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"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

domingo, 30 de junho de 2019

DA LEMBRANÇA DOS INUMERÁVEIS BENEFÍCIOS DE DEUS.



1. Alma Fiel. Abri, Senhor, o meu coração a Vossa lei e ensinai-me a trilhar o caminho dos Vossos Mandamentos.

Fazei-me conhecer a Vossa vontade e, com grande respeito e diligente atenção, rememorar todos os Vossos benefícios, gerais e particulares, para Vos dar as devidas graças.

Bem sei e confesso que, nem pelo amor de Vossos dons, sou capaz de Vos louvar e agradecer dignamente.

Sou inferior a todos os bens que me haveis dado, e quando considero a Vossa Majestade, desfalece-me a alma diante de tanta grandeza.

2. Tudo o que temos na alma e no corpo, todos os bens internos ou externos, naturais ou sobrenaturais que possuímos, são benefícios Vossos, que proclamam a munificência, a misericórdia e a bondade Daquele de quem recebemos todos os bens.

E ainda que uns recebam mais, outros menos, tudo vem de Vossas mãos, e sem Vós ninguém possuiria bem algum.

Aquele que recebeu mais não pode gloriar-se do seu merecimento, nem exaltar-se acima dos outros nem insultar ao que recebeu menos, porque maior e melhor é Aquele que se tem em menos conta e agradece com mais humildade e fervor.

Quem se julga mais vil e mais indigno de todos está mais disposto a receber maiores dons.

3. Aquele, porém, que recebeu menos não deve entristecer-se nem indignar-se nem ter inveja aos mais favorecidos, mas por os olhos em Vós e louvar de todo o coração a Vossa bondade, sempre disposta a repartir os Seus dons generosamente, gratuitamente e sem aceitação de pessoas.

De Vós procedem todas as coisas e, por isso, em todas deveis ser louvado.

Sabeis o que convém dar a cada um; e, porque este recebeu menos, aquele mais, não nos compete a nós discernir, mas a Vós, diante de quem estão definidos os merecimentos de cada homem.

4. Por isso, Senhor, meu Deus, considero também singular benefício o não me haverdes dado grande abundância de dons que apareçam exteriormente e atraem louvor e glória aos olhos dos homens. Assim, considerando a própria indigência e vileza, longe de conceber desgosto, tristeza ou desalento deve cada um sentir consolação e grande alegria; porque Vós, Deus meu, escolhestes para Vossos servos e amigos os pobres, os humildes e os desprezados do mundo.

Testemunhas disso são os Vossos próprios Apóstolos a quem constituístes príncipes sobre toda a terra.1

Viveram neste mundo sem queixas, alheios a toda malícia e engano, tão humildes e simples, que até se regozijavam de padecer afrontas por Vosso Nome; e com grande amor abraçavam tudo a que o mundo tem horror.

5. Nada, pois, deve causar tanta alegria a quem Vos ama e conhece a grandeza de Vossos benefícios como o cumprimento de Vossa vontade e de Vossos eternos desígnios a respeito dele.

Com isto deve contentar-se e consolar-se tanto que de boa vontade consinta em ser o menor como outro desejaria ser o maior; e se conserve tão tranquilo e satisfeito no último como no primeiro lugar; e tão gostosamente queira ver-se desprezível e abjeto, sem nome e sem reputação, como querem outros gozar as honras e grandezas do mundo.

Porque a Vossa vontade e o amor de Vossa glória devem para ele estar acima de todas as coisas e dar-lhe mais prazer e consolação que todos os benefícios que lhe fizestes ou lhe podeis ainda fazer.2


1ª Reflexão3

Na consideração dos benefícios, que recebes de Deus, deves atender: – ao número e grandeza desses benefícios; – ao amor infinito do Supremo Senhor que os dispensa, apesar de tu não os mereceres.

Se a tua vida durasse mil anos e a gastasses em agradecer a Deus um só benefício, ainda assim o teu agradecimento não seria digno da Majestade de Deus. Como poderás, pois, agradecer dignamente todos os dons da natureza e da graça com que o Senhor te enriquece a cada momento cá na terra, para um dia te coroar com os da glória no Céu? Podes contar os anos e os dias da tua vida, não podes porém contar o número, nem medir a grandeza dos benefícios, que Deus te concede numa só hora.

Estás como que rodeado de uma infinidade de criaturas visíveis e invisíveis que, por ordem de Deus, trabalham para ti.

Mas como tens tu até aqui usado dos benefícios de Deus? Terrível pergunta esta para a tua consciência! Mesmo aos olhos dos homens do mundo, parece de todo o ponto repreensível que se aproveitem os benefícios e se esqueça o Benfeitor: que crime será pois na balança da divina justiça desaproveitares, inutilizares os benefícios que Deus te concede para bom fim? Lembra-te que és depositário e não senhor absoluto dos bens que recebes; dia virá em que Deus te exija rigorosa conta de todos os talentos, que te entregou.

Se muito recebemos, muito temos que agradecer; depois de admirarmos os dons recebidos, justo é que beijemos, com profundo reconhecimento, a mão benfazeja que no-los prodigalizou. Pela consideração dos benefícios, devemos subir até ao trono do Sumo Benfeitor, para lhe oferecermos a homenagem de um coração puro e humilhado. Quem não é humilde também não pode ser verdadeiramente agradecido. Humilha-te pois na presença do teu Criador e Redentor, pede-lhe perdão das ingratidões passadas e dispõe-te a começar uma vida nova.


2ª Reflexão

Aproveitemos a graça que nos é dada, sem nos importar se outros a receberam mais abundante. Deus comunica-se como e quando Lhe apraz, é Senhor de Seus dons, e deles dispõe segundo Seu beneplácito; e quem somos nós para Lhe pedir contas? Demos-Lhe graças pelos que nos concede em Sua bondade toda gratuita, e também pelos que nos recusa, reconhecendo-nos indignos do menor de Seus benefícios.

Se fores humilde, não aspirarás a favores extraordinários; e se não tiveres humildade, longe de te serem úteis esses favores, não serviriam talvez senão para perder-te, nutrindo em ti a vã complacência do orgulho. Uma viva gratidão para com o Senhor, uma submissão perfeita à Sua vontade, a fidelidade em seguir o caminho por onde te leva, eis o que deves desejar. Com isto descansarás em paz, porque descansarás em Deus, e Nele acharás o auxílio contra as tentações, a paz nos padecimentos, a consolação nas misérias e trabalhos da vida, e finalmente, o amor que tudo faz suave.

Oh! Quão pouco pensaríamos em desejar um estado mais elevado ou mais aprazível, se amássemos verdadeiramente! Mas nós não sabemos amar. Gemamos ao menos de nossa tibieza e supliquemos ao divino Mestre, que se digne aquecer, abrasar nosso coração frouxo, para que possamos dizer com o Apóstolo: “Quem poderá separar-me do amor de Cristo? A tribulação? As angústias? A fome? A nudez? Os perigos? As perseguições? A espada? Mas nós triunfamos de todas estas coisas pela virtude Daquele que nos amou. Porque estou certo que, nem a morte, nem a vida, nem os Anjos, nem os Principados, nem as Virtudes, nem o presente, nem o futuro, nem a força, nem a altura, nem a profundeza, nem alguma outra criatura poderá separar-me do amor de Deus, o qual está em Jesus Cristo Nosso Senhor”4.5


3ª Reflexão

Um dos maiores pecados que os homens cometem, é o desconhecimento das graças que recebem de Nosso Senhor. Esta culpa muitas vezes procede da ignorância, que tolhe ao homem a consideração do muito que deve à Soberana bondade, que lhe liberaliza tantas graças e bens. Mas, quando essa ingratidão está no entendimento, oh! Certamente, é péssima e perigosa; pois, de ordinário, passa para a vontade, e de tal sorte a vicia, que ela se esquece totalmente do reconhecimento que deve a Deus; o que é um gravíssimo mal, e dos impedimentos à graça, é este um dos maiores que se pode ter.6


Orações

Ó meu divino Salvador, fogo infinito de amor, entranhas de Pai misericordioso! Porque não Vos amo, bom Jesus, de todo o meu coração? Porque gasto o momento da vida fora do Vosso amor e serviço? Oh! Se assim me empregasse com todo o cuidado em Vós, como Vos empregais em me salvar! Quando, Senhor meu, me verei desta maneira? Que longo quando, e quanto tarda? Apressai-Vos, meu divino Pastor a me tomar, a me cativar de Vosso amor, e pôr em Vós todo meu desejo e cuidado, pois só isto é o que Vos contenta, e sem Vós o fazerdes o não posso ter. Bastam as penas que Vos tenho dado com meus pecados, não permitais que vo-las acrescente com minha perdição. Aqui me rendo a Vós, desta hora para sempre, tomai-me por Vosso, crucificai-me e salvai-me.7

Ó Deus! Que vício medonho e formidável é esta ingratidão! Santo Agostinho nem por sombras a incorria; pelo contrário, sentia-se tão devedor e obrigado ao divino Salvador de nossas almas, que o tinha desligado dos laços de seus pecados, de modo que se perdia e consumia no amor a Seu Benfeitor e Libertador; e muitas vezes, em suas meditações, este reconhecimento lhe acendia tão fortemente o coração, que ele se desfazia de amor para com Aquele que tão grandes misericórdias lhe fizera.8

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1.  Ps. XLIV, 17.

2.  Imitação de Cristo, nova tradução portuguesa pelo Pe. Leonel Franca, S.J., Livro III, Cap. XXII, pp. 129-132. 4ª Edição, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro/São Paulo, 1948.

3.  Imitação de Cristo, novíssima edição, confrontada com o texto latino e anotada por Monsenhor Manuel Marinho, Livro III, Cap. XXII, pp. 192-193. Editora Viúva de José Frutuoso da Fonseca, Porto, 1925.

4.  Rom., VIII, 35-39.

5.  Imitação de Cristo, Presbítero J. I. Roquette, Livro III, Cap. XXII, pp. 239-240. Editora Aillaud & Cia., Paris/Lisboa.

6.  Imitação de Cristo, Versão portuguesa por um Padre da Missão, Livro III, Cap. XXII, p. 202. Imprenta Desclée, Lefebvre y Cia., Tornai/Bélgica, 1904.

7.  Presbítero J. I. Roquette, Ob. cit.

8.  São Francisco de Sales, Sermão para o dia de S. Agostinho.

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