7ª Parte
Segundo a sentença de Deuteronômio 22, 5: “A mulher não se vestirá de homem nem o homem se vestirá de mulher; porque aquele que tal faz é abominável diante de Deus”.1
O Doutor Angélico o confirma: “... em si mesmo, é pecaminoso uma mulher trazer trajes viris, ou inversamente…”.2
Mas, “o Mestre do bem pensar”3 em seguida, também ensinou: “Pode-se, porém, proceder desse modo e sem pecado, se o exigir a necessidade: quer para ocultar-se dos inimigos, quer por falta de outras roupagens, quer por outro motivo semelhante”.4
Seguindo os ensinamentos do “Doctor communis Ecclesiae”, houveram variados exemplos na História da Igreja, dos quais, publico os seguintes:
7º Exemplo
►►► O Extraordinário Caso de Maria Cassier ◄◄◄
*Transcrevo a seguir, um caso impressionante que, creio eu, agradará a muitos. Parece destoar dos exemplos precedentes, mas, com uma acuidada observação perceberemos que não.5
“Havia em Paris, um protestante que se chamava Francisco Cassier. Tinha este homem desposado uma boa católica, Madalena Olivier, de quem teve duas filhas. Queria ele convertê-las ao Protestantismo, mas a sua virtuosa mãe preservou-as sempre da apostasia; por isso tratava-as muito mal e tinha-lhes um ódio terrível. Em breve morreu Madalena Olivier. Resolveu, então, Francisco Cassier tentar agora de novo a conversão das duas órfãs, certamente com êxito.
Obrigou-as a vestir-se com trajes de homem e partiu com elas para Genebra. Um dia que estavam muito cansados do caminho longínquo e fatigante, pediram a seu pai licença para descansarem um pouco. O pai consentiu facilmente, e, cansado, sentou-se também.
Deitou-se em seguida sobre a relva e dormiu. Era num lugar solitário. As infelizes raparigas, despeitadas com os maus tratos que, desde há muito tempo, recebiam de seu pai, aproveitando-se do seu sono, mataram-no e esconderam o seu cadáver nuns matos próximos.
Depois deste horrível crime, saíram de França, sempre em trajes masculinos, e foram, em Milão, pôr-se ao serviço de Carlos II, rei de Espanha, a quem este ducado pertencia. As forças milanesas foram enviadas em guarnição a Messina, depois a Nápoles, de onde partiram numa expedição contra os bandidos que se tinham retirado para os Abruzos. As duas irmãs lutaram com denodo; tendo, porém, uma perecida na refrega, teve a outra o cuidado de sepultá-la, temendo que, sendo o cadáver desnudado, fosse reconhecido o sexo e descoberta a fraude. A que ficou incólume tomou o nome de Carlos Pimentel, por que era conhecida pelos camaradas. Depois da exterminação dos bandos dos salteadores, voltou a Nápoles, onde a esperava a Graça de Deus.
Estando um dia Carlos Pimentel de guarda ao lugar de Castelo-Novo, viu-a São Francisco de Jerônimo e fez-lhe sinal para se aproximar.
─ ‘Que me quererá aquele homem?’, dizia de si para consigo o soldado Carlos. ‘Não o conheço nem tenho nada que fazer com ele’.
Chamando-a de novo, Carlos foi ter com aquele estranho, o qual chamando-a à parte lhe disse:
─ ‘Muito queria que te confessasse’.
─ ‘Confessar-me!’, respondeu o soldado, ‘e por quê? Acaso cometi eu algum crime nefando? Não me conheço manchado de pecados’. E, dizendo isto, voltou bruscamente às costas.
O Santo embargou-lhe o passo, dizendo:
A estas palavras tão claras e inesperadas, o soldado, embaraçado, empalideceu e pôs-se a tremer dos pés à cabeça. Entretanto não se quis confessar:
─ ‘Mas Padre’, tornou após uns instantes de silêncio. ‘Não sei quem pôde dizer-vos tais mentiras’.
Depois refletindo que era preciso impedir o Padre de falar, prometeu ir confessar-se no dia seguinte a ele mesmo. O Santo esperou dois dias, mas inutilmente; foi então procurar o soldado rebelde à Graça. Tendo-o, após muitas fadigas, encontrado, diz-lhe:
─ ‘É assim que cumpres a palavra que me destes?’
─ ‘Padre, crede-me’, retorquiu o soldado, ‘eu não pude fazê-lo; de resto, é impossível confessar-me agora, porque, por ordem do vice-rei, vamos embarcar imediatamente; vamos para a Toscana’. O Santo refletiu algum tempo:
─ ‘Não, tu não partirás, disse por fim: ‘Jura-me, então, pelo Nome de Cristo que amanhã, logo pela manhãzinha, virás confessar-te. Não tenhas receio, porque eu tenho grande esperança de que Deus quer salvar-te’.
Efetivamente a ordem de marcha foi revogada para o dia predito pelo Santo, e o soldado dirigiu-se imediatamente à igreja de Gesú-Novo para cumprir a sua promessa. Quando o Padre o viu, estremeceu de alegria.
─ ‘Pois quê!’, diz ele, ‘querias escapar-te das mãos de Deus! É um Pai que te ama e que te quer para Si’.
Ouviu-o em seguida em confissão; dispô-lo a receber a absolvição nessa mesma manhã e fê-lo aproximar da Mesa Santa. O soldado passou este feliz dia na igreja, em exercícios de piedade. À tarde, conduziu-o a casa da marquesa de Santo Estêvão. Esta senhora, que era muito piedosa, acolheu-o de bom grado, mandando que retomasse os trajes do seu sexo e que tivesse o seu primeiro nome, Maria Cassier. Aí permaneceu durante quatro meses, estabelecendo-se por fim numa casa que lhe arranjou a marquesa.
Recebia seis ducados por mês, verba que o Santo lhe obteve da caixa militar, como pensão dos soldados inválidos.
Esta conversão tão extraordinária teve lugar no ano de 1688. Maria Cassier veio a morrer no ano de 1727 e, sob juramento, confirmou as particularidades da conversão para o Processo de Canonização do Santo. Permaneceu sempre nos bons sentimentos de humildade e arrependimento, chorando a sua falta e fazendo penitência…”.6
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1. Bíblia Sagrada – Traduzida da Vulgata Sixto-Clementina e anotada pelo Pe. Matos Soares, p. 222. 9ª Edição, Ed. Paulinas, 1957.
2. São Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, II-IIae. q. 169 a.2, ad 3.
3. São Paulo VI, Discurso pronunciado no Congresso Internacional Tomista, a 20 de abril de 1974.
4. São Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, II-IIae. q. 169 a.2, ad 3.
5. Nota do compilador.
6. Rev. Pe. Croiset, “Ano Cristão”, Vol. V, dia 11 de Maio, Festa de São Francisco de Jerônimo, pp. 158-168. Traduzido do Francês pelo Rev. Pe. Matos Soares, Porto, 1923.
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