perdição que te faria semelhante àquele réprobo Acaz, o qual com o infortúnio aumentou, ainda mais, a sua impiedade contra o Senhor.33

Humilha-te pois com todo o teu coração, por teres tantas vezes resistido às inspirações daquele Senhor que, ferindo sara e castigando cura os verdadeiros males da alma: Ele mesmo é o que faz a chaga e a sara, fere e cura com suas mãos.34 Confessa que em tuas obras te tens mostrado até agora como um frenético; e por isso deves suplicar ao teu divino Médico, que de hoje em diante, não faça caso das tuas loucuras, antes tendo só em conta o bem da tua alma, use de todo o rigor necessário para a cura das tuas chagas cancerosas, e deste modo possas com o santo Job consolar-te no meio daquelas aflições que tanto medo te causavam: Sirva-me de consolação o não dissimular o Senhor os meus pecados, e que me os castigue, afligindo-me com dores.35

II – Repara os danos dos pecados passados.

O sofrimento, além de nos livrar do mal presente do pecado, repara também os males que o mesmo pecado deixou na alma. Todo o pecado, trás consigo duas coisas: a obrigação de nos convertermos a Deus com arrependimento, e a obrigação de satisfazer à divina justiça pela injúria que Lhe fizemos. Que imaginas tu que fazes quando pecas? Contrais uma dívida que, forçosamente hás de pagar, ou nesta vida ou na outra, ou padecendo por necessidade ou padecendo livremente, quer por tua escolha, quer, pelo menos, com resignação ao que Deus te envia.

Por isso, o santo Job se mostrava tão cauteloso em todas as suas ações, ainda que em si tão boas; pois via que irremediavelmente havia de receber o castigo de qualquer culpa que fizesse: Temia-me de todas as minhas ações, sabendo que não deixais impune pecado nenhum.36 Como, pois, não queres passar pelo castigo, sendo culpado como és? Bem se vê que, não conheces quão grave é teres ofendido a Deus, ainda que não fosse senão uma vez.

Só uma curiosidade em olhar para a Arca do Senhor, não custou a vida no mesmo instante a mais de 50 mil Betsamitas? E tu, sobre quem pesam tantos pecados, queixas-te de que alguma vez o Senhor te mostre menos propício o seu divino rosto? Te sentes carregado de dívidas, e não queres pagar? Fizeste sofrer por tanto tempo ao mesmo Deus, e não queres que Deus te faça sofrer nada a ti? Saboreaste o doce do pecado, e não lhe queres provar o amargor? Vê quão má e quão amarga coisa, é teres deixado ao Senhor teu Deus.37

Para não comeres os frutos da desobediência, não devias ter antes desobedecido a Deus: Não pratiques o mal e o mal não virá sobre ti;38 mas querer ser culpado e não querer estar sujeito a castigo nenhum é a maior das monstruosidades. E se Deus não deixa impunes nem as imperfeições e os descuidos dos Santos, se quer que este cálix de penalidades e trabalhos seja bebido até pelos inocentes, como há de permitir que nem seja provado por ti? Se ainda aqueles que não estavam sentenciados a beber o cálix da ira do Senhor, terão de o beber sem falta; tu hás de ficar excetuado como inocente?39 Isto nem sonhando: Não serás tratado como inocente; bebê-lo-ás sem remédio.40

Reconhece por consequência a grande misericórdia da divina justiça contigo, tomando tão ligeira vingança das tuas iniquidades, pelas quais te poderia com toda a razão condenar a uma pena eterna; e confessa com o santo rei Davi esta mesma misericórdia, dizendo: Senhor, Vós mostras-te-Vos propício com eles, ainda quando Vos vingáveis das injúrias que eles Vos faziam.41

É uma grande piedade que o Senhor te castigue aqui, onde a pena é tão leve e ao mesmo tempo vai acompanhada de tanto merecimento; não te devias queixar, senão, pelo contrário, dar muitas graças a Deus. Pede-lhe que se compadeça da tua ignorância; e quando daqui em diante ouvires ao teu perverso amor-próprio sair em desatinos contra a Cruz, tapa-lhe a boca imediatamente, com aquelas belíssimas palavras do bom ladrão: Nós justamente sofremos este suplício, porque pagamos o que merecem os nossos crimes.42

E, certamente, somos tratados por Deus, não segundo os nossos merecimentos, senão com infinita misericórdia e piedade; somos castigados com pena infinitamente menor do que a que nos é devida; de sorte que cada um de nós pode muito bem dizer de si: Pequei e verdadeiramente delinqui, e não fui castigado segundo merecia.43

III – Preserva das culpas futuras.

O sofrimento não só estende a sua eficácia ao mal presente e ao mal passado, mas ainda ao que pode vir; que é quanto se pode desejar de um remédio. Para te convenceres desta verdade, observa que o pecado ou nasce do prazer ou do temor; porque sempre pecamos ou para adquirir algum bem ou para fugir de algum mal.

Suposto isto, a tribulação livra-nos, por uma parte, da matéria mais ordinária dos nossos erros, tirando o pasto à nossa sensualidade; e, por outra, dá à nossa alma uma força acima do ordinário, para resistir a qualquer encontro, avigorando o coração com os trabalhos. Daqui se vê, que o sofrimento é o maior e talvez o único remédio para curar a nossa alma, como diz o profeta Isaías: Só a aflição fará entender as coisas que se ouviram.44

Portanto, sem o fogo da tribulação não esperemos que se limpe totalmente a ferrugem dos nossos afetos; sem estas borrascas não chegará nunca a purificar-se e a sossegar o mar do nosso coração; sem estas angústias não se libertará dos maus hábitos inveterados. Porque foges, pois, com tanta obstinação, de um remédio que sara a alma de todo o pecado? A medicina (da vigilância) atalha os pecados mais graves.45

E com razão; porque o sofrimento, além de pôr fim aos pecados presentes, dispondo-nos para os aborrecermos, além de apagar os pecados passados satisfazendo a dívida contraída, livra-nos de outros que podíamos cometer tapando com seus espinhos o caminho, que facilmente nos desviaria do bem começado.

Se isto é verdade, porque não fazes tu ao Senhor uma súplica, semelhante à que Lhe fez Jeremias: Visitai-Me, Senhor, como divino médico; e, ainda que seja amarga e desagradável a meus sentidos a medicina que me receitais, eu a tomarei de boa vontade, porque esse amargor é saudável. Não queirais exercitar comigo a vossa paciência, suportando os meus crimes sem castigo; mas fazei que a exercite eu, sofrendo de bom grado todas as adversidades que Vos me mandardes.46

Tais devem ser os sentimentos de um pecador que reconhece o mal que fez; e se a tua delicadeza não te deixa desejar os padecimentos, sirva ao menos para confundir a tua covardia, e para te animar a pedir ao Senhor uma tal fortaleza de coração que, depois de ouvires tantos bens da Cruz, não te horrorizes nem assustes quando a receberes da sua divina mão.


Oração a Jesus Coroado de Espinhos,

para alcançar a Paciência


Eu Vos adoro, ó meu Jesus, a Quem as próprias estrelas são indignas de coroar, e que, não obstante, estou vendo coroado de espinhos por minha causa! Adoro-Vos, formosíssimos olhos, alegria do Paraíso, vendados e cobertos de lágrimas por meu amor! Adoro-Vos, rosto diviníssimo, que os Anjos não se cansam de contemplar e que eu agora vejo tão denegrido, lívido e baixamente cuspido! Ó espelho sem mancha, feito por amor de mim, espelho de opróbrios e dores! Como é possível que, fixando atentamente a vista em Vós, não reconheça a minha cegueira; pois, carregado de pecados, recuso beber uma gotinha sequer desse cálix amargo que Vós, ó bem único da minha alma, quereis tomar até ao fim?

Não sou eu o que tantos pecados tenho cometido, e pecados tão feios e de tanta malícia? Pois, como não quero agora pagar alguma parte daquela dívida imensa, que contraí pecando? Ainda mais. Posso tornar facilmente a cometer os mesmos pecados; e serei tão louco e cego, que continue a olhar com horror para as tribulações? Não são as tribulações que, à maneira de espinhos, nos vedam o caminho que leva ao precipício? Ah! Senhor! Sou como um frenético que não conhece o mal que tem, nem o remédio que o cura. E assim, quanto mais virdes que me enfureço, mais Vos peço que tenhais compaixão de mim; e quanto mais virdes que fujo de aceitar o remédio, mais Vós me obrigais na vossa bondade a tomá-lo.

Aquele amor infinito que Vos levou a padecer tanto por mim, mova-Vos também agora a ter paciência com a minha ingratidão e miséria. Vós bem sabeis que posso muito facilmente cair, não porém levantar-me; que sou muito capaz de me impacientar, mas não tenho força para sofrer. Senhor, refúgio e verdadeira fortaleza minha, ajudai-me a levantar, amparai-me, fazei que comece de uma vez a ser imitador Vosso. Debaixo de uma cabeça coroada de espinhos, não está bem que haja membros tão delicados como eu.

Desejo mudar totalmente de vida; desejo ser o que não sou agora; de hoje em diante, desejo ter tanto amor ao sofrimento como antes era a repugnância e aversão que lhe tinha. Vós cuja bondade me dá este desejo, dai-me também a graça de o cumprir com fidelidade; a fim de que, depois de ter sido semelhante a Vós na terra com os trabalhos, chegue a ser no Céu semelhante a Vós na glória e felicidade eterna. Amém.


Quarta Meditação




Quarta-feira



A Lembrança do Inferno

é de alívio na Tribulação


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I. Sofre, porque mereceste o Inferno.

Considera a grande cegueira de uma alma que, depois de ter merecido o Inferno, ainda que fosse uma só vez, se atreve não obstante a queixar-se nas tribulações. Esta alma quase se pode afirmar que és tu que, não uma vez só, senão muitas e talvez inumeráveis, mereceste a condenação eterna; e agora esquecido de tudo, pareces receber uma injúria quando tens alguma coisa que sofrer, e te dás por ofendido sempre que se te oferece alguma cruz, por pequena que seja.

Deves, pois, lembrar-te da sentença que o Senhor pronunciou no Céu contra ti, logo que pecaste, a qual foi unanimemente aprovada por todos os habitantes do Paraíso. Esta sentença foi, que em castigo de teres iniquamente faltado à obediência, devida aos Mandamentos divinos, fosse como escravo fugitivo, acorrentado com cadeias inquebrantáveis e aferrolhado em prisão de fogo, onde com eternos tormentos e eterna desesperação desses a Deus por força a glória que, pecado, lhe tinhas roubado: Lançai-o atado de pés e mãos às trevas exteriores, onde haverá pranto e ranger de dentes.47

Pois, imagina tu agora que Deus, em cumprimento desta ordem, te houvesse entregue nas mãos dos Demônios, para que te arremessassem àquelas chamas eternas; e que, quando já estavas à boca daquele abismo de fogo, quando já começavam a queimar-te as primeiras labaredas daquele incêndio, quando a teus ouvidos chegavam os rugidos desesperados daqueles infelizes, ao sentires pela primeira vez o cheiro insuportável daquela sentina infernal, te fizessem em nome de Deus a seguinte pergunta: – Que darias tu, para tornar atrás e sair desta voragem e lugar de tormentos?

Imagina tudo isso com viveza e considera a sério, se em tal aperto te pareceria duro outro qualquer partido, que então te propusessem. Não só te pareceria coisa de nada, e como um sonho, o ser retalhado em pedaços, membro por membro, como um São Clemente de Ancira; o estar trinta e oito anos cravado numa cama, vítima de toda a sorte de enfermidades, como uma Santa Ludovina; mas ainda terias em muito pouco o penar no mesmo fogo do Inferno tantos milhões de anos como de areias tem o mar, se por fim, viesses a ser aniquilado. Este partido e esta troca seriam para ti um tão grande favor, que era para te mostrares eternamente agradecido a teu Juiz, por ter sido contigo sumamente benigno.

E contudo, não é muito maior graça e mercê muito mais assinalada, não te ter deixado experimentar nem por poucos instantes, aquelas infinitas misérias, do que, depois de nelas teres caído, arrancar-te de tais horrores? E se tu, depois de teres provado um só trago daquele cálix tão amargo da ira de Deus, terias como benefício inefável a graça de poderes trocá-lo por outra calamidade, qualquer que ela fosse, contanto que tivesse fim; como é que te dás por agravado agora, quando Deus te substitui esses males eternos por outros, que em comparação deles se podem chamar pinturas?

Te dóis das angústias interiores do coração, te dóis do enfado que te causam os inimigos, te dóis das perdas que experimentas, da pobreza, das doenças; e não comparas males com males, número com número, peso com peso, medida com medida!

Coteja o que presentemente sentes com o que devias sentir; e, se à vista destes dois extremos – do que mereces e do que sofres –, tens ainda ânimo para te queixares, quase me atreverei a dizer que são justas as tuas queixas.

Mas estou seguro que à viva luz daquelas chamas, por tantos títulos a ti devidas, não poderás deixar de confessar que não és tratado como mereces: Não nos tratou segundo mereciam os nossos pecados, nem deu às nossas iniquidades o castigo que mereciam.48 Entra pois dentro de ti, e envergonhando-te e condenando como injustíssimas todas as tuas passadas queixas, roga a Deus Nosso Senhor que continue a usar contigo daquela misericórdia infinita com que até agora te tem tratado como Pai amorosíssimo e não como justo Juiz: Grande é a vossa misericórdia comigo; tirastes a minha alma do fundo do Inferno.49

II. Sofre, porque foste preservado do Inferno.

Considera que este grandioso benefício de teres sido preservado do Inferno até agora, obriga-te não só a aceitar com resignação as tribulações, mas também a sair-lhes ao encontro e a desejá-las com ardor, para deste modo satisfazeres à divina Justiça. Se nesta preservação a misericórdia de Deus foi glorificada em te perdoar, a sua justiça não foi satisfeita, ao menos por ti e à tua custa.

Pois bem, o amor que deves a este divino atributo, obriga-te também a tomar a peito os seus interesses e a fazer com que se lhe dê a honra que os teus pecados lhe roubaram. Certamente, se alguma vez entendeste quanta é a formosura da divina justiça, de nenhuma outra coisa te lamentarias tanto como de que as tuas penas e trabalhos não possam glorificar, quanto desejavas, a este Senhor ofendido. E pela mesma razão, os padecimentos porque passas não os terias como tais, se pensasses no gosto que Deus sente em ver restabelecida a ordem com o teu castigo.

Este é o exemplo que nos deixou o nosso divino Redentor, o qual, tendo tomado à sua conta satisfazer à justiça do seu Eterno Pai, depois de passar todos os dias da sua vida em um contínuo desejo da Cruz e numa sede ardentíssima de derramar nela todo o seu Sangue, comprazia-se, quando já pregado nesse madeiro de ignomínia, em ver o seu santíssimo Corpo desfeito em mil Chagas, trespassado de cravos e espinhos, submergido num mar de tormentos, só por assim dar glória a seu Pai, e glória infinitamente maior do que a dívida por nós contraída e por Ele pleníssimamente satisfeita.

Deixa-te animar também deste espírito de penitência; e já que não tens valor bastante para afligir, como devias, a tua sensualidade, entra pelo menos a tomar parte nos desígnios da divina justiça e não leves a mal que ela, por meio dos teus trabalhos, restaure as perdas da sua glória e, à custa do teu amor-próprio, compense de algum modo as tuas injúrias.

Não te dês por satisfeito com aceitar humildemente e como réu que és, os males presentes. Em obséquio daquele Senhor, que te trocou os eternos e horríveis tormentos do Inferno em ligeiríssima e momentânea tribulação neste mundo, reúne, como num feixe todas as misérias que hás de padecer até ao fim da vida, quais são: frio, calor, pobreza, cansaço, dores, enfermidades, desprezos, perseguições, tristezas, desolações e tudo o que te espera de mais penoso neste vale de lágrimas, e oferece-o em holocausto à divina Justiça, protestando que aceitas tudo de boa vontade, em satisfação dos teus pecados.

Mais em particular, oferece-lhe a tua morte, e o estado miserável a que será reduzido o teu corpo na sepultura, quando estiver convertido em podridão, comido de bichos, reduzido a um punhado de cinza e como que a nada. Alegra-te de que seja destruído e aniquilado esse mesmo corpo, que foi o estímulo, o instrumento e o culpado de tantas injustiças; e que, por se ter levantado contra o seu Senhor, seja humilhado com um abatimento tão espantoso até ao fim do mundo, para deste modo tributar a homenagem devida à Majestade infinita. Oh! De quanto alívio são para uma alma, ilustrada com a luz do Céu, estes sentimentos e verdades! E de quanto o serão para ti, se lhes abrires humildemente o coração!

Confunde-te, pois, agora da tua ignorância, faze propósito de não ouvires o que te pede a natureza corrompida; e como este é um grau de perfeição, a que não podes chegar com as tuas próprias forças, suplica ao Senhor que te dê a sua graça, para te abraçares com a Cruz tão apertadamente, que só a morte consiga separar-te dela.

III. Sofre, pra não tornares a merecer o Inferno.

Considera, que o teres sido até agora preservado do Inferno não te assegura que não o tornes a merecer e não venhas a cair nele. Cercam-te de todos os lados inimigos poderosíssimos que, de dia e de noite, por força ou por engano, te combatem e armam ciladas, para te arrastarem àquele lugar de tormentos. E o que é mais, trazes dentro de ti mesmo a sensualidade rebelde que, à maneira de traidor doméstico, se coliga com os inimigos de fora e a cada passo te quer precipitar naquele abismo sem remédio; de sorte que não podes mover um pé sem perigo de te perderes: Caminhas no meio de laços.50

Sendo isto assim, qual é a tua maior defesa entre tantos perigos? O sofrimento; quer seja aceitando de boa vontade o que a divina Providência te envia de trabalhoso, quer ajuntando tu, para mais te assegurares, outras penitências voluntárias, como sempre fizeram os Santos. A paciência deve ser perfeita nas obras.51 A paciência dá grande fortaleza à alma, para vencer todos os obstáculos; pelo contrário, quem não está acostumado a padecer facilmente cede, como espada temperada em banho de azeite, cujo fio a cada golpe se embota, ou como árvore medrada em terreno mole, que ao menor peso se fende.

Além disso, a tribulação confirma-te o direito que, já como cristão, já como justo, tens de possuir como herança o mesmo Deus. O Senhor, diz o Profeta, encheu-me o coração de amargura, inebriou-me de absinto.52 Mas que se seguiu depois? O Senhor é a minha herança, disse a minha alma.53 Ele possuirá o meu coração. Ditosas penas, se tais frutos produzis!

Pelo contrário, deplorável condição de prosperidade temporal, que tão facilmente vai acabar na miséria eterna! Recebeste bens durante a tua vida, disseram àquele desgraçado rico do Evangelho. Recebeste, e não roubaste. Porque, se bem os contentamentos e alegrias desta vida são também dons de Deus, e se recebem da sua mão como esmola, contudo, ainda que em si sejam inocentes, põem-nos em grande perigo de perder a paga, devida aos poucos serviços que ao Senhor fazemos, e que é a parte da herança que nos toca.

De maneira que, quanta é a segurança da salvação que nos dá o padecer com Lázaro, tanto é o perigo em que nos põe o ter gozado com o rico avarento: Recebeste bens durante a vida e Lázaro, pelo contrário, males; pois agora este é consolado e tu atormentado.54 Como é, pois, que buscas tão constantemente o que te faz mal, isto é, o que deleita; e foges com a mesma insistência do que te faz bem, isto é, do que custa? Ora pois, daqui em diante não troques os nomes às coisas para desgraça tua: Chamai mal ao bem e bem ao mal.55 Todo o nosso bem está na Cruz; pela Cruz conseguiremos achar a Cristo; para levar a Cruz foi-nos dada a vida. Que fazemos neste mundo miserável, se não padecemos!

Ou padecer ou morrer! Aut pati aut mori, repetia constantemente Santa Teresa.


Oração a Nosso Senhor

com a Cruz às costas,

para alcançar a Penitência.


Pacientíssimo Jesus, que coisa tão monstruosa não é a que em mim vedes! Que lamente os seus trabalhos quem mereceu o Inferno! Se o vosso amorosíssimo Coração não se houvesse posto entre a vossa divina justiça e as minhas maldades, não se tivesse pago por todas as minhas dívidas, onde estaria eu neste momento? Não seria a minha habitação um abismo de fogo, numa desesperação eterna, num apartamento eterno do Sumo Bem? E eu, esquecido de tudo isto, dou-me por ofendido quando me desprezam; parece-me coisa estranha que a vossa mão benigníssima não me regale, e que não desfrute sempre daquela serenidade, da qual nem ainda as almas mais inocentes chegam a gozar de contínuo neste mundo! Ó cegueira do meu entendimento! Ó perversidade do meu coração!

Vós, inocentíssimo Cordeiro, ides por diante desfalecendo, debaixo do peso de uma Cruz que eu agravei com os meus pecados; e eu que os cometi, fujo, como se não fossem meus, de Vos seguir com a minha cruz tão leve?

Ó Luz incriada, que aparecestes no mundo para iluminar a todos os homens, compadecei-Vos das minhas trevas e dissipai-as. Vós conheceis a fundo os meus males; só Vós os podeis remediar; remediai-os, pois, para glória vossa.

Eu deveria andar em busca das tribulações, para com elas dar à vossa divina justiça a honra que, com o castigo, de mim teria direito a exigir; mas, se a tanto não chego, pelo menos não seja eu tão covarde que tenha medo até da sua sombra. Eis-me aqui, pois, entregue nas vossas divinas mãos; e, contanto que, não me veja eternamente separado de Vós, como até agora mereci e me o faz temer a minha fraqueza, entrego-Vos a chave da minha liberdade, e terei por grande dita beber aquele cálice da vossa Cruz, que a todas as horas me ofereceis.

E, já que estas resoluções são vossas, e Vós as inspirais ao meu coração, confirmai-as, Senhor, até à morte, depois da qual espero que, se Vos tiver seguido aqui na terra com a minha cruz, também Vos hei de ver triunfante no vosso trono e reinar convosco para sempre no Céu. Amém.


Quinta Meditação




Quinta-feira



A Lembrança do Céu

Consola a Alma na Tribulação


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I – O Sofrimento é sinal de predestinação à glória.

Considera que a razão da nossa predestinação à glória é a conformidade com Jesus Cristo, segundo o sentir de São Paulo: Os que Ele viu de antemão que se haviam de salvar, predestinou-os para que se fizessem semelhantes a seu Filho.56 Segundo isto, o nosso divino Redentor despido na Cruz, coberto todo de Chagas, saciado de opróbrios, submergido num mar de penas e, desde o primeiro instante da sua vida mortal, Rei de dores, não só é a razão meritória da nossa eleição à glória, senão também a causa exemplar com que nos devemos conformar no exercício das obras, para a chegar a obter. E assim, quem mais participa da sua Cruz, mais seguro está de participar do seu reino. Se padecemos com Ele, reinaremos também com Ele.57

Este é o decreto estabelecido desde a eternidade no conselho divino: que os membros hão de, por necessidade, ser semelhantes à sua cabeça; e por isso ninguém há de ser admitido no Céu senão pela porta da tribulação, e não de uma só tribulação, mas de muitas e muitas: Temos de passar por muitas tribulações, para entrar no reino dos Céus.58 De sorte que, se não houver sofrimento para ti, também não haverá Paraíso.

Tu crês que a herança de Jesus Cristo consiste só na posse da glória; enganas-te. Porque a herança que deixou a seus escolhidos, é sim a de gozar para sempre na vida futura, mas é também a de chorar antes por alguns dias na vida presente. E nesta herança não é lícito, como nas outras, aceitar em parte, e em parte repudiar; é de obrigação que, em qualquer caso, quem a aceitar no tocante à felicidade eterna no futuro, não rejeite os padecimentos leves e momentâneos da vida presente; pois, como condição indispensável, para ser glorificado é necessário ter padecido: Se somos filhos, seremos também herdeiros; contanto que padeçamos com Jesus, para com Jesus sermos também glorificados.59

Eia pois; acende-te num santo zelo contra a tua delicadeza, que te põe tanto em perigo de perder um bem imenso: Ai daqueles que perderam a paciência.60 Parece-te que o Céu te poderá custar caro de mais? Está bem que te queixes de Cristo Senhor Nosso, porque te vende o seu reino pelo mesmo preço que lhe custou a Ele? Não digo bem. Jesus comprou-o com uma Cruz, cujo peso era proporcionado aos ombros de um Deus feito homem; e a ti vende-te esse seu mesmo reino, por uma cruzinha tão leve e como que de palha.

Portanto, se és prudente, em vez de fugires daqui em diante da tribulação, deves sair-lhe ao encontro sempre que ela não te buscar; e, logo que a achares, alegra-te, dá-te o parabéns e recebe-o dos que te amam, como se encontrasses um grande tesouro. Graças sejam dadas ao Senhor, pois achei por fim a tribulação e a dor.61 Alegrai-vos, pois, comigo, porque dei com a minha felicidade. Este estado de desamparo, de pobreza, de desolação, de angústia, promete-me tanto mais segura esperança de chegar a ser na glória semelhante ao meu divino Mestre, quanto mais me parecer a Ele na terra.

E, se estas verdades são agora escuras, não deixam contudo de ser certas, e tão certas como é certa a nossa fé. São escuras no tempo desta vida; serão claríssimas no dia da eternidade: A tribulação exercita a paciência, a paciência serve de prova à nossa fé, a prova fomenta a esperança e a esperança não sairá baldada.62

II – O Sofrimento acumula méritos para a glória.

Considera que o sofrimento, além de ser sinal de predestinação para a glória, ganha também méritos para a obter. Quis a divina Bondade que os escolhidos não chegassem ao seu reino senão da maneira mais gloriosa, que é ganhando-o por via de conquista: Preparo-Vos o prêmio do reino celestial, como Meu Pai mo preparou a Mim.63

E assim como este reino, que consiste na glorificação do Corpo Bem-aventurado de Nosso Senhor Jesus Cristo e na exaltação do seu Santo Nome, não foi concedido pelo eterno Pai ao nosso divino Redentor (ainda que por tantos títulos lhe era devido, como Filho de Deus), senão em atenção ao mérito de ter levado a Cruz; da mesma maneira, e ainda com muito maior razão, não te será concedido a ti, se o não mereceres levando também a tua cruz: Não será coroado senão o que bem pelejar.64

Não há triunfo sem vitória, nem vitória sem combate, nem combate sem trabalho; por isso, a maior desventura que te pode sobrevir, é que não te venha nenhuma tribulação. Este estado de paz e tranquilidade era o que causava pavor aos Santos: A paz é para mim a mais amarga de todas as aflições.65 Porque sabiam muito bem que quem não sofre, ou, pelo menos, não deseja sofrer, traz consigo um sinal de reprovação; e que a vida presente nenhum outro bem melhor tem do que o padecer alguma coisa por Deus.

Assim que, por perdido se pode ter todo aquele tempo em que não se padece. Padecer e não morrer, dizia Santa Maria Madalena de Pazzi, verdadeiro serafim de amor. Só desejava que se lhe prolongasse a vida, para padecer por mais tempo; só se queixava da morte, por não ter podido padecer mais. Por conseguinte, pouca coisa é sofrer com paciência os teus contratempos, as trevas do espírito, as desolações; deves levá-los também com alegria e com ação de graças.

Não sabes porventura que os trabalhos são um especial dom da divina liberalidade? O Apóstolo olha para as tribulações como para uma graça quase tão preciosa como a graça da fé; e para a merecermos, quer que interponhamos todos os merecimentos do nosso amorosíssimo Redentor: Pelos merecimentos de Cristo se vos fez a graça, não só de crer n’Ele mas também de padecer por seu amor.66

E nós havemos de fazer tão pouco caso da nossa cruz, que nos contentemos apenas com a levar sem impaciência? Se é verdade, então a linguagem do Evangelho veio a ser para nós uma linguagem estranha ou bárbara; fazemos profissão de ser discípulos de Cristo e não nos envergonhamos de pôr em dúvida a sua doutrina.

Não merece o nome de cristão, quem não confessa diante do mundo, enlouquecido no meio dos seus prazeres, esta grande verdade: Bem-aventurado o que padece; mais Bem-aventurado o que mais padece; sobremaneira Bem-aventurado o que padece tanto que fica submergido nos mesmos padecimentos. Todavia, confortado com a virtude da esperança e da caridade, recebe aquele mar de amargura como se fosse um saborosíssimo leite.67

III – Os padecimentos são a medida do gozo na glória.

Considera que o sofrimento não só é um sinal de predestinação e uma obra meritória da eterna Bem-aventurança; é também a medida da glória que nela teremos: À proporção das muitas dores que atormentaram o meu coração, as tuas consolações encheram de alegria a minha alma.68 Deste teor é a regra, que Nosso Senhor segue com os seus escolhidos: contrapõe número a número, peso a peso, medida a medida.

Mas com que vantagem e desproporção da nossa parte! Pois a um tão pequeno número de aflições, a um peso tão leve, a uma medida tão pequena de penalidades, contrapõe um número sem número de bens celestiais, um peso imenso de felicidade, um cúmulo de prazeres digno da divina magnificência: As aflições tão leves e tão breves da vida presente produzem-nos o eterno peso de uma sublime e incomparável glória.69

E, se esta mesma regra se há de observar também com os réprobos, que serão castigados à proporção dos seus deleites neste mundo: Dai-lhes tão grande tormento e pranto, quanta foi a soberba e prazeres que tiveram;70 julga tu, se não há de ser guardada ainda mais exatidão, na retribuição dos predestinados.

Dirás que a cidade do Paraíso se mede com a cana de ouro da caridade e não com o palmo de ferro da paciência. É verdade. Mas que caridade mais fina se pode dar do que a que resiste a toda a prova? O ouro que não perde no fogo nada do seu peso, é puro; assim é perfeita a caridade que, em vez de se esfriar nas aflições, cresce e aumenta com elas. A caridade é paciente… tudo sofre.71 Quão verdadeiramente amam a Deus aquelas almas, que acodem logo aonde sabem que há alguma coisa que padecer por seu amor, nem sabem o que é viver sem cruz!

De maneira que o amor natural foge das penas, mas o amor sobrenatural vai buscá-las; porque sabe que, quanto mais sofre pelo seu Senhor na terra, melhor se dispõe para o amar no Céu e gozar eternamente da sua posse como prêmio dos seus trabalhos, conforme aquela promessa: Eu serei teu galardão sobremaneira grande.72 E, se isto é verdade, que coisa mais digna de compaixão aos olhos da fé do que um homem do mundo rodeado de aplausos, de prazeres e de grandezas! Os verdadeiros servos de Deus choram por Ele como por um morto que é levado com grande pompa ao sepulcro.

Essas que o mundo chama fortunas são verdadeiras desgraças e verdadeiras maldições: Ai de vós os que agora rides!73 Pelo contrário, as verdadeiras fortunas são as perseguições, as enfermidades, a pobreza, as angústias, as desolações; pois esta é a verdadeira semente do Paraíso que, quanto mais abundante for, maior colheita dará de bens celestiais na glória.

Eia pois, enxuga as tuas lágrimas, muda as tuas queixas em ações de graças: Cessem teus lábios de prorromper em vozes de pranto e teus olhos de derramar de lágrimas.74 Não está perdido o fruto dos teus trabalhos, o teu choro não foi em vão: As tuas obras terão o seu prêmio.75 Uns padecimentos momentâneos preparam-te um bem eterno e tão grande, que o gozar dele, somente por um abrir e fechar de olhos, mereceria que o comprasses com todos os tormentos dos Mártires.

Daqui a pouco, quando já estiveres naquele excelso posto da eterna Bem-aventurança, voltando a vista para tornares a ver as tribulações que passaste, também tu pasmarás de ti mesmo por lhes teres chamado tribulações; e, se naquele estado de glória pudesse haver vergonha, muito te haverias de envergonhar, por não teres agradecido a Deus Nosso Senhor um dom tão assinalado.

Também nesse feliz estado não poderás desejar nada; mas, se pudesses, tem a certeza de que o teu maior desejo seria passares por novos trabalhos, para mereceres novos graus de glória. Pelo menos, dispõe-te agora antecipadamente para estes afetos; e pede ao Senhor que, pois te assegura com a sua divina palavra serem Bem-aventurados os que padecem, te dê uma tal fortaleza nas tribulações que, assim como agora és feliz com a esperança, sejas depois eternamente felicíssimo na posse do bem infinito do Céu. Amém.


Oração a Jesus crucificado,

para alcançar a paciência.


Que pretendeis Vós, Senhor, da minha alma, em Vos deixardes pregar numa Cruz e no meio de dois ladrões? Se fazeis isto para me remir e tornar participante da Vossa glória, basta um só dos Vossos suspiros. Para que derramais o Vosso preciosíssimo Sangue? E, se apenas com uma gota podíeis salvar a mil mundos, para que dá-lo todo entre tantas dores? Ah! Todo este excesso tem por fim, animar a minha grande fraqueza e covardia e ensinar-me que, se não padecer Convosco também não poderei reinar Convosco.

Eis quanto Vos custa, Mestre divino, esta importantíssima lição que me destes; e contudo, depois de tanto tempo que ando em Vossa escola, ainda não acabo de a entender bem. Se confesso que somente Vós sois o meu guia, daí a pouco tenho medo de Vos seguir. Se Vos chamo a minha verdadeira luz, não me decido a admitir a Vossa doutrina. Se creio que sois toda a minha saúde, parece que não sei fiar-me inteiramente de Vós, parece que me espanto de me pôr todo em Vossas divinas mãos.

Nos outros considero as tribulações como um dom muito grande; mas se Vos dignais de me fazer a mim o mesmo favor, acho logo mil razões para me desculpar ou não as receber de boa vontade. Queria que a santidade não tivesse dificuldade nenhuma, queria que a virtude não se opusesse em nada ao meu gênio.

Ó que abismo de misérias é sempre este meu pobre coração! Que abismo de trevas! Mas por isso mesmo é que eu recorro a Vós, Senhor, que sois um abismo de misericórdia e de todo o bem. Criai em mim um coração limpo, que me sirva de espelho onde fielmente se retrate a verdade que me ensinais. Renovai o meu espírito, de maneira que se conforme com o Vosso e abrace os trabalhos como um grande bem.

Esta é a graça que me haveis de fazer, benigníssimo Jesus, tão amoroso em sofrer a minha ignorância como poderoso para me livrar dela. É verdade que não a mereço; mas também é verdade, que não posso desmerecer tanto o Vosso auxílio, quanto é grande o Vosso poder e bondade para me fazerdes mercês.

Eu bem sei, ó meu Jesus, a quem acudo; bem sei que, se em todas as coisas sois grande e magnificentíssimo, não haveis de ser agora apertado com este Vosso pobre servo; o qual Vos invoca e pede aqui remédio para suas fraquezas, a fim de merecer aquela coroa que desde a eternidade tendes preparada a Vossos escolhidos, e que eles hão de ganhar por meio das tribulações neste mundo. Assim seja.


Sexta Meditação




Sexta-feira



O Exemplo de Jesus

Consola na Tribulação


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I – Jesus, padecendo, enobreceu os trabalhos.

Reflete no que era a cruz antes de nela morrer Nosso Senhor, e no que é agora depois que expirou em seus braços. Antes servia de patíbulo aos malfeitores, e quem pendia de uma cruz era maldito; agora não somente se honram com ela as coroas dos príncipes, mas é o trono do divino Redentor, onde ele se ostenta com Majestade infinita como triunfante dos seus inimigos.

Pois bem; faze tu agora de conta que tudo, com a devida proporção, se verificou também com a Cruz espiritual dos cristãos, que é a tribulação. Todas as penas, antes que martirizassem os membros inocentíssimos de Jesus Cristo e amargurassem o seu divino Coração, eram como uma cicatriz do pecado e traziam consigo necessariamente um caráter de ignomínia.

Mas ao contato das Chagas do nosso amorosíssimo Salvador, como se fossem águas passadas por esta mina do Paraíso, adquiriram um preço imensamente maior do que adquirem as águas desta terra, ao passarem por minas riquíssimas de ouro.76

Quem há que disto possa duvidar, sem renunciar por isso mesmo à sua fé? O Verbo encarnado, tocando as águas do Jordão em seu Batismo, enobreceu-as tanto que, segundo dizem os Santos, imprimiu nelas e em todas as demais águas do mundo virtude divina, para santificarem pelo Sacramento de regeneração as almas dos fiéis. Pois de um modo semelhante, padecendo e morrendo na Cruz, imprimiu em todas as tribulações dos cristãos uma dignidade mais que humana e uma virtude particular, para nos elevar acima das forças da natureza, a um estado como divino.

Por isso, os Apóstolos desde os primeiros tempos da religião cristã, e todos os Santos depois dos Apóstolos, tinham para si que chegavam ao sumo da verdadeira honra, quando sofriam grandes coisas por Deus: Saiam da presença do conselho muito alegres, por terem sido achados dignos de sofrer afrontas pelo Nome de Jesus.77 E na verdade, assim como no Céu, o que está mais perto do trono do divino Redentor glorificado é o que mais participa da sua glória, assim também na terra, quem mais se chega ao trono do mesmo Senhor humilhado, despido e cheio de dores, esse é o mais estimado e honrado; e são tão excelsos em dignidade estes homens, que deles diz o Espírito Santo não ser digno o mundo: Desamparados, angustiados, maltratados, dos quais não era digno o mundo.78

Tanto assim que, estando-nos severamente proibido por outra parte o gloriar-nos de coisa alguma, podemos contudo gloriar-nos, a exemplo de S. Paulo, dos nossos trabalhos; o qual ao mesmo tempo nos ensina que o podemos fazer com segurança: Se algumas coisas há de que me possa gloriar, gloriar-me-ei daquelas que são próprias da minha fraqueza.79 Que diz o teu coração ao ouvir estas verdades, acostumado a encarar as cruzes com horror e os dons que o Senhor te faz, como se fossem outras tantas feridas? Não acabas de ver que és ainda indigno de vestir a libré de Jesus Cristo e de seguir mais de perto as suas pisadas, imitando-o no sofrimento?

Anima-te a receber daqui em diante com humildade as ocasiões de sofrer, admirando-te de que Jesus te trate nelas como a companheiro. E, se a natureza grita e protesta, se os sentidos se rebelam, triunfa gloriosamente deles, opondo a seus gritos e rebelião as máximas do Evangelho e confessando em face do mundo ignorante esta verdade, tão certa em si como é certa a Palavra de Deus: – Que não há coisa de tão sublime dignidade na terra como o padecer por Cristo e por amor de Cristo: Alegrai-vos de ser participantes da Paixão de Cristo; porque a honra, a glória e a virtude de Deus, e o seu Espírito repousam sobre vós.80

II – Jesus, padecendo, suavizou os trabalhos.

Considera que a Cruz de Jesus Cristo, além de enobrecer em sumo grau, os nossos trabalhos, também os faz suaves e doces. Os animais bravios já não são tidos como tais, quando com o trato do homem foram domesticados.81 Pois é isto exatamente o que passa com as tribulações, as quais noutro tempo, à maneira de feras indômitas, aterravam tanto o nosso coração; e agora, amansadas com o exemplo de Cristo, nem são chamadas já tribulações pelos Santos nem lhes causam horror nenhum, mas até jogam com elas como com inocentes cordeirinhos: Brincou (Davi) com os leões como se fossem cordeiros.82

Desta maneira, os Mártires chamavam rosas aos carvões acesos, refrigério aos maiores tormentos, dia de bodas ao da sua morte; e todas as penas lhes pareciam tanto mais doces, à vista dos padecimentos do Senhor, quanto eram em si mais cruéis e atrozes; à semelhança do que acontece com as frutas verdes e azedas, as quais, postas em calda, são muito mais saborosas do que as maduras.

Como os Mártires, pensam também todas as almas puras, para quem uma vida sem Cruz seria a maior cruz; nem saberiam, sem a esperança de sofrer alguma coisa a exemplo de Cristo, levar com paciência o desterro desta vida miserável. Até quando, pois, quererás tu ser menino na virtude, não amando senão o que te agrada? Até quando, à maneira das criancinhas, haveis de amar as criancices?83

O nosso divino Redentor teve em suma honra o padecer por amor de ti mais do que homem nenhum jamais padeceu; e quererás tu continuar a ter medo e horror de padecer tão pouco por Jesus? À vista de um Deus apaixonado de amor para contigo e em presença da sua Cruz, não te envergonharás de correr ainda atrás dos prazeres da terra, quando havias de converter em delícias, por meio de amor a Jesus, as tuas penas e trabalhos? Ah! Senhor! Quão poucos são os amigos do sofrimento, apesar de os terdes amado e suavizado tanto com o vosso exemplo!

Confunde-te de teres sido até agora contado no número destes; pede humildemente perdão da tua ignorância e roga ao Senhor, pois se dignou de descer do Céu à terra para te ensinar, com palavras e exemplos, a felicidade dos padecimentos, que te dê a graça de sentir o sabor desta divina ciência, e de achar a doçura encoberta nas tribulações, para que se verifique também em ti a Palavra divina: O coração que chegou a conhecer o preço das suas amarguras, experimenta um gozo puríssimo e livre de todo o prazer estranho.84

III – Jesus, padecendo, tornou necessários os trabalhos.

Considera que o exemplo de Jesus paciente, se enobrece e suaviza as nossas dores, também as tornou necessárias. Aquele excesso de tormentos e humilhações que, desde o primeiro instante da sua vida mortal até ao último suspiro, tomou sobre Si o Filho de Deus humanado, não teve somente por fim a nossa redenção; para isso, bastava um gemido do seu divino Coração. Quis também ser o nosso verdadeiro guia e modelo, e que nós fossemos imitadores seus: Para isto fostes chamados à dignidade de filhos de Deus, pois Cristo padeceu também por nós, dando-nos exemplo para que sigamos os seus passos.85

E assim, quem despreza a cruz ou foge dela, despreza o excesso dos tormentos, dos exemplos e do amor de Jesus Cristo, e nem é digno do nome que tem – soldado que segue a bandeira do Redentor – segundo altamente o declara o mesmo Senhor, dizendo: Quem não toma a sua cruz e Me segue, não é digno de Mim.86 Para que são, pois, tantos discursos? Para quê tanto deliberar! Para quê tantas réplicas? “Podes (diz-te também a ti Jesus Cristo) podes beber o cálice dos sofrimentos que Eu hei de beber.87 Tens ânimo, pelo menos para provar por meu amor esse cálice amargo, que Eu desejo levar até a última gota por amor de ti? Se o não tens volta atrás, que não és digno de te alistares debaixo da Minha bandeira: O que é medroso e covarde, não passe adiante; torne para trás”.88

Não está bem que tenha honra tão grande quem é para tão pouco que, nem à vista de um Deus abrindo-lhe caminho, se resolve a seguir as suas pisadas. Revertatur: “Para trás”. Sim, torne para trás; mas lembre-se que o juízo da sua vida e ações se há de fazer segundo as aparências que tiver com o seu divino exemplar, Jesus. O nosso adorável Redentor, como Imagem substancial do Seu eterno Pai, quis que os seus escolhidos fossem uma viva imagem da sua vida trabalhosa.

Por conseguinte, que será de ti, se, em vez de achar em tuas ações conformidade de vida, achasse uma total dissemelhança? Se tivesses fugido de tudo o que Ele amou, que são os trabalhos, e amado e abraçado tudo o que Ele fugiu, que são os prazeres e gostos? E ainda hás de continuar a ter por inocente uma delicadeza tal e tão monstruosa?

Confunde-te, pois, de todo o teu coração e faze propósito de não admitir em tuas deliberações, sobre este assunto, o voto do amor-próprio para nada. Jesus é o Anjo do Grande Conselho; e não sabe dar-te outro melhor do que o de seguires ao teu Senhor com a tua cruz às costas. Pede-lhe, pelo preço do Seu Sangue divino, que dê força ao teu coração fraco, e com a memória dos seus merecimentos te faça inexpugnável a todas as acometidas do inimigo. Tendo, pois, Cristo padecido por nós a morte em sua carne, armai-vos também vós desta consideração.89


Oração a Jesus, desamparado na Cruz,

para alcançar a paciência.


Ó verdadeira consolação dos atribulados! Ó esperança da minha alma e meu único bem! Que seria de mim neste momento, se a vossa paciência não tivesse sido infinita? Como teríeis podido sofrer um coração tão vil como o meu, que, por mais que Vos vê caminhar adiante e abrir deste modo a estrada do Céu, não sabe mover um pé para Vos seguir?

Se tivésseis passado a vida entre delícias, teria eu alguma aparente escusa, quando fujo tanto do que me custa. Mas, tendo Vós enobrecido tanto os nossos trabalhos com o Vosso exemplo, tendo-os suavizado e facilitado tanto e, o que é mais, tendo exalado a alma em tão completo desamparo do Céu e da terra, que escusa posso eu alegar em minha defesa para fugir tanto ao sofrimento?

Não acabarei de entender que estou a vilipendiar o excesso do preço dado por meu resgate, quando corro atrás do prazer de que Vós sempre fugistes, e fujo dos padecimentos que Vós sempre abraçastes? Quando me consolais, digo que sou todo Vosso, peço-Vos que me façais semelhante a Vós, faço-Vos grandes oferecimentos e parece-me estar resignado por completo em Vossas divinas mãos.

Porém, se vindes à prova, miserável de mim! Já sou outro muito diferente do que era, já me tenho por deixado de Vós, já tenho por boas as razões do amor-próprio; e já não é pouco, se não me chego a queixar dos meus trabalhos. Que cego sou! Este é o modo de seguir o exemplo de um Deus que morre por mim num patíbulo, desamparado do Seu mesmo Pai? Buscando ao meu Redentor desta maneira, fugindo da Cruz onde O vejo crucificado, pretendo acaso que hei de dar com Ele?

A Vós, Senhor meu e luz da eterna verdade, a Vós toca iluminar esta minha cegueira e inflamar este meu coração em Vosso amor. Se me levais atrás de Vós, com que ligeireza correrei o caminho da virtude! Mas, se me deixais entregue as minhas fraquezas, não serei homem para dar um passo. Esta é a prova que fica ainda por fazer a Vossa divina graça: mudar-me inteiramente noutro homem.

Não Vos peço favores nem consolações; só desejo um coração tão conforme a Vossa divina vontade, que o amargo me seja doce e veja com bons olhos qualquer estado de desamparo e desolação, em que me quiserdes pôr para Vossa maior glória. Que louvores Vos tributarão os Anjos, se me ouvis? Que fruto tão estimado do Vosso preciosíssimo Sangue, que glória do Vosso braço Onipotente será, se de tal sorte fortaleceis este barro do meu ser, que chegue a resistir a todos os ataques dos meus inimigos!

Esta é a graça que espero da Vossa bondade; a qual já desde agora começo a agradecer-Vos com todo o meu coração, confiando que hei de continuar a louvar-Vos por ela para sempre no Céu. Amém.


Sétima Meditação




Sábado



O Amor de Deus

Consola na Tribulação


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I – O amor que Deus nos tem é origem e causa dos nossos padecimentos.

Considera que o primeiro desígnio da divina bondade, a respeito do homem, foi tratá-lo sempre com toda a sorte de regalos; e para este fim, logo depois de o ter criado, o colocou num Paraíso de delícias, para mais tarde o trasladar dos prazeres breves da terra aos gozos imortais da vida eterna no Céu.

Mas, como Deus Nosso Senhor, à vista da culpa, se viu forçado a mudar estes planos amorosos, que para nosso bem tinha determinado, e a dar entrada no mundo aos trabalhos, às lágrimas e ao sofrimento; de tal maneira quis fazer isto, que esse mesmo justo rigor viesse a ser um efeito da Sua misericórdia, e fosse tão grande o bem encerrado nas penalidades desta vida que bastasse a fazer-nos felizes: Tende por objeto de sumo gozo, irmãos meus, quando cairdes em várias tribulações.90

Assenta pois, no coração, como fundamento da tua paciência, estas duas verdades incontestáveis: A primeira, é que toda a tribulação, seja qual for, ou venha da natureza ou dos homens ou do Demônio, não pode te tocar em nada, sem que antes passe pelas mãos de Deus, sumamente bom: Não há mal nenhum na cidade, que não seja por disposição do Senhor.91

A outra verdade é, que esta mesma Providência, assim quando te aflige para castigar as tuas culpas como quando te prova para te aperfeiçoar na virtude, sempre o faz com amor incompreensível, à maneira de mãe amorosíssima, a qual, ao mesmo tempo que põe a seu tenro filhinho nas mãos do médico para que o cure, chora ao ver as feridas que lhe fazem, e mistura as lágrimas dos seus olhos com o sangue que o filho derrama.

Para que pois te afliges com os trabalhos? Porque assim te desalentas e quase desmaias? Meu filho, não desfaleças quando o Senhor te castiga. Porque o Senhor castiga a quem ama e compraz-se nele, como um pai em seu filho.92

Oh, que formosas palavras são estas que o Senhor te faz ouvir, se penetrares bem a fundo o sentido delas!

Quando, pois, o teu corpo se vir cercado de dores, quando o teu coração se inundar de tristeza, quando o teu espírito se vir envolvido em espessas trevas, quando os homens e os Demônios, os superiores e os inferiores, os bons e os maus se coligarem todos para te encher de penas e aflições; traze ao pensamento que, se os açoites são tantos, a mão que te fere é a Mão de Deus: A Domino corriperis, ‘É o Senhor que te castiga’. Pensa também que ferindo-te assim, mostra o Seu grande amor e o bem que te quer: Quem enim diligit Dominus, corripit. ‘O Senhor castiga a quem ama’. Finalmente, quando te está dando esse castigo, também está se agradando em ver o bem que te faz, como se agrada um pai com o adiantamento de seu filho: Et quasi pater in filio complacet sibi. ‘E compraz-se nele como um pai em seu filho’.”

E na verdade, se o estar neste mundo sem males fosse para ti um bem, crês tu, porventura, que o amor de Cristo Senhor Nosso, para contigo, não te havia de fazer esse bem? Reflete um pouco no muito que fez para te livrar dos males da outra vida, que são os verdadeiros males: carregou com toda a sorte de trabalhos; foi “um varão de dores”, Vir dolorum; sofreu na honra e na fama, no Corpo e na Alma, quanto pode inventar a raiva dos seus inimigos, o furor dos Demônios e a Sua mesma infinita caridade. E um Deus que tanto padeceu, para que tu não padeças, não te evitaria os trabalhos, as tribulações e todos os sofrimentos, se em tudo isto houvesse verdadeiros males, e não pelo contrário, verdadeiros bens e muito grandes bens, disfarçados com a aparência de males.

Portanto, sendo o amor de Deus às nossas almas a causa e origem donde nascem as tribulações; o amor, o que as permite; o amor, o que as mede e pesa; o amor, o que sempre as acompanha; que ingratidão a nossa, se não as recebemos com amor? Deus oferece-nos por Sua própria mão o cálice amargo, mas salutar, do sofrimento; e nós fugimos constantemente a bebê-lo. Vemos um pobre cego fiar sua vida e deixar-se guiar de um animalzinho fiel, mas sem entendimento; e nós, não acabaremos de nos lançar nas mãos amorosíssimas de Deus, que tanto nos tem amado desde toda a eternidade, e que em nada mais parece ter pensado senão em fazer-nos bem.

II – Os nossos padecimentos são o meio para alcançarmos o Amor Divino.

Considera que o meio mais apto para alcançar o amor de Deus é padecer pelo mesmo Deus. O madeiro da Cruz é o que melhor pode acender em nós o fogo do amor divino, segundo dizia Santo Inácio; e assim todo aquele que deseja ser santo, deve pedir a Nosso Senhor que lhe dê muito que sofrer. Não há meio de levar a cabo a grande empresa de nos revestirmos de Jesus Cristo, senão começando por arrancar de nós os hábitos do homem velho; nem pode morrer em nós esta vida terrena, senão pela morte contínua com o sofrimento.

Sendo isto assim, quem está resolvido a deixar de viver para a natureza, para os sentidos, para o amor-próprio, deve também estar resolvido a não tratar mais de consolações, senão de tudo o que é cruz. Beberá da torrente (da tribulação) no caminho (da vida); por isso, levantará logo a cabeça.93 Enquanto não beberes e te saciares desta torrente das penalidades e trabalhos, não chegarás a levantar a cabeça, não te elevarás acima de uma virtude muito frágil e vulgar.

Boas são as consolações espirituais; mas da nossa parte há sempre perigo que a natureza se acostume a elas e, às vezes, tão disfarçadamente que nem nós mesmos caímos na conta. Roga também ao Senhor que, se é necessário ferir por mais tempo a dura pedra do teu coração, para acender em ti o fogo do divino amor, não perdoe aos golpes, nem dê ouvidos aos gritos da natureza rebelde; senão pelo contrário, que vá atravessando a tua alma com a espada da dor, até reduzir a estado de nada, aborrecer mais que a si mesma, nem amar nada mais que a Deus; de maneira que possas também dizer com verdade: Alegrar-nos-emos pelos dias em que nos humilhastes, pelos anos em que sofremos calamidades.94

III – Os nossos padecimentos são indício de termos alcançado o amor divino.

Considera, que o sinal menos enganoso do amor, é padecer de boa vontade pelo amado. Os benefícios são certamente boa prova de benevolência, mas não há neles prova tão segura como nos padecimentos. Porque quem dá e faz mercês a outro, mostra ter em pouco as próprias coisas, em atenção à pessoa amada; mas quem padece pelo amigo, a si mesmo é que mostra ter-se em pouco. E, se é grande coisa fazer a outro feliz, em favor e para o bem do seu amigo?

Assim que, sofrer por Deus com alegria é a prova mais concludente de que O amamos; nem de outra se serviu Cristo Senhor Nosso quando, para mostrar o amor que tinha a seu eterno Pai, saiu generosamente ao encontro da Cruz: Para que o mundo conheça que amo a meu Pai… levantai-vos e vamos daqui.95 Enquanto, pois, a alma se acha entre delícias, ainda que sejam delícias espirituais; enquanto é favorecida com sentimentos e luz interior ainda que esta luz e estes sentimentos venham do Céu; enquanto abunda (e neste caso com muito maior razão) em bens da terra; não pode saber, com bastante segurança e fundamento, se ama verdadeiramente a Deus.

Quando, porém, se vê a braços com o infortúnio, com a enfermidade e com os desprezos; quando sente o desamparo, assim exterior de pobreza e perseguições, como interior de securas e trevas de espírito, então, se apesar de tudo, como lua eclipsada, prossegue ordenadamente o seu caminho, do mesmo modo que antes, bem pode ter grande confiança de que vai pela senda do divino amor, a qual está toda semeada de cruzes e eriçada de espinhos.

Esta foi a glória do Santo Tobias, e será sempre a de todas as almas escolhidas: não largar nunca a senda da verdade, qualquer que seja a tribulação que se atravesse: Ainda que em cativeiro, não deixo o caminho da verdade.96 Que glória seria, então, a tua até agora, em seguires a Jesus no Tabor, se O não acompanhas também até ao Calvário?

Feliz de ti se podes mostrar o amor que tens a Deus Nosso Senhor, como Ele mostrou o Seu para contigo. Ele quis ser e mostrou-se por teu amor Esposo de sangue, a tal ponto, que não duvidou sacrificar por teu bem a Sua liberdade, a Sua honra, o Seu descanso e a Sua vida; tu deves dar-Lhe uma prova semelhante da tua fidelidade, sofrendo com alegria toda a sorte de trabalhos, que, de qualquer parte que venham, sempre serão para ti um grande bem, levando-te como pela mão até Deus, com segurança não pequena de O chegares a encontrar: No dia da tribulação acudi solícito ao Senhor, levantei de noite a Ele as mãos e não fiquei enganado.97

Porque a Deus Nosso Senhor nunca ninguém buscou em vão no tempo do infortúnio; tu que O invocaste nesse tempo, e como que O trouxeste a ti à força de braços, bem podes ter motivos de grande confiança que finalmente O achaste: Manibus meis Deum exquisivi, et non sum deceptus. Talvez te pareça estranho este modo de falar; mas certamente não o era aos Santos, a quem tu agora chamas bem-aventurados, e que na realidade o são, precisamente porque padeceram muito, levaram gozosos o peso da Cruz e permaneceram nobremente fiéis na prova a que Deus pôs o Seu amor: O certo é que temos por Bem-aventurados os que padeceram.98

Envergonha-te, pois, de teres vivido até agora como às cegas e a impulsos do amor-próprio, o qual tão inimigo é da verdade como de ti mesmo. Além disto, tem entendido que, enquanto não chegares a desafiar os trabalhos, como os Santos Mártires desafiavam as feras, a que eram lançados, não podes estar seguro de possuir a caridade, em grau de perfeição notável. Portanto, confessa as tuas misérias ao Senhor, e pede-Lhe força para poderes, como o Profeta, oferecer-te a esta experiência da Cruz, dolorosa sim, mas, salutar, dizendo: Provai-me, Senhor, e sondai-me; acrisolai no fogo (das tribulações) os meus afetos e o meu coração.99


Oração à Virgem Santíssima ao pé da Cruz,

para alcançar a paciência.


Ó Rainha dos Mártires e Mãe do Santo Amor! Se Vós amastes a Deus mais do que todas as criaturas, também haveis de ter padecido por Seu amor mais do que todas. Contemplo-Vos ao pé da Cruz submergida num mar de dores, imenso como a Vossa caridade; mas, longe de Vos cansar esse longo martírio, vejo-Vos arder em vivíssimo desejo de sofrer ainda mais, como fidelíssima Companheira do Vosso Jesus crucificado. Com estas provas mostrais o muito amor que tendes a Deus, e com este fogo avivais esse grande incêndio em que já ardeis.

Mas, estas mesmas provas são para mim, pobre e miserável, outras tantas repreensões; porque, em vez de Vos imitar, quereria amar sem padecer e, fugindo da Cruz a todas as horas, persuado-me que tenho grande amor ao Vosso divino Filho.

Cego como sou, não acabo de entender que isto é amar-me a mim mesmo e não a Deus, que é viver segundo o espírito do velho Adão, condescender com as minhas perversas inclinações, e não seguir as máximas do meu amorosíssimo Redentor.

Quem me poderá obter um bem tão precioso como é a graça de iluminar esta minha cegueira, senão Vós, Mãe piedosíssima, a cujos pés vejo levantado um trono de misericórdia? Vós me podeis impetrar esta graça. Ainda mais: (não Vos ofendais, Senhora, se assim Vos falo) Vós me a deveis impetrar. Como fostes constituída Mãe nossa, ao pé da Cruz, muito desejais fazer-nos semelhantes a Vós e ao Vosso divino Filho.

Prostrado, pois, a Vossos pés e humilhado até ao pó da terra, eu Vos suplico instantemente não que me livreis das tribulações, mas que me alargueis o coração de maneira que de hoje em diante as comece a amar tanto como antes as aborrecia. Só Vós, Senhora, podeis fazer com que eu, quando me vir desamparado do Céu e da terra, quando não vir em mim senão misérias, inclinações ao mal e aversão à virtude, não perca o ânimo em tão duros transes, mas permaneça Convosco no cimo do Calvário, padecendo e amando, com o Vosso Jesus. Feliz de mim, se alcanço esta graça! É certo que não a mereço; mas, a glória da Vossa misericórdia será tanto maior quanto mais indigno sou dela. A minha confiança não a hei de medir pelos meus merecimentos, senão pelos Vossos, ó Virgem Dolorosa, e pelos do meu divino Redentor, nos quais firmemente me apoio, seguro de que jamais ficarei confundido. Amém.



A. M. D. G.

Ad majorem Dei gloriam

Para maior glória de Deus”



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1.  Vidi lacrymas innocentium et neminem consolatorem (Ecle. 4, 1).

2.  Beati qui lugent; quoniam ipsi consolabuntur (S. Mat. 5, 5).

3.  Homo nascitur ad laborem, et avis ad volatum (Jó 5, 7).

4.  Qui quasi flos egreditur et conteritur (Jó 14, 2).

5.  Brevi vivens tempore, repletur multis miseriis (Jó 14, 1).

6.  Quomodo si fugiat vir a conspectu leonis et ocurrat ei ursus (Jó 14, 1).

7.  Unde bella et lites in vobis? Nonne ex concupiscentiis quae militant in membris vestis?

8.  Jugum grave super filios Adam a die exitus de ventre matris eorum usque in diem sepulturae in matrem omnium (Eclo. 40, 1).

9.  Ingredior viam universae terrae (III Rs. 2, 2).

10.  Hyems transiit, imber abiit et recessit; flores apparuerunt in terra nostra (Cânt. 2, 11).

11.  Ecle. 3, 4.

12.  Qui patiens est multa gubernatur prudentia (Prov. 14, 29).

13.  Transivimus per ignem et aquam, et eduxisti nos in refrigerium (Salm. 65, 12).

14.  Si quis vult post me venire, abneget semetipsum et tollat crucem suam quotidie (Luc. 9, 23).

15.  Nemo moveatur in tribulationibus istis; ipsi enim scimus quod in hoc positi sumus (I Tes. 3, 3).

16.  Inimicos crucis Christi, quorum finis interitus (Filip. 3, 18).

17.  Nunc incipio Christi esse discípulus.

18.  Bonum mihi, quia humiliasti me (Ps. 118).

19.  Speciosa misericordia Dei in tempore tribulationis (Ecl., XXIV, 26).

20.  In luce sagittarum tuarum ibunt (Habac., III, 31).

21.  Qui non est tentatus, quid scit? (Eccl., XXX, 9).

22.  Noverim te, noverim me.

23.  Ego dixi in abundantia mea: Non movebor in aeternum (Eccl., XXIX, 7).

24.  Ego vir videns paupertatem meam in virga indignationis ejus (Thren., III, 1).

25.  Auditu auris audivi te (Job., XLII, 5).

26.  Nunc autem oculus meus videt te (Job., XLII, 5).

27.  Quia acceptus eras Deo, necesse fui ut tentatio probaret te (Job., XII, 13).

28.  Patientia opus perfectum habet (Jac., I, 4).

29.  Nescitis quid petatis. Potestis bibere calicem? (Math., XX, 22).

30.  Delicati mei ambulaverunt vias asperas (Baruch., IV, 26).

31.  Rore coeli infectus (Dan., IV

32.  In die tribulationis, sicut in sereno glacies, solventur peccata tua (Eccli., III, 12).

33.  Tempore angustiae auxit Achaz contemptum in Dominum (II Paral., XXVIII, 22).

34.  Vulnerat et medetur, percutit et manus ejus sanabunt (Job., VI, 10).

35.  Haec mihi sit consolatio, ut affligens me dolore, non parcat (Job., VI, 10).

36.  Verebar omnia opera mea, sciens quod non parceres delinquenti (Job., IX, 28).

37.  Vide quoniam malum et amarum est reliquisse te Dominum (Jer., II, 19).

38.  Noli facere mala et non te apprehendent (Eccli., VII, 1).

39.  Ecce quibus non erat judicium ut biberent calicem, biberentes bibent; et tu quasi innocens relinqueris? (Jer., XLIX, 12).

40.  Non eris innocens, sed bibens (Jer., XCVIII, 8).

41.  Deus, tu propitius fuisti eis, ulciscens in omnes adinventiones eorum (Ps., XCVIII, 8).

42.  Nos quidem juste, nam digna factis recipimus (Luc., XXIII, 41).

43.  Peccavi et vere deliqui et ut eram dignus non recepi (Job., XXXIII, 27).

44.  Tantummodo sola vezatio intellectum dabit auditui (Isai., XXVIII, 19).

45.  Curatio cessare facit peccata magna (Eccli., X, 4).

46.  Domine, visita me; noli in patientia tua suscipere me (Jer., XV, 15).

47.  Ligatis manibus et pedibus eius, mittite eum in tenebras exteriores; ibi erit fletus et stridor dentium (Math., XXII, 13).

48.  Non secundam peccata nostra fecit nobis, neque secundam iniquitate nostras retribuit nobis (Ps., CII, 10).

49.  Misericordia tua magna est super me et eruisti animam meam ex inferno inferiori (Ps., LXXXV, 13).

50.  In medio laqueorum ingredieris (Eccli., IX, 20).

51.  Patientia opus perfectum habet (Jac., I, 4).

52.  Replevit me Dominus amaritudine, inebriavit me absinthio (Thren., III, 15).

53.  Pars mea Dominus, dixit anima mea (Thren., III, 15).

54.  Recepisti bona in vita tua et Lazarus similiter mala; nunc autem hic consolatur, tu vero cruciaris (Luc., XVI, 25).

55.  Dicitis malum bonum et bonum malum (Isai., V, 20).

56.  Quos praescivit et praedestinavit conformes fieri imaginis Filii sui (Rom. VIII, 29).

57.  Si sustinemus, et conregnabimus (II Tim., II, 12).

58.  Oportet per multas tribulationes nos intrare in regnum Dei (Act., XIV, 21).

59.  Si filii et haeredes; si tamen compatimur ut et conglorificemur (Rom., VIII, 17).

60.  Vae iis qui perdiderunt sustinentiam (Eccl. II, 16).

61.  Tribulationem et dolorem inveni (Ps., CIV, 3).

62.  Tribulatio patientiam operatur, patientia probationem, probatio vero spem, spes autem non confundit Rom., V, 3).

63.  Dispono vobis, sicut disposuit mihi Pater meus regnum (Luc., XXII, 29).

64.  Non coronabitur nisi qui legitime certaverit (II Tim., II, 5).

65.  Ecce in pace amaritudo mea amarissima (Is., XXXVIII, 17).

66.  Vobis datum est pro Christo, non solum ut in eum credatis, sed etiam ut pro illo patiamini (Thess., I, 26).

67.  Inundationem maris quasi lac sugent (Deut., XXXIII, 19).

68.  Secundum multitudinem dolorum meorum… consolationes tuae laetificaverunt animam meam (Ps., XCIII, 19).

69.  Momentaneum et leve tribulationis nostrae aeternum gloriae pondus operatur in nobis (II Cor., IV, 17).

70.  Quantum glorificavit se et in deliciis fuit, tantum date ilIi tormentum et luctum (Apoc., XVIII, 7).

71.  Caritas patiens est… caritas omnia suffert (I Cor., XIII, 7).

72.  Ego erro merces tua magna nimis (Gen., XVI, 1).

73.  Vae vobis qui ridetis nunc (Luc., VII, 25).

74.  Quiescat vox tua a ploratu et oculi tui a lacrymis (Jer., XXXI, 16).

75.  Est merces operi tuo (Jer., XXXI, 16).

76.  Poenam vestivit honore, ipsaque sanctificans in se tormenta beavit.

77.  Ibant gaudentes a conspectu concilii, quoniam digni habiti sunt pro nomine Jesu contumeliam pati (Act., V, 41).

78.  Egentes, angustiati, afflicti, quibus dignus non erat mundus (Heb., XI, 38).

79.  Si gloriari oportet, quae infirmitatis meae sunt, gloriabor (II Cor., XI, 30).

80.  Communicantes Christi passionibus gaudete; quoniam quod est honoris et gloriae et virtutis Dei, et qui est ejus spiritus, super vos requiescit (I Pet., IV, 13).

81.  Ferae non dicuntur ferae, licet ex ferino genere, si sint mansuefactae.

82.  Cum leonibus lusit quasi cum agnis (Eccl., XLVII, 3).

83.  Parvuli, usquequo diligitis infantiam (Prov., I, 12).

84.  Cor quod novit amaritudinem animae suae, in gaudio ejus non miscebitur extraneus (Prov., XIV, 10).

85.  In hoc vocati estis, quia Christus passus est pro nobis, vobis relinquens exemplum ut sequamini vestigia ejus (I Pet., II, 21).

86.  Qui non accipit crucem suam et sequitur me, non est me dignus (Math., III, 38).

87.  Potestis bibere calicem quem ego bibiturus sum? (Marc., X, 38).

88.  Qui formidolosus est et timidus revertatur (Jud., VII, 4).

89.  Christo igitur passo in carne et vos eadem cogitatione armamini (I Pet., IV, 1).

90.  Omne gaudium existimate, fratres mei, quum in tentaciones varias incideritis (Jac., I, 2).

91.  Si est malum in civitate, quod Dominus non fecerit? (Amos, III, 6).

92.  Fili mi, ne delicias, cum a Domino, corriperis; quem enim diligit Dominus, corripit et quasi pater in filio complacet sibi (Prov., III, 11).

93.  De torrente in via bibet, propterea exaltabit caput (Ps., CIX, 8).

94.  Laetati sumus pro diebus quibus nos humiliasti; annis quibus vidimus mala (Ps., LXXXIX, 15).

95.  Ut cognoscat mundus quia diligo Patrem… surgite, eamus (Joan., XIV, 31).

96.  In captivitate tamen positus, viam veritatis non deseruit (Tob., I, 2).

97.  In die tribulationis meae Deum exquisivi manibus meis nocte contra eum, et non sum deceptus (Ps., LXXVI, 3).

98.  Ecce beatificamus eos qui sustinuerunt (Job., V, 11).


99.  Proba me, Domine, et tenta me; ure renes meos et cor meum (Ps., XXV, 2).


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