Aproximava-se o dia em que a Virgem daria à luz o Salvador do mundo. Continuava Ela a viver com São José em Nazaré e não pensava em dirigir-se a outro lugar.
O Messias, porém, não devia nascer em Nazaré, mas em Belém, capital da tribo de Judá; e o Senhor serviu-se do Imperador romano, César Augusto, para realizar a profecia de Miquéias: “Belém… de ti nascerá o que será dominador em Israel”.
Efetivamente, diz o Evangelho que, aproximando-se o tempo em que devia nascer o Messias, o Imperador publicou em edito, ordenando a todos os chefes de família registrarem-se em suas próprias cidades.
José e Maria, sendo ambos descendentes do rei Davi, tiveram de dirigir-se a Belém para cumprir, com esse ato de obediência a César, os grandes desígnios do Rei do Céu, que desejava nascer na cidade de Davi, como fora predito e, calcar aos pés, ao nascer, a soberba do mundo com a mais profunda abjeção. Quão admirável é a Providência que, para seus santíssimos objetivos, serve-se algumas vezes de acontecimentos que parecem inteiramente estranhos e até contrários!
São José suportou com grande pesar a necessidade dessa viagem que expunha a muitos incômodos a sua Esposa, no rigor do inverno, por caminhos difíceis e infestados por numerosos inimigos. Mas não abriu os lábios; no edito de César, reconheceu a vontade de Deus e, com admirável resignação, não pensou senão em obedecer. A desobediência de Adão afastava os homens de Deus e a heroica obediência de José e de Maria devia preparar o caminho para o Salvador do mundo.
“Os Santos Viajantes caminhavam, diz Ágreda, guiados pelo Eterno Pai, levando consigo o Tesouro do Céu; a corte celeste O venerava, as criaturas insensíveis reconheciam em Maria a Arca viva do Testamento, e milhares de Anjos os acompanhavam. Foram grandes as delícias e favores concedidos por Deus a São José e a Maria Santíssima naquela viagem. Maiores, porém, foram os aborrecimentos e penas que tiveram de suportar”.
Durante a viagem, falavam certamente do Messias, então único objeto de seus pensamentos, esperanças e amor. Com esses santos entretenimentos aliviavam a fadiga da viagem e antecipavam a consolação de ver o Verbo feito carne e gozar a sua amabilíssima presença.
Exclama a Bem-aventurada Verônica de Binasco: “Feliz o viandante que pode encontrar-se com Maria e José no caminho de Belém, e pode ver a Virgem-Mãe toda radiante de divina beleza; que pode contemplar o Esposo, caminhando a seu lado, completamente absorto em celestes pensamentos! Bem-aventurado quem saudou no caminho aos Santos viajantes e lhes pode prestar algum serviço!”
Chegados a Belém, após uma fatigante viagem de quase cinco dias, o primeiro cuidado de José foi o de apresentar-se ao pro-cônsul romano, para inscrever-se como estava ordenado no edito imperial. Depois, foi procurar alojamento para passarem a noite. A cidade estava cheia de gente e os ricos ocupavam as estalagens.
Em Belém, José e Maria tinham decerto parentes, e é provável que se tenham dirigido primeiro a eles, mas, por serem pobres, ninguém quis recebê-Los. Ao pedirem alojamento, ouviram responder: Não há mais lugar. Para José e Maria não houve lugar nem nas estalagens públicas, e assim se cumpriu à risca a passagem do Evangelho que diz: “O Filho de Deus veio para o que era seu, e os seus não O receberam”.
Mas, também, entre tantas penas e dores, São José não perdeu a sua paciência; nem uma censura aos belemitas que o repeliam com tanta dureza; nem um pensamento de queixa sobre a ambição de César, causa de tantas penas. O Santo achava-se de alma firme na vontade de Deus e, superando todos os acontecimentos humanos que lhe causavam tantas tribulações, resignou-se perfeitamente ao divino beneplácito.
Perdida a esperança de encontrar alojamento em Belém, confiaram-se à Divina Providência; saíram em busca de um refúgio qualquer fora da cidade e, após longo caminho, achavam-no em campo aberto, na encosta de um monte e entraram para passar a noite.
Era uma espécie de estrebaria; servia de refúgio aos pastores e seus rebanhos em ocasiões de chuvas e nas noites de inverno.*
* Assim descreve Schouppe a cidade de Belém e a gruta onde nasceu Jesus:
“Belém, berço de Jesus!” O doce nome de Belém é uma luz que nos mostra o Filho de Deus em sua humilde manjedoura, tendo ao lado Maria e José, augustos confidentes de seus Mistérios. Dezenove séculos se passaram e Belém está sempre ali, como sempre foi, apresentando ainda aos olhos do peregrino o mesmo aspecto que ofereceu aos olhos de José e de Maria: testemunho imperecível do Nascimento do Cristo, Belém nos repete todos os detalhes da Infância de Jesus, tão preciosos ao coração de quem possui fé.
A ilustre cidade de Judá se acha duas léguas ao sul de Jerusalém. Partindo desta cidade, o viajante percorre uma estrada rica em santas memórias. O campo semeado de verdejantes oliveiras, é doce e sorridente. De repente, encontra-se a torre de Simeão; ou seja, as ruínas de uma antiga casa onde habitava o velho Simeão, que recebeu nos braços o Menino Jesus. Um pouco adiante, vê-se uma árvore, venerada pelos peregrinos porque, segundo a antiga tradição, ao passarem Maria e José por aquele lugar no dia da Purificação, inclinou os ramos em respeito à Sagrada Família. Um terceiro monumento logo se apresenta, e é o poço dos reis, porque se julga que, ao chegarem ali, os Reis Magos viram reaparecer a estrela que os guiavam. Um quarto objeto é um rochedo, chamado rochedo de Elias, porque ali repousou o Profeta. Do alto desse rochedo, vê-se, de um lado Belém, onde nasceu o Salvador, de outro, Jerusalém, onde morreu crucificado, e o monte das Oliveiras, de onde subiu ao Céu.
Ao aproximar-se da cidade santa, sobre as colinas próximas da entrada, vê-se um túmulo entre as ruínas. É o túmulo de Raquel, de cuja profundidade se ergueu o lamentável clamor, de que fala São Mateus, por ocasião da mortandade dos Inocentes: “Ouviu-se uma voz nas alturas: prantos e grandes gemidos; é Raquel que chora seus filhos e recusa toda consolação, porque já não existem”. Antes de entrar na cidade, observam-se grutas e pobres habitações que servem de moradia aos pastores. A essa vista, diz o peregrino: Eis as grutas e estábulos, entre os quais José e Maria escolheram o abrigo a que chamamos “Gruta de Belém”.
A pouca distância da cidade, apresenta-se aos olhos um antigo mosteiro e, ao lado, a majestosa igreja da Natividade, que contém em seu recinto a Sagrada Gruta onde nasceu Jesus. A Igreja é vasta e bela, mas o que interessa é o lugar onde nasceu o Filho de Deus. Sob o altar, encontra-se o lugar onde Maria e José se encerraram depois de haver procurado em vão um abrigo junto aos belemitas. Eis, portanto, o estábulo de Belém! É uma cavidade rústica, transformada em magnífica capela, toda revestida de mármores preciosos, e iluminada noite e dia por 32 lâmpadas, devidas à magnanimidade dos príncipes cristãos. Mede 11 metros de comprimento por 4 de largura e pouco menos de altura.
No fundo, acha-se o lugar onde a Virgem deu à luz o Verbo Encarnado. Ali se percebe um mármore branco sobre o qual resplandece uma grande estrela de prata, ornada de pedras preciosas, com a seguinte inscrição: “Hic de Virgine Maria Jesus Christus natus est”. Aqui, da Virgem Maria, nasceu Jesus Cristo. Ao ver isso, os peregrinos se prostram a beijar e inundar com lágrimas a terra santificada por esses inefáveis Mistérios. Então, diz São Jerônimo, a língua emudece e só o coração fala com suspiros de amor e lágrimas de devoção. Sobre o Sagrado lugar indicado pela estrela, acha-se uma mesa de mármore que serve de altar, e, alguns passos adiante, vê-se um berço de mármore figurando o verdadeiro berço de madeira, o Santo Presépio, que se conserva em Roma na Basílica de Santa Maria Maior.
Se o devoto peregrino, após ter extravasado seu coração diante do Presépio, volta para trás o olhar, vê um altar, que indica o lugar onde os Reis Magos, conduzidos pela estrela até a Gruta de Belém, e tendo achado o celeste Menino, prostrados O adoraram, oferecendo-Lhe os seus dons. Junto à Gruta, existe outra capela subterrânea, na qual, segundo a tradição, foram lançados os corpos dos Santos Inocentes, mortos por ordem do hipócrita Herodes.
Ali nascerá o Criador do mundo, o Rei dos séculos, o Salvador dos homens. Assim quis Deus, assim foi predito pelos Profetas; seja sempre feita a vontade de Deus.
Mas onde acomodarão Maria e José o Infante por nascer? Como O defenderão do frio? Com que O aquecerão?… Também a isso Deus providenciará.
Eis uma manjedoura (comedouro) para os animais: será o seu berço. Um boi e um jumento aquecê-lO-ão com o seu hálito.
Aproximava-se o instante do grande Nascimento. Nenhum rumor externo perturbava a quietude da meia-noite.José e Maria, prostrados na mais profunda reverência, achavam-se absortos na contemplação do grande Mistério que estava para realizar-se.
De repente, um improviso esplendor ilumina a mísera choupana, mais do que se fosse iluminada por uma centena de sóis; enche-a uma melodia toda celestial; a tenebrosa caverna é transformada em um Paraíso ao aparecimento do Sol de Justiça.
Nasceu o Salvador do mundo.
Era, segundo se crê, a meia-noite de 25 de dezembro, do ano quatro mil da criação do mundo e 747 de Roma.
José não pode conter a alegria que lhe inunda o Coração. Ajoelhado diante do Menino, adora-O, fala-Lhe mais com o Coração que com os lábios; depois, envolve-O em faixas e O coloca na manjedoura.*
Recorda-nos uma piedosa tradição que, no momento exato em que o Menino abriu os olhos à luz, a Virgem Maria, cingida por uma auréola dourado, apareceu ao imperador Augusto. Este, em memória de tal acontecimento, mandou erigir no Capitólio um altar, por ele chamado ARA COELI. Esta visão é confirmada por muitos historiadores, e em Roma, no templo chamado de Sancta Maria in Ara Coeli, conserva-se, sob o túmulo de Helena, um altar, a cujos lados se acha esculpida a figura da Mãe de Deus tendo no braço o Menino, radiante como o sol, altar que se julga mandado erigir por Augusto.
Diz São Bernardo: “Nenhuma língua humana seria capaz de descrever os sentimentos de São José junto ao Menino Jesus e nem um Anjo poderia dizer a felicidade do Santo Patriarca, quando Maria, desejando tornar menos rude o lugar de repouso do Divino Menino, colocou-O nos braços de São José. Ele O recebeu, de joelhos em terra, das mãos da Augusta Virgem, estreitou-O ao Coração com inexprimível amor e respeito, banhou-O de lágrimas, cobriu-O de beijos, ofereceu-O ao Eterno Pai como resgate de seu povo, esperança e alegria de Israel”.
Oh! Quanto se julgou venturoso o humilde filho de Davi! Mais rico que seus antepassados, possuía, no meio de tanta pobreza, o mais precioso Tesouro do Céu; sua glória eclipsava toda a de sua estirpe. Podia contemplar com seus olhos, apertar ao Coração Aquele Emanuel, que Davi saudava de longe, com acentos proféticos, como seu Senhor e seu Deus.
Em meio a tantas consolações espirituais, não faltaram ao Coração de José espinhos pungentíssimos. Que pesar experimentou, ao contemplar os delicados Membros envoltos em pobres panos, expostos ao frio, jazendo na palha! Mas esses penosos pensamentos se transformaram em santa resignação ao Divino beneplácito; e também essa prova, que lhe devia ser bastante penosa, tornou-lhe a alma ainda mais livre e mais santa.
De certo que o Menino se achava mais satisfeito entre os braços de um Pai tão Santo, que em um berço guarnecido de ouro e prata. Na falta de tanto aparato exterior, São José prodigalizava ao Menino os mais vivos afetos de coração; e em tais incumbências, diz Gerson, a graça cresceu imensamente em seu Coração pelas carícias feitas ao Santo Menino e pelas que recebeu em correspondência.
Exclama São Francisco de Sales: “Grande Deus, que coração bom e reto não possuía São José, se o Senhor o cumulou de tantos favores, confiando a seu amor e cuidados a Mãe e o Filho! Assim o tornou certamente objeto digno de inveja perante o Céu e os Anjos, pois não se encontra criatura alguma, nem na terra nem no Céu, que seja comparável à Rainha dos Anjos. Peçamos a este casto Santo, que acariciou e serviu com tanto afeto ao nosso Divino Salvador, faça-nos participantes de sua santa ternura, que tanto se alegra em desapegar-nos o coração das afeições terrenas e em nos fazer crescer no amor a Jesus Cristo. E quando contemplamos a Jesus entre os braços do Santo Patriarca, a Ele supliquemos que nos conceda, pelos seus méritos todas as graças de que necessitamos. Viva Jesus, viva Maria, viva São José, pai adotivo de nossa vida”.
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Fonte: Rev. Pe. Tarcísio M. Ravina, da Pia Sociedade de São Paulo, São José – na Vida de Jesus Cristo, na Vida da Igreja, no Antigo Testamento, no Ensino dos Papas, na Devoção dos Fiéis e nas Manifestações Milagrosas; 1ª Parte, pp. 51-58. Edições Paulinas, Recife, 1954.
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