Para contemplar com amor e ternura o nascimento de Jesus Cristo, devemos pedir ao Senhor o dom de uma fé viva. Se entramos sem fé na gruta de Belém, teremos apenas sentimentos de piedade. Aqui a fé deve ser o nosso guia e o nosso archote: com ela veremos e admiraremos; esperaremos e seremos cumulados de bens; amaremos e nosso coração dilatar-se-á.1 A fé nos conduzirá à confiança, a confiança ao amor, e o amor nos introduzirá no Coração de Jesus.
Todo Mistério exige nossa fé, mas principalmente o Mistério da Encarnação; porque, admitido este, todos os outros tornam-se críveis pela palavra mesma do Verbo Encarnado.
Entremos na gruta, mas entremos esclarecidos pela viva luz da fé; sem ela que veríamos? Um nascimento em tudo ordinário. Mas com a fé veremos este Menino novo que Deus devia criar,2 tendo um Coração novo, delícias do Paraíso, objeto dos afetos e complacências do Pai celeste.
O homem privado da fé não veria no presépio senão um menino como qualquer outro; o cristão vê ali o Verbo feito carne,3 tendo um Coração de carne como o nosso, mas animado pelo amor eterno que o fez descer sobre a terra para atrair o homem para Deus; vê ali o Filho único de Deus, igual a seu Pai, eterno como seu Pai, onipotente como seu Pai, imenso, sábio, feliz, soberano Senhor do Céu e da terra, dos Anjos e dos homens, mas que, para dar seu Coração ao homem e para o resgatar, abateu-se até tomar a forma de servo, revestindo-se de carne humana. Ah! Se a fé não nos desse certeza disto, quem creria em tal prodígio!
Sem o olho da fé, não veríamos neste berço de palha senão um menino estranho, que nada tem de comum conosco; mas tendo a fé por guia, veremos nele um irmão muito amado. Ó homem, considera este prodígio, exclama Santo Agostinho, eis que teu Deus tornou-se teu irmão! Ele se fez filho de Adão como tu; não dedignou-se de tomar olhos, mãos, pés, enfim, um Coração de carne, semelhantes aos teus. Ó excesso de amor divino! Estando mortas para a graça, todas as almas às quais, impossível era renascer por suas forças só para a vida, o Filho de Deus, movido pelas entranhas de sua misericórdia, desceu do Céu para ressuscitá-las. Mas, Senhor, pergunta Jó, que é o homem, este ser desprezível, tão ingrato para Convosco; que é o homem para que o torneis tão grande, honrando-o e amando-o deste modo?4 Dizei-me, ó meu Deus, que Vos importam a salvação e a felicidade do homem? Porque lhe sois tão apegado, que vosso Coração não parece ocupado senão em o amar e o tornar feliz?
Sem a fé, que veríamos ainda em Belém? Um menino que não tem o uso algum de suas faculdades, incapaz de nos conhecer e amar. Mas, que nos diz a fé? Ela nos diz, que Jesus, desde o primeiro instante de sua vida, teve o perfeito uso da razão, o espírito dotado de inteligência divina para nos conhecer, e o Coração cheio de amor divino para nos amar. Assim, as lágrimas de Jesus Menino foram muito diferentes das dos outros meninos: estes choram de dor, ao passo que Jesus chorava de compaixão e amor para conosco. Assim também, ao sugar leite dos seios de Maria, fazia-O para nutrir o Corpo que Ele queria nos dar em sustento na Santa Comunhão; então, Ele pensava em converter esse leite em seu Sangue para o derramar na sua Morte e oferecê-lO como preço de nossa redenção. Ó Deus amantíssimo, Vós pensáveis então em mim, como em mim havíeis pensado desde toda a eternidade.
Sem a fé, enfim, Jesus seria para nós o que Ele é, ai! Para muitos, um Deus desconhecido. Entremos então na gruta com fé viva, e vejamos na lapinha, sobre uma pouca de palha, este tenro Menino que chora. Ah! Como Ele é belo! Que amor inspira! Seus olhos lançam dardos de fogo nos corações daqueles que O desejam; seus vagidos são chamas que penetram os corações que O amam! O presépio, a palha, tudo nos clama: Amor ao Deus Menino, que nos traz seu Coração!
Prática
Do fundo do meu coração direi: Creio firmemente que o Filho de Deus se fez homem, que o Evangelho é sua palavra, que a Igreja é sua obra, que o Papa é seu Vigário infalível. Creio, pois, tudo o que a Igreja manda crer; rejeito tudo o que Ela reprova.
Afetos e Súplicas
Terno e amável Menino, embora eu Vos veja tão pobre nesta palha, reconheço-Vos e adoro-Vos como meu Senhor e meu Criador. Compreendo o que Vos reduziu a tão miserável estado: é vosso Coração, é vosso amor para comigo. Ó meu Jesus, quando, após isto, penso no modo pelo qual Vos tratei no passado, nas injúrias que Vos fiz, espanto-me de que tenhais podido suportar-me. Ah! Malditos pecados, que tendes feito? Enchestes de amargura o Coração de um tão bom Senhor! Por piedade, caro Salvador meu, pelos padecimentos que sofrestes e pelas lágrimas que derramastes no presépio de Belém, dai-me tão grande dor, que me faça chorar toda a minha vida os desgostos que Vos causei. Abrasai-me de amor para Convosco, mas de amor tal que compense todos os meus crimes contra Vós. Eu vos amo, terno Salvador meu, eu Vos amo, ó Deus feito menino por mim! Eu Vos amo, meu amor, minha vida, meu tudo! Prometo-Vos não amar de agora em diante senão a Vós. Ajudai-me com vossa graça, sem a qual nada posso. Ó Maria, minha esperança, do Coração de vosso divino Filho alcançais tudo o que quereis: rogai-Lhe que me conceda seu santo amor. Minha Mãe, atendei-me.
Oração Jaculatória
Ó Coração adorável, iluminai aqueles que não Vos conhecem.
Exemplo
Mostrava-se em Nápoles pela festa do Natal de 1641, um presépio de curioso artifício, e entre o grande movimento de gente que entrava na igreja, levado parte pela devoção, parte pela curiosidade, chegou-se também um escravo turco, que estava mais distraído apascentando os olhos somente no material daquele objeto cuja piedade ignorava. E quando chegou a colocar os olhos na formosura do Menino Deus deitadinho nas suas palhas, e ladeado de dois rudes animais, reparou que o Menino olhava para ele com um sorriso em Seu semblante, e estendendo a Sua mãozinha para fora das faixas, lhe acenava com o dedo indicador. Duvidou a princípio se era verdade o que via, mas o Menino o tirou da perplexidade, chamando-o com voz clara e distinta. Veio, enfim, assustado e tremendo; e o Menino acrescentando favores por cima de favores, e maravilhas sobre maravilhas, fez o ofício de Catequista e lhe ensinou em poucas palavras os rudimentos da Fé, e lhe disse que se batizasse, porque brevemente estaria em Sua companhia no Céu. Como podia a palavra de tal Senhor não ser eficaz e poderosa? Pediu logo, o escravo turco, o Sacramento do Batismo, para se fazer verdadeiramente livre e filho de Deus. E como tivera tão Bom Mestre, se achou instruído para O receber. Seguiu-se-lhe uma doença, na qual pediu o Sagrado Viático, confessando que não podia morrer sem que primeiro O recebesse. E tanto que entrou o Senhor em seu peito, logo saiu aquela ditosa alma do seu corpo, a tomar posse pacífica do inefável bem que lhe fora prometido.
Fonte: O Sagrado Coração de Jesus, segundo Santo Afonso de Ligório, ou, Meditações para o Mês do Sagrado Coração, a Hora Santa e a Primeira Sexta-feira do Mês; coligidas das Obras do Santo Doutor pelo Padre Saint-Omer, C.Ss.R., 1ª Parte, “Belém”, pp. 30-34. 5ª Edição Portuguesa, Tipografia de Frederico Pustet, Impressores da Santa Sé. Ratisbona/Alemanha, 1926.
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1Is., 60, 5.
2Jer., 31, 32.
3Jo., 1, 14.
4Jó 7, 17.
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