“Conta Thomas de Cantimpré que, em 1248, um sacerdote foi encarregado de fazer um discurso ao clero de Paris reunido em Sínodo. Este sacerdote era muito ignorante e, estando na presença de seu auditório, se confundiu completamente. Então o demônio veio em sua ajuda e lhe sugeriu que pronunciasse as seguintes palavras: 'Os príncipes das trevas saúdam os príncipes da igreja, e nós lhes agradecemos vivamente pela negligência em instruir ao povo. Pois, as almas estagnadas na ignorância, seguem o caminho do mal e chegam ao inferno'. Linguagem semelhante bem se poderia dirigir a certos pais”.1
(Respostas aos Príncipes das Trevas)
A Grandeza e Dignidade
do Sacramento do Matrimônio:
Fundamento da Família.
I
Quis Deus manifestar suas perfeições infinitas e criou o mundo. Neste mundo quis ser reconhecido, louvado, adorado. Os céus deviam narrar a sua glória, o firmamento manifestar a obra de suas mãos; o dia anunciar ao dia esta mesma verdade, e a noite revelar à noite a ciência misteriosa do Altíssimo.2 Era preciso, porém, aqui, no meio deste universo visível, uma inteligência que interpretasse a muda homenagem das criaturas materiais, uma inteligência que servisse de órgão à adoração universal, uma inteligência que, elevando-se acima dos mundos, os curvasse, resumidos em si, perante o trono de Deus, no estremecimento íntimo da adoração e do amor. Essa inteligência era o homem.
Adão, ao sair das mãos do Criador, reconheceu toda a importância de sua missão religiosa. Ao ver esta natureza tão perfeita, tão formosa, tão plena, tão harmônica, em todas as suas partes; a luz do sol iluminando durante o dia, a da lua mitigando a escuridão da noite; o exército inumerável das estrelas, fixas e errantes, formado nos espaços sem limites; ao ver a terra ostentar seus primores na imensa variedade das plantas e dos animais, nos montes e nas cordilheiras altíssimas, nas fontes cristalinas, nos caudalosos rios, nos mares e Oceanos, arfando em cheias e vazantes regulares, povoados de mil peixes e mariscos, banhando por ondas, ora serenas, ora agastadas, as ilhas e os continentes, e mil outras coisas, pasmo da vista e enleio do entendimento, não pode Adão deixar de reconhecer que ele era criado para dar glória ao Soberano Autor de tantas maravilhas.
O primeiro homem foi, pois, o primeiro adorador, da Divindade.
Mas ele estava só. Passeava solitário e pensativo pelas frescas sombras dos arvoredos do Éden, sentindo que alguma coisa lhe faltava, que lhe faltava um complemento de sua vida.
Também não era ordem da Providência que ele ficasse só. Deus não queria neste mundo um adorador solitário; queria, pelo contrário, gerações e gerações de adoradores, uma multidão inumerável de criaturas inteligentes e livres, que perpetuassem sobre a terra o seu culto, e glorificassem o seu Santo Nome, praticando obras de justiça e de santidade, para serem depois premiados com uma eterna bem-aventurança nos Céus.
Por isso, disse Deus: “Não é bom que o homem fique só. Façamos-lhe um adjutório semelhante a si”.3
E infundindo em Adão um sono profundo, ou antes arrebatando-o em misterioso êxtase, durante o qual, suspensas as operações dos sentidos, ia o entendimento conhecendo com lume profético o mistério que se dava, tirou-lhe Deus da ilharga uma costela, da qual formou a mulher; e ao receber esta, prorrompeu Adão no cântico admirável, o cântico das primeiras núpcias, que ressoou suavíssimo no meio dos encantos virgens daquela natureza primitiva: “Este é o osso de meus ossos, a carne de minha carne. Por ela deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua esposa, e serão dois numa só carne”.4 Palavra sublime, que fixa a lei eterna da família: “Um com uma, unidos perante Deus até à morte”. E derramou Deus sobre a casta união dos esposos a bênção fecunda que perpetua o gênero humano: “Crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra”.5
Tal é o sagrado laço do Matrimônio. Como o homem e a mulher não são só corpos, mas almas imortais criadas à imagem e semelhança de Deus, esta união não é só material, mero resultado do instinto, como sucede entre os animais; mas é uma união moral, santificada pela Religião, vínculo espiritual e perpétuo que associa dois entes, um representando a força e o poder, o outro a beleza e a graça; um apto pelo vigor do espírito e do corpo ao governo do exterior e ao ativo labutar dos negócios, o outro destinado, pela suavidade e delicadeza de seus atrativos e virtudes, a amenizar e santificar o remanso íntimo do lar; que os associa, digno, com o fim de se completarem mutuamente, de se auxiliarem nos caminhos da vida, e procriarem novos entes que glorifiquem o Criador.
II
Jesus Cristo, Filho de Deus, que veio salvar o que estava perdido, que veio restaurar e regenerar tudo, elevando a humanidade a uma alta perfeição sobrenatural, quis que sua graça refluísse até à fonte mesma da vida, e fez do Matrimônio, que já era um contrato sagrado, um Sacramento da Lei Nova. Desejou a Salvador deixar ao mundo um símbolo expressivo da inefável e indissolúvel união que Ele contraiu com a sua Igreja.
Que união é esta?
São Paulo, arrebatado sobre as asas da inspiração divina, no-lo explica: “O Cristo, diz Ele, amou a sua Igreja, e entregou-se por Ela, a fim de A santificar purificando-A no banho da água pela palavra da vida”.6 A Igreja é, pois, a nova Eva, que sai no Calvário do lado ferido do novo Adão, toda formosa, sem mácula, nem ruga, lavada na água de seu Coração, e revestida na púrpura de seu Sangue. O Homem-Deus a produz adormecido nos braços da Cruz. Recebe-A por esposa; deixa, de alguma sorte, seu Pai e sua Mãe, para unir-se a esta Esposa querida, a quem entregou seu Corpo, seu Sangue, sua Divindade, casando-se com Ela, na Comunhão Eucarística. Graças a esta nova Aliança, a estas místicas bodas do Cristo com a humanidade remida, nós nos tornamos seus membros, osso de seus ossos, carne de sua carne. Por isso, é que Ele estabeleceu este Sacramento. “Porque somos membros de seu Corpo; pois fazemos parte de sua Carne e de seus Ossos, por isso, diz São Paulo, (notai) por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe, e unir-se-á a sua esposa, e serão dois numa só carne. Este Sacramento é grande, eu o digo, no Cristo e na Igreja”.7 É dizer claramente, que a união conjugal entre os fiéis, tem como causa, como fim, como razão de ser, o representar, o simbolizar do modo o mais expressivo, o invisível e sacratíssimo Mistério da união de Cristo com sua Igreja, e ao mesmo tempo, o realizar e perpetuar esta mesma união; pois fruto do Matrimônio são os numerosos filhos que ele dá à Igreja para serem incorporados a Jesus Cristo.
Escolhida, pois, pelo adorável Salvador a união conjugal, de todas as uniões naturais a mais íntima, para sinal e símbolo de tão grande e sublime Mistério, uniu Ele a este sinal o poder e a eficácia de produzir no homem e na mulher um aumento de graça santificante, com o direito às graças atuais necessárias para cumprirem os deveres que este estado, elevado a tal altura, lhes imponha. Um sinal sensível e de instituição divina, representando ao vivo um Mistério invisível e produzindo a graça; não é isto o que chamamos um Sacramento?
O Matrimônio é pois um verdadeiro e grande Sacramento, e tendo por termo e objeto de sua significação, Jesus Cristo e a Igreja. Sacramentum hoc magnum, est, in Christo et in Ecclesia.
É este um dogma da fé católica solenemente definido pelo sacrossanto Concílio de Trento nas seguintes palavras: “Se alguém disser que o Matrimônio não é verdadeira e propriamente um dos sete Sacramentos da Lei evangélica, instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, mas introduzido na Igreja pelos homens, seja anátema”.8
Quem poderá dignamente exprimir o que deve a humanidade a Cristo, Autor e Consumador de nossa Fé, por esta restauração do Matrimônio? Era o Matrimônio na Lei antiga, como uma vinha plantada pela mão de Deus, mas que, deixada sem cultura, se encheu de rebentões luxuriosos, espúrios e silvestres, de modo que já não dava senão uvas de fel, cachos amargosos. Veio Cristo, celeste Agricultor, não arrancou a vinha, mas podou-A, isto é, decepou-lhe aqueles rebentões inúteis da poligamia, do libelo de repúdio, expurgou-A, purificou-A, regou-A com o orvalho de sua graça, fecundou-A com o calor vivificante do seu Espírito; e “eis a venturosa vinha a produzir na Igreja sazonados frutos, de tantos ínclitos Mártires, de tantos Santos Confessores, de tantas ilibadas Virgens, de tantos coerdeiros dos Anjos”. Formosa alegoria de um autor. De sorte que, pela elevação do Matrimônio à dignidade de um Sacramento, a família recebeu toda a sua consistência, esplendor e perfeição. E como a sociedade é um composto de famílias, também ela se aperfeiçoou, se consolidou e se transfigurou de modo admirável, por esta sublime economia da graça de Cristo. O Matrimônio santificou a família, a família santificou a sociedade. A civilização cristã brotou deste gérmen. Porque a civilização cristã,, a verdadeira civilização, não é outra coisa mais que a irradiação, na grande esfera social, dessas doces relações, desses puros afetos, desses sacrifícios sublimes que o Matrimônio cristão produziu na pequena esfera do lar. Daqui uma fonte inesgotável de amor, de paciência, de longanimidade, de paz; daqui a santa educação dos filhos, preparando para a Igreja verdadeiros fiéis, para a pátria cidadãos prestadios e virtuosos; daqui a dignidade da mulher elevando-se até a altura de uma gloriosa missão no meio dos povos, como as que exerceram as Clotildes nas Gálias entre os Frankos, as Theodolindas na Itália entre os Lombardos, as Ingundes na Espanha entre os Visigodos, as Berthas, as Edilbergas na Inglaterra entre os Anglo-Saxões, as Olgas na Polônia, as Giselas na Hungria. Graças à unidade e indissolubilidade do Matrimônio, tiveram os filhos toda a segurança de serem convenientemente educados, e deixou a mulher a condição miserável de escrava, de ludíbrio vil das paixões (que o marido abandonava aí brutalmente, logo que dela ficava enjoado), para ser esse ente cheio de prestígios e de virtudes, rodeado até à morte de uma auréola de estimação respeitosa, de castos afetos e de constante dedicação.
III
E notai, que o Sacramento não é uma entidade postiça, que Cristo Senhor Nosso tenha sobre-ajuntado ao contrato natural, de modo que o contrato se possa separar do Sacramento, ficando este sob a jurisdição da Igreja, aquele sob a do Estado. Isto é doutrina errônea.
Não, estre Cristãos, o Sacramento não se separa do contrato natural, antes, é esse mesmo contrato sobrenaturalizado, elevado e transformado pela instituição de Jesus Cristo, como o tem declarado a Santa Sé Apostólica,9 transformação admirável simbolizada no milagre das Bodas de Caná, honradas pela presença do Filho de Deus e de sua Mãe Santíssima: a água é o contrato natural, o vinho o Matrimônio-Sacramento. Ide agora separar a água do vinho, depois de realizada a miraculosa transformação!
Aquele infinito poder que transubstanciou a água em vinho, o pão em seu Corpo, o vinho em seu Sangue, transubstanciou também, digamos assim, o contrato natural do Matrimônio dos fiéis em verdadeiro Sacramento. A mudança prodigiosa é um fato, tenham paciência os legistas inimigos da Igreja.
O contrato e o Sacramento são uma só e mesma coisa, um todo indivisível, como a água do Batismo e as palavras do batizante, como os Santos Óleos e as palavras do Bispo que confirma: “Querer, pois, que se regule separadamente o Sacramento e o contrato civil” (diz um teólogo contemporâneo) “não é coisa menos insensata, nem menos sacrílega, do que querer, por exemplo, no Batismo dar a um oficial do governo o cuidado de regular o que diz respeito à ablução da água, e ao ministro da Igreja o de pronunciar a fórmula”.
Basta que esta novidade de casamento civil, com que se saíram os modernos, sobre ser ímpia e funestíssima, pelas consequências desastrosas que dela redundam à família e à sociedade. Rebaixar o contrato matrimonial à condição de um contrato civil, é renunciar à família transfigurada pela pureza do Evangelho, para restabelecer em seu lugar a família pagã, a família afogada no sensualismo. Tirai o Sacramento, tirai a graça, tirai Deus; baseai a família numa simples escritura de tabelião; entregai a vossa família a um homem por um simples escrito de venda, como se faz com um lote de gado, ou com uma partida de fazendas; quem suavizará a esta pobre infeliz os diuturnos incômodos da gravidez, as dores cruciantes do parto, os contínuos desvelos, trabalhos e os consumos com a amamentação, educação, instrução e guarda de seus filhos?
Quem dará conforto a este pai, que curvará a fronte ao peso de tantas e tão dolorosas apreensões no duro encargo de sustentar uma numerosa família? Quem guardará o leito conjugal de abomináveis profanações? Quem moderará a acre excitação de paixões tão impacientes de freio? Quem dará ao amor, tão impetuoso como o vento, tão inconstante como ele, essa forte e suave têmpera que o faz resistir, puro e fiel, a prolongadas ausências, a graves enfermidades, a desastres de fortuna, a abandono cruéis? Se com a graça dos Sacramentos; se com juramentos sagrados, feitos em face dos altares; se com o temor de Deus vivo e atuando nas consciências, tantas misérias se deploram no recinto dos lares; quanto mais, sacudido o jugo de Jesus Cristo, e tornada a família uma simples associação natural, uma coisa toda civil, sem base na Religião?
Quem porá um dique ao transbordamento dos divórcios? Um contrato como se faz, assim se desfaz. Não haverá mais mãos a medir à imoralidade, e a família se dissolverá na infrene desordem das especulações mais torpes.10
Deus nos livre desta pestífera importação do casamento civil,11 que não é mais que imoral mancebia acobertada de uma capa de legalidade. O Matrimônio, torno a repetir, é por sua natureza santo e divino; santo e divino na sua origem, pois o próprio Deus foi que o estabeleceu desde o princípio, e depois Jesus Cristo, Filho de Deus, revocou-o a sua primitiva pureza e fez dele um Sacramento; santo e divino no seu fim, que é procriar entes imortais, feitos à imagem e semelhança do Criador; santo e divino, enfim, nos bens que produz, a saber, a boa educação da prole, a fidelidade conjugal, a união perpétua e o vínculo sacramental dos cônjuges. Por isso, é este estado em tudo e por tudo digno de respeito e honra, como diz São Paulo.
Esta é a verdadeira doutrina. Em todos os séculos a Igreja Católica a manteve sempre inviolável. Em vão atacaram a santidade do Matrimônio uns chamados ilustrados ou Gnósticos, os Maniqueus, Simão Mago e outros hereges, na antiguidade; em vão, nos tempos modernos, Lutero, Calvino e os inovadores Protestantes, negaram o Sacramento do Matrimônio, e sustentaram, o mesmo Lutero e alguns mais, ser lícito ter ao mesmo tempo mais de uma mulher;12 em vão a impiedade de nossos dias quer despojar o Matrimônio de todo o seu caráter sagrado, e rebaixá-lo ao nível de um simples contrato, como outro qualquer; a verdadeira Igreja de Jesus Cristo condenou e condena tais aberrações; sustentou e sustentará sempre, ainda contra pretensões de Reis poderosos, como o devasso e cruel Henrique VIII da Inglaterra, a santidade e indissolubilidade do laço conjugal.
IV
A dignidade e excelência do Matrimônio Cristão transparecem também admiravelmente nas cerimônias com que a mesma Santa Igreja previne e acompanha a celebração deste ato importante da vida do homem.
O uso dos esponsais ou desposórios, tomado à antiguidade, tem por fundamento dar aos futuros esposos tempo de se conhecerem antes de se unirem. Esta promessa mútua de futuro Matrimônio, estipulada com seriedade perante a família, e algumas vezes rodeada de certas solenidades, de várias cerimônias e festas graciosas, segundo os diversos costumes dos povos, é como o pórtico por onde entram os nubentes no templo da vida conjugal. Moldados pelo tipo dos castos desposórios de Jacó e Raquel, na antiga Aliança, de Maria e José na nova, os esponsais cristãos, nada apresentam que não seja puro, elevado e digno.
Depois dos esponsais segue o pregão dos banhos, salutar medida que assegura a celebração do Matrimônio a necessária publicidade. O ato que funda uma família, deve ser, com efeito, bem conhecido da sociedade, não só para evitarem-se uniões clandestinas, mas ainda para que se possam descobrir os impedimentos canônicos que por ventura se deem entre os contraentes. Enfim, chega o dia aprazado para o solene recebimento dos noivos.
Depois de terem purificado sua consciência no banho sagrado da Penitência, depois de terem nutrido suas almas com o Maná dos Anjos, ei-los que entram cheios de mocidade, revestidos de encantadora modéstia, frementes de indizível emoção, no augusto santuário do Deus vivo. O jovem esposo compreende que vai fazer um ato sublime, constituindo-se chefe de uma família, a cujo bem deve dedicar-se até à morte. O ente gracioso e débil que para ele pendeu procurando apoio, ali, perante o altar, na presença de Deus, mais profundamente sente quanto precisa das celestes bênçãos para um enlace que decide de todo o seu porvir.
Em ambos a ideia do dever substitui a do prazer. O Sacerdote, Ministro do Altíssimo, revestido com seus hábitos sagrados, une-lhes as destras, e recobrindo-as com a alva estola, fá-los pronunciar a palavra solene que os liga um ao outro com vínculo que só a morte pode quebrar. Esta palavra irrevogável é ouvida por Deus, que ali está presente, pelos Anjos, que O rodeiam e O adoram, pela Igreja e pela sociedade inteira, ali representados no Sacerdote e nas testemunhas. O Matrimônio que acabam de contrair é ratificado e confirmado pela palavra sacerdotal em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e algumas gotas da água sagrada simbolizam a purificação das almas pela divina graça. Segue-se a cerimônia do anel, antigo uso mantido pela Igreja, sinal significativo ainda do laço indissolúvel que une dois corações puros. O Sacerdote, benze primeiro o anel, dirigindo a Deus a seguinte e comovente súplica: “Dignai-Vos, Senhor, abençoar este anel que em Vosso nome abençoo, para que aquela que o trouxer, guardando inteira fidelidade a seu esposo, permaneça na Vossa paz e em Vossa bondade, e viva para sempre em amor recíproco”. Depois do que, entregando ao esposo o anel consagrado, este o passa ao dedo da esposa, como uma recordação do sacrossanto empenho que acabam de contrair.
Mas o homem é débil caniço açoitado pelos ventos; é-lhe necessário o apoio do alto, para não dobrar-se ao peso de tão graves obrigações. Por isso, o Sacerdote augusto ora, com os olhos levantados para o Céu. Como são cheias de divina unção as palavras que ele profere diante da Majestade de Deus, sobre os nubentes ajoelhados! Que poesia sublime nesta bênção, em que se sente passar como um sopro saudoso dos tempos patriarcais!
“Senhor” (diz o Ministro sagrado), “assisti propício às nossas súplicas e à instituição com que por disposição Vossa se propaga o gênero humano, para que esta união que em Vós tem seu princípio, por Vossos auxílios se conserve. Nós vo-lo pedimos por Jesus Cristo, Vosso Filho, Nosso Senhor.
Ó Deus que, por Vosso poder soberano, tirastes tudo do nada, e, depois de ter criado o homem à Vossa imagem, lhe unistes tão inseparavelmente a sua companheira, que o corpo de sua esposa foi produzido da substância mesma do homem, para lhe ensinar que jamais lhe será lícito separar o que, segundo Vossa bondade e instituição, foi só um desde a origem; Deus, que excelente, que a aliança nupcial representa a união sagrada de Jesus Cristo com a Igreja; Deus, por quem a mulher é unida ao homem; Vós que destes a esta sociedade, que é a principal de todas, uma bênção de tal caráter, que nem a punição do Pecado Original, nem o castigo do gênero humano pelo Dilúvio, puderam destruir; olhai com bondade para a Vossa serva, aqui presente, que, no momento de ser unida ao seu esposo, convém ser fortificada com o socorro de Vossa proteção. Qu o jugo que ela recebe seja para ela um jugo de amor e de paz; fiel e casta se case em Jesus Cristo, e seja imitadora das Santas mulheres! Seja amável para seu marido, como Raquel; boa e prudente como Rebeca; goze de uma longa vida, e sempre fiel como Sara; que jamais haja em suas ações, coisa alguma que venha do autor do pecado! Conserve-se sempre ligada fortemente à fé e aos Mandamentos; unida inseparavelmente a seu único esposo, prive-se de tudo o que é proibido; corrija sua fraqueza natural pela severidade da vida; seja digna de respeito pela sua doce gravidade, venerável pelo seu pudor; seja adornada de doutrinas celestes; obtenha de Vós uma feliz fecundidade; seja sempre inocente e pura, a fim de que possa chegar ao repouso dos bem-aventurados e ao reino dos Céus. E que ambos vejam um dia os filhos de seus filhos até a terceira e quarta geração, e cheguem assim a uma venturosa velhice. Nós vo-lo pedimos pelo mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo Vosso Filho.
O Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó seja convosco, e Ele mesmo torne completa a sua bênção em vós, para que vejais os filhos de vossos filhos em dilatados anos, e depois logreis a vida eterna, sem fim; ajudando-vos Nosso Senhor Jesus Cristo, que com o Pai e o Espírito Santo vive e reina por todos os séculos dos séculos. Amém.”
Que elevação e que beleza! Com razão observa Chateaubriand, que “nos antigos o hymeneu era uma cerimônia de escândalos e folias, que não ensinava nenhum dos graves pensamentos suscitados pelo casamento, e que só o Cristianismo lhe restabeleceu a dignidade”. Sob a ação desta bênção do Altíssimo e da graça Sacramental, poderia ser impossível ou difícil a duas almas jovens unidas por mútuo amor, levantarem os olhares para o Céu e dizerem a Deus, num ímpeto de profundo afeto, com o jovem Tobias: “E agora, Senhor, Vós sabeis que não é por impulso de vil paixão que me uno hoje em Matrimônio, mas unicamente no desejo de procriar e educar filhos que bendigam Vosso Nome por toda a eternidade!?”13
“Estes sentimentos tão árduos, tão superiores à simples natureza” (diz o sábio Liberatori), “se elevam sem dificuldade em todo aquele que, ao casar-se é fortificado pela graça do Sacramento, e forma este sagrado vínculo na casa do Senhor, entre as bênçãos sacerdotais, no meio das expiações e da oferenda de um Sacrifício em que o Filho de Deus se imola por nós como Vítima propiciatória, como o preço superabundante de preciosíssimas graças!
Ide agora, separai o contrato matrimonial da ideia religiosa! Fazei que ele não passe de um ato natural, quando Deus, quando a Igreja, o enobreceram deste modo, quando o tornaram tão sublime, quase divino! Que porá o Estado, a sociedade civil, em lugar destes ritos sacrossantos, desta proteção poderosa, destes auxílios tão eficazes? Ao Sacerdote substituirá um empregado público; à influência da graça, o fraco prestígio da lei; às orações sagradas, ao Augusto Sacrifício da Igreja, um opíparo banquete e alusões equívocas dos convivas. Em lugar do Deus dos Cristãos, tereis o Hymem dos Gentios, em lugar do Filho de Maria, o filho de Vênus!” Não, não; queremos o Matrimônio-Sacramento. Nele, como diz um grande escritor, e só nele os esposos cristãos vivem, e morrem juntos; juntos criam os frutos de seu consórcio; ao pó se volvem juntos, e juntos revivem além das raias do sepulcro.
Fonte: D. Antônio de Macedo Costa, “O Livro da Família” – ou Explicação dos Deveres Domésticos Segundo as Normas da Razão e do Cristianismo, Oferecido aos seus Diocesanos, Cap. 1, pp. 9-22. 1879.
_____________________________
1. Sermons de S. Alphonse de Liguori, Analyses, commentaires, exposé du système de sa prédication, par le R.P. Basile Braeckman, de la Congrégation du T. S. Rédempteur, Tome Second. Jules de Meester-Imrimeur-Éditeur, Roulers, pp. 464-472.
2. Psalm. 18.
3. Genes. II, 18.
4. Ibid. 23.
5. Ibid. 23.
6. Ephes. V, 25-26.
7. Ibid. 30 e seg.
8. Sess. XXIV, De Sacram. Matr. In Cap. I.
9. Syllabus, nn. LXVI, LXXIII.
10. Onde cessou o Matrimônio-Sacramento, começou a licença do divórcio propriamente dito e a poligamia. Desde o século passado, queixas sérias se levantaram no parlamento Inglês contra a facilidade concedida aos divórcios, dando em resultado multiplicar os adultérios. Nos Estados Unidos viu-se a Confederação forçada a dissolver por ano obra de 5.000 casamentos, por uma população de 24.000.000 de habitantes; e por conseguinte 10.000 pessoas recebem ali do Estado o direito de viver em adultério legal. Há Seitas, como os Mórmons, praticando largamente a poligamia. Não falamos da Prússia, em que o número dos divórcios se eleva a proporções fabulosas. Em França, quando esteve mais sob a ação da Revolução, que introduziu o casamento civil, chegou a desordem a excessos tão horroroso, que não se podia mais distinguir o casamento de concubinato e do incesto. De la Révolution, par Onclair, cap. II, pág. 306.
As modernas estatísticas, com meio século de intervalo não tem feito senão patentear de maneira assustadora o agravamento desse mal denunciado pelo autor. Só em França, chegou a quarta Câmara Civil a pronunciar de uma feita, em sessão de quatro horas, pouco mais de um divórcio por minuto!
Nota de V. de M.
11. Escrevia o autor antes de haver sido decretado entre nós pelo Governo provisório o casamento civil. (D. De 24 de Janeiro de 1890). Nota de V. de M.
12. Lutero e Melanchthon, Chefes do Protestantismo, deram dispensa ao Landgrave d’Hesse para casar-se com segunda mulher, estando a primeira ainda viva. Caso virgem no Cristianismo, pondera gravemente Bossuet.
13. Tob. VIII, 9.
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