Lutero, com igual audácia que impiedade, chegou a dizer que, se o ir ao Céu lhe custasse levantar do chão uma palha, não queria ir ao Céu: “Si Caelum (são palavras suas, ou, para melhor dizer, vômitos de suas entranhas danadas) apertum viderem, idque culmo stramineo de terra sublato mereri possem, culmum nequaquam vellem tollere”.1 Mas, é isto na verdade, o que Davi estranhava e repreendia no ímpio, dizendo: Que fingia trabalho na observância da Lei de Deus: “Fingis laborem in praecepto”. Porque este miserável não fingiu senão facilidade e tão leve como uma palha, e, ainda que a lâmpada de sua fé estava apagada mais do que a das virgens loucas, não representava consigo que ia bater às portas do Céu fechadas, como elas bateram: “Domine, Domine, aperi nobis”, senão que as via patentes: “Si caelum apertum viderem”, e nem ainda assim quis entrar por elas. E quê de dificuldades, quê de temores, quê de perigos, quê de remorsos, quê de desgraças lhe custou o ir ao Inferno? De sorte que para salvar-se, não queria nem levantar uma palha, e para perder-se meteu os punhos e os peitos ao remo, até rebentar; para ir ao Céu havia de ser, tendo uma mão sobre a outra; para servir ao Demônio, afogou-se, com obra e com obras das suas mãos, porque se pôs (como dizem muitos) o laço à garganta, qual outro Iscariotes. Eis aqui o jugo suave de Cristo rejeitado, e o peso intolerável do Demônio aceitado voluntariamente; eis aqui as trevas preferidas à luz.
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Fonte: Ven. Pe. Manuel Bernardes, “Nova Floresta”, Tom. I, Tit. V, Exemplo XXXII, Art. III, pp. 215-216. Ed. Liv. Lello & Irmão, Porto, 1949.
1. Apud Caramuel in sua Theologia fundamentali, fundamento 3, ratione 6, n. 216.
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