A Proteção da Santíssima Virgem1
Duas horas depois Dom Bosco saía do Oratório em companhia de um de seus alunos maiores. Ia à Consolata, a igreja preferida por sua mãe, para rezar Missa pelo repouso eterno da alma dessa humilde cristã, cuja abnegação escondida tinha-o livrado de tantas preocupações.
“E agora, – disse à Santíssima Virgem Consoladora, antes de deixar o seu Santuário – cabe a Vós ocupar o lugar que Mamãe deixou vazio. Em minha família é indispensável uma mãe. Quem poderá ser nossa mãe senão Vós? A Vós entrego todos os meus filhos. Velai sobre suas vidas e sobre suas almas agora e para sempre”.
Jamais no Céu se ratificou tão plenamente qualquer outro ato de abandono: toda a história das obras e das fundações de Dom Bosco, como iremos ver, não será mais que um longo poema composto por duas pessoas. O homem de Deus agirá, mas por detrás dele, na sombra, em cada curva perigosa hão de perceber um pensamento, uma inspiração, uma mão a se estender: o pensamento, a inspiração, a mão da Virgem toda bondade, pastora vigilante e forte, colocada nessa manhã de 25 de Novembro de 1856 à testa do numeroso rebanho para guardá-lo e defendê-lo.
Maria Auxílio dos Cristãos2
O povo cristão implora as graças por intermédio de Maria não só individualmente, mas nos grandes momentos da história; povos e nações inteiras recorrem a Nossa Senhora para pedir seu auxílio no meio de graves calamidades.
A península Ibérica foi invadida, no século VII, pelos árabes muçulmanos, ameaçando a Europa recém-convertida ao Cristianismo. Os povos ibéricos, espanhóis e portugueses, lutaram durante nove séculos até realizar a tão almejada reconquista. No início dessas lutas, em 722, Pelayo venceu os muçulmanos em Covadonga, invocando a Virgem Santa Maria, porque Ela é a Mãe da piedade e misericórdia. Quando, no século XV, se realizou a total libertação da Espanha, pelas batalhas em que se levaram as bandeiras com a imagem da Virgem Maria, construiu-se, em ação de graças, em Toledo, a igreja da Virgem da Vitória.
No século XV, os muçulmanos avançaram do Oriente contra a Europa, e, em 1453, derrubaram o império cristão de Bizâncio. Naquele perigo, o Papa convocou o povo cristão da Europa para uma Cruzada de defesa e, em 1456, em Belgrado, os cruzados, dirigidos pelo herói João Hunyadi e São João Capistrano, infligiram grave derrota aos turcos, invocando os nomes de Jesus e Maria.
No século XVI, foi ameaçador o domínio do Mediterrâneo pela força naval dos turcos. O Papa São Pio V conseguiu unir a Espanha com Veneza, sob o comando de João da Áustria, e, em 1571, no estreito de Lepanto, destruiu-se totalmente a força naval da Turquia. Durante a batalha, o Papa rezava, com toda sua corte, o rosário de Nossa Senhora. Depois da vitória, São Pio V mandou incluir na Ladainha Lauretana a invocação: Auxílio dos Cristãos.
Em 1683, as tropas turcas atacaram Viena, querendo penetrar na Europa cristã. O exército reunido dos países cristãos venceu os agressores com a bravura do rei da Polônia, João Sobieski. Depois da brilhante vitória, iniciou-se a libertação da Hungria da opressão muçulmana de 150 anos. Em gratidão pelo auxílio de Nossa Senhora, o Papa Inocêncio XI instituiu a festa do Santíssimo nome de Maria, no dia 12 de Setembro.
Napoleão Bonaparte deportou o Papa Pio VII de Roma, que ficou prisioneiro na França entre 1809 e 1814. Tendo experimentado o poderoso auxílio da Mãe de Deus, quando recuperou a liberdade, Pio VII decretou a celebração da festa com o título Auxílio dos Cristãos, no dia 24 de maio do ano litúrgico.
Em nosso século, atribulado por duas grandes guerras, o Papa Pio XII consagrou, a pedido de Nossa Senhora de Fátima, a humanidade inteira ao Coração Imaculado de Maria. Essa consagração foi renovada também pelo Santo Padre João Paulo II.
O culto de Maria sob essa invocação. Os fiéis passaram a depositar sua confiança no auxílio de Nossa Senhora, pois, instruídos pelos símbolos veterotestamentários de socorro ao povo ameaçado (Judite e Ester), os cristãos tinham a certeza de que a Virgem Maria ajudaria o povo em todas as suas necessidades. Não foram os Evangelhos que tinham inspirado essa confiança pelo episódio da visitação a Isabel, pelas Bodas de Caná e por sua caridade misericordiosa debaixo da Cruz?
O Papa Pio IX exaltou a figura de Maria quando promulgou o dogma da Imaculada Conceição3 com estas palavras: “Maria é fidelíssima auxiliadora e poderosíssima Mediadora e Reconciliadora de toda a terra junto a seu Filho Unigênito. É glória e ornamento, como também defesa firmíssima, e sempre venceu todas as heresias e libertou os povos e nações das máximas calamidades e perigos de todo gênero”.
A invocação Auxílio dos Cristãos, é a forma pública e social da mediação que a Santíssima Virgem exerce não só a favor de pessoas, instituições e países, mas também para o bem de toda a Igreja Católica e do Vigário de Cristo, o Papa, principalmente nos momentos mais trágicos da humanidade e nos períodos mais perturbados da Santa Igreja.
Na época em que a Igreja foi duramente atacada em suas instituições, sua doutrina e disciplina e, principalmente, na pessoa do Santo Padre, São João Bosco4 colocou a invocação Auxílio dos Cristãos, sob o título de Nossa Senhora Auxiliadora, no centro da espiritualidade de suas Congregações recém-fundadas. São João Bosco escolheu esse título de Maria, porque os novos tempos se tornaram tão difíceis, que a Igreja necessita da ajuda especial de Maria para defender e conservar a fé cristã.
A devoção salesiana a Nossa Senhora Auxiliadora reflete o profundo espírito católico devotado à Igreja Romana e ao Santo Padre. As duas Congregações religiosas de Dom Bosco são, pelo mundo todo, zelosas promotoras da devoção a Nossa Senhora Auxiliadora.
“Cunctas Haereses Sola Interemisti”5
“Vós sozinha, extinguistes todas as Heresias”
1) Tendo-nos a Mãe de Deus gerado com dores, ao pé da Cruz, como seus filhos, porventura, poderia Ela esquecer-se de nós, depois de sua gloriosa Assunção ao Céu? Por certo que não! Por isso, continua a exercer o seu Apostolado, de um modo incomparavelmente mais fecundo e poderoso do que qualquer outro Santo.
O Papa Leão XIII declara na sua Encíclica “Adjutricem”: “Depois da sua Assunção ao Céu, começou Maria, conforme os desígnios divinos, a velar sobre a Igreja e a prestar-nos seu auxílio materno de sorte que, dotada de um poder quase ilimitado, se tornasse a Dispensadora das Graças perenemente fluentes do Mistério de nossa Redenção, assim como Ela, outrora, também foi a Coadjutora na execução da Obra Redentora”.6
Sendo a Santíssima Virgem a Esposa do Divino Espírito Santo e a “Sede da Sabedoria”, se interessa, antes de tudo, pela conservação da integridade e genuidade da Doutrina Cristã, opondo-se a todos os erros e heresias que dilacerar pudessem a Instituição de seu Filho divino.
De fato, a Santa Igreja, reconhecendo a poderosa proteção da Mãe de Deus, canta na Festa da Anunciação: “Gaude Maria Virgo, cunctas haereses sola interemisti in universo mundo” – “Regozijai-vos, ó Virgem Maria, pois, Vós só, extinguistes todas as heresias em todo o mundo”!
À primeira vista parece estranha tal asserção. Porém, a Santa Igreja logo acrescenta a razão: “Porque acreditastes na palavra do Arcanjo Gabriel e, por isso, gerastes, qual Virgem, o Homem-Deus e, depois do parto, permanecestes Virgem ilibada”.
O sentido é este: A Encarnação do Verbo divino é o fundamento da Doutrina Cristã e da nossa fé. Foi a Virgem Maria que, antes de todos os demais, acreditou neste inefável Mistério, que o Filho de Deus se revestisse da natureza humana no seu seio materno, sem violação de sua virgindade.
Maria, acreditando nas palavras do Anjo e consentindo na Encarnação do Verbo divino, tornou-se, como Mãe do Redentor, a co-causa de nossa Salvação, pondo-se em evidente contraste com Eva, a qual, acreditando nas palavras do espírito infernal, se tornara a causa da nossa ruína e maldição.
O sobredito verseto litúrgico não é, portanto, senão a paráfrase e o cumprimento do verseto bíblico7, no qual se prediz a luta entre a Serpente e a Mulher e o triunfo desta sobre aquela.
Com efeito, de todos os homens, Maria só, pela sua Imaculada Conceição, esmagou a cabeça do 1º Heresiarca, Pai da mentira e de todas as heresias, o qual tinha sugerido à Eva a 1ª heresia: “Sereis iguais a Deus”. Esmagou-lhe, em seguida, a cabeça pela palavra “fiat” – “faça-se”, dando o seu consentimento à Encarnação do Filho de Deus, no seu seio puríssimo.
2) Na Dogmática de um ilustre Teólogo encontramos a seguinte exposição magistral de nossa tese:
A extinção das heresias pode-se, de dúplice modo, atribuir à Bem-aventurada Virgem Maria: objetiva e subjetivamente.
Objetivamente: por ter dado à luz Jesus Cristo, o lume da verdade e logo pelos Mistérios que em Maria se verificaram. E são estes:
a) Pelo privilégio da “Imaculada Conceição” é demonstrado o fato do Pecado Original e a necessidade da Redenção;
b) pela “maternidade” de Maria é provado o dogma da União Hipostática das naturezas, a divina e a humana, na única Pessoa divina de Cristo;
c) pela “virgindade” de Maria revela-se um novo e até então desconhecido modo de servir mais perfeitamente a Deus;
d) pela “Assunção” de Nossa Senhora é confirmada a Ressurreição de Cristo, como também a fé em nossa própria ressurreição.
Subjetiva e pessoalmente a Mãe de Deus é exterminadora das heresias:
a) Por ter sido a “Mestra dos Apóstolos”, pela doutrina dos quais se extirpam as falsas doutrinas;
b) porque a Santíssima Virgem assiste, de um modo particular, os que lutam pela pureza da fé católica, como consta da vida de São Domingos e de muitos outros fatos da Igreja Católica.8
3) Um dos mais importantes desses fatos na história eclesiástica é o Concílio de Éfeso, em 431, no qual Nestório, Bispo de Constantinopla, foi condenado pela Igreja, por negar a “Maternidade divina de Maria”, verdade essa que é o centro e o fundamento de todas as glórias e privilégios que admiramos em Maria e, ao mesmo tempo, o testemunho das misericórdias divinas que se manifestaram na nossa Redenção.
O mais eminente defensor desse dogma católico foi São Cirilo, Bispo de Alexandria, que denominou a Virgem Maria “Sceptrum orthodoxae fidei” – “o cetro da verdadeira fé católica”.9
É notável que a condenação da heresia de Nestório se deu justamente na cidade de Éfeso, outrora domicílio da Mãe de Deus e do Apóstolo São João, depois da Ascensão do Senhor.
Conta-se que o povo Efesino, em peso, depois de conhecer a decisão do Concílio, aclamando jubiloso os Bispos e os Delegados do Papa, os acompanhava em solene procissão, com archotes acesos, até as suas residências, louvando, ao mesmo tempo, a Mãe de Deus e entoando a Antífona: “Salve, ó Virgem perpétua, Vós só extinguistes todas as heresias do mundo!”10
Outro fato, não menos significativo da poderosa proteção que a Rainha celeste dispensa à Igreja, é a extinção da seita dos “Albigenses” no século treze. Estes hereges negavam e adulteravam não só uma mas muitas das verdades de nossa fé católica, espalhando as suas crendices a ferro e fogo, subvertendo assim, em diversas partes da França, da Espanha e da Itália, a ordem religiosa, política e social.
Um dos mais ardentes defensores da fé contra os Albigenses foi São Domingos. Reparando, porém, na ineficácia dos seus esforços, recorreu à Mãe de Deus. Mudando, após, de tática, começou a rezar com o povo o santo “Rosário” e explicar-lhe os Mistérios da fé que nele se contemplam. Os seus companheiros adotaram igual método. Foi só então que se conseguiu opor dique às ondas perversas e restabelecer a fé, a paz e a ordem.
Quanto ao “Luteranismo” e “Protestantismo” que, no século dezesseis surgiu, ameaçando a Igreja Católica, é sabido que essa Seita não podia ganhar terreno nos países ou lugares que continuavam ou recomeçavam o Culto de veneração e amor à excelsa Mãe de Deus. Data desta época a fundação das “Congregações Marianas” pelos Padres Jesuítas. A primeira foi a de Colônia na Alemanha, em 1567.
O século passado distinguiu-se pelo “Racionalismo” e “Liberalismo”, como consequências do “Humanismo” e da grande “Revolução francesa”, a qual adorou como deusa de toda a sabedoria, a pura razão humana.
A Santa Igreja, defendendo a sobrenaturalidade, lhe contrapôs a Virgem Maria, a verdadeira “Sede da Sabedoria” e a “Imaculada Conceição”, cujo dogma foi ratificado pela aparição de Nossa Senhora, em Lourdes, na França.
A época que atravessamos é marcada pela impureza do “Sensualismo e Materialismo”, cujos adeptos propugnam a pureza da matéria ou da raça e a impureza de um neo-paganismo.
Nesta hedionda e tenebrosa aberração da mentalidade humana, eis que aparece, novamente, como estrela fulgente e celeste, a “Mãe Imaculada de Fátima” para advertir a humanidade do caminho errado que a conduz para o abismo e reconduzi-la, como outrora a estrela do Oriente os três Reis Magos, aos pés do Salvador do mundo, o “Príncipe da Paz” – a única fonte de felicidade.
Passando em revista a história do mundo e da Igreja, notamos, por conseguinte, que todas as vezes que a Serpente infernal ousava acometer contra a fé e os bons costumes da Igreja de Cristo, a Rainha celeste lá estava para lhe pisar a cabeça.
4) Além de sua intervenção direta e pessoal, Maria convocou e formou, outrossim, segundo as circunstâncias o exigiram, varões de ciência e santidade para a defesa da verdadeira fé e doutrina cristã.
Além dos já mencionados São Cirilo de Alexandria e São Domingos, recordemos ainda outros três vultos, eminentes servos de Maria: São João Damasceno, do século VIII; Santo Alberto Magno, da idade média e Santo Afonso de Ligório, dos tempos modernos.
São João Damasceno defendia a doutrina católica da veneração dos Santos contra os “Iconoclastas”, isto é, contra os destruidores das imagens dos Santos. Sendo-lhe, por mandado do ímpio Imperador de Constantinopla, Leão Isáurio, cortada a mão direita, a Mãe de Deus lha restituiu milagrosamente em atenção às ardentes preces que o Santo lhe dirigira. Daí em diante, ele serviu-se de sua mão para, com redobrado fervor, por seus escritos, defender as verdades da nossa fé, de modo tão erudito que, mais tarde, Santo Tomás de Aquino construiu sua admirável composição da “Summa Theológica” sobre os fundamentos da exposição doutrinária desse Santo.11
Santo Alberto Magno, na idade média, sendo uma estrela de primeira ordem em todas as ciências, mereceu o título de “Doutor Universal” e foi o mestre e guia de um dos maiores Teólogos de nossa Santa Igreja: Santo Tomás de Aquino, chamado o “Doutor Angélico”.
Em nossos tempos, Santo Afonso de Ligório, foi um dos mais eminentes Teólogos Moralistas. Era devotíssimo da Mãe de Deus, cujas “Glórias” ele descreveu num livro que é conhecidíssimo e foi traduzido em todas as línguas principais do mundo.
Pelos exemplos da história eclesiástica, que acabamos de citar, vemos, portanto, confirmada a exclamação do povo Efesino e a aclamação, com a qual a Santa Igreja honra a Virgem Imaculada: “Cunctas haereses sola interemisti in universo mundo” – “Todas as heresias extinguistes, Vós só, em todo o mundo”.
Os títulos que, a esse respeito, os Santos Padres conferem à Mãe de Deus, corroboram nossa convicção e confiança em Maria.
Por São Cirilo Alexandrino a Santíssima Virgem é intitulada: “Sceptrum orthodoxae fidei” – “O cetro da verdadeira fé”.
Por Santo Ambrósio: “Vexillum fidei” – “O estandarte da fé”.
Por André Cretense: “Propugnaculum fidei christianae” – “O baluarte da fé cristã”.
Por São Gregório Nazianzeno: “Praeses fidei” – “A Presidente da fé”.
Por São Sofrônio: “Contritio pravitatis haereticae” – “A esmagadora da perversidade herética”.12
Arrebatados pela solicitude maternal de Maria para com seus filhos e do seu poder sobre o Inferno, entoamos jubilosos com a Santa Igreja a Antífona: “Regozijai-Vos, ó Virgem Maria, pois Vós só, extinguistes todas as heresias em todo o mundo, porque acreditastes nas palavras do Arcanjo e, por isso, geraste qual Virgem, o Homem-Deus e, depois do parto, permanecestes Virgem ilibada. Santa Mãe de Deus, intercedei por nós!”
Oração da Santa Igreja: “Pelo triunfo da Religião cristã, Vos imolamos, Senhor, as hóstias de pacificação, as quais nos sejam proveitosas pela mediação da Virgem Auxiliadora, que conduz para a perfeita vitória. Por Cristo Nosso Senhor”. Amém.13
Maria ao Pé da Cruz14
1) Depois do episódio evangélico que relatamos no capítulo anterior, a Mãe de Deus não é mais mencionada pelos Evangelistas, até o momento em que Jesus, pregado na Cruz, estava agonizando.
São João, o discípulo predileto, é o único que refere a presença da Santíssima Virgem junto à Cruz, por ter sido ele quem ali a acompanhara e a recebera de Jesus, como último legado.
“O Filho agonizava na Cruz e sua Mãe agonizava ao pé da Cruz”; pois, lá estava, não só corporalmente pela sua presença, mas participando também intimamente das dores e da agonia de seu Filho.
Na célebre Sequência do “Stabat Mater”,15 a Santa Igreja canta:
Estava junto da Cruz
A triste Mãe dolorosa,
Vendo, aflita e lacrimosa,
Pendente o caro Jesus.
Banhada em pranto de amor,
Gemendo em dura agonia,
Sua alma doce sentiu,
De aguda espada a dor.
Foi por ocasião da Apresentação do Menino no Templo, que o ancião Simeão profetizou que, por causa de seu Filho, uma espada havia de transpassar o Coração da Mãe.
No dia da Anunciação, vemos Maria coroada com uma coroa de rosas brancas; vêmo-lA como a Virgem puríssima e imaculada que, cheia de júbilo e gratidão, entoa o seu sublime cântico, o “Magnificat”.
Sobre o Calvário, porém, vêmo-lA coroada de rosas vermelhas, – como a “Rainha dos Mártires e Mãe dos Sacerdotes” que acaba de oferecer o Sacrifício e de cujas mãos goteja o Sangue divino de seu próprio Filho.
“O martírio da Virgem”, diz São Bernardo num seu sermão, “comemora-se tanto na profecia de Simeão, como no próprio fato da Paixão de Nosso Senhor. Não é sem razão que chamamos a Maria ‘Mártir e mais que Mártir’, por ter n'Ela a compaixão da alma excedido a dor corporal dos sentidos”.16
Por isso, também a Igreja saúda a Mãe de Deus: “Ave! Princeps generosa, Martyrumque prima rosa, Virginumque lilium” – “Salve! Rainha generosa, dos Mártires a primeira rosa e das Virgens a açucena decorosa”.17
E no Communio da Missa de Nossa Senhora das Dores, o Sacerdote reza: “Felizes as dores da Santa Virgem Maria que, sem morte, ganharam a palma do martírio, ao pé da Cruz do Senhor”.
2) A “grandeza de Maria” consiste não só no fato de ser Ela a Mãe do Cordeiro divino, de lhe ter oferecido a Carne e o Sangue humano, mas também no fato de ter Ela mesma nutrido e amparado este cordeirinho e tê-lO conduzido e acompanhado até o altar da Cruz.
A Encíclica do Papa Pio X, de 2 de Fevereiro de 1904, salienta precisamente esta circunstância da compaixão da Mãe dolorosa, declarando: “Maria não estava ao pé da Cruz simplesmente como que absorta no espetáculo hediondo da crucifixão; Ela consentiu até, com satisfação, em ver seu Filho imolado pela salvação do gênero humano”.
Também Santo Ambrósio declara: “Estava ao pé da Cruz a Mãe e estava intrépida, enquanto os varões fugiram. Olhava com piedade as Chagas de seu Filho, sabendo que por elas se ia salvando o mundo”.18
É nessa assistência que Maria prestou ao Salvador, durante a Crucifixão e na comunhão de sofrimentos e de desejos que teve com Ele, que se baseiam todos os títulos, com os quais a Igreja honra a Mãe de Deus.
Santo Alberto Magno e Santo Antonino, Bispo de Florença, intitulam Maria a “Adjutora na Redenção” pelo seu co-padecimento.19
Também numa Circular do “Santo Ofício” de 26 de Junho de 1913, é louvado o pio costume de ajuntar ao nome de Jesus o nome de sua Mãe, nossa “Co-Redentora”.20
Todos os títulos, que a Santa Igreja confere à Virgem dolorosa, salientam e confirmam o martírio que Ela sofreu sobre o Calvário, pela sua íntima participação no Sacrifício de seu Filho, o qual, na ara da Cruz, consumou o Apostolado de que fora incumbido – a Redenção do mundo.
Ao pé da Cruz, a Mãe das Dores tornou-se a “Rainha dos Mártires” e, por conseguinte, sendo inseparáveis o martírio e a execução da missão Redentora de Cristo, a “Rainha do Apostolado Católico ou Universal”.
Considerações Práticas
Adaptam-se à Mãe das Dores as exclamações do Profeta Jeremias: “A quem te compararei, ou a quem te assemelharei, ó filha de Jerusalém? A quem te igualarei e como te consolarei, ó Virgem, filha de Sião? É grande como o mar a tua tribulação!”.21
Os sofrimentos de Cristo e de Maria clamam em altas vozes, que não há Apostolado eficaz e frutífero sem sacrifícios!
Em 1897, Santa Teresinha do Menino Jesus escreveu a seu Irmão Missionário: “As primícias do vosso Apostolado recebem o cunho da Cruz. Alegrai-vos! É muito mais pelo sofrimento e a perseguição do que por brilhantes pregações, que Jesus quer estabelecer seu Reino divino nas almas”.
Ela mesma foi a esposa e vítima expiatória do Salvador Crucificado. Não desejava outra vida melhor, nem morte mais suave que a de seu divino Esposo. No último ano de sua peregrinação terrestre, os seus sofrimentos corporais e espirituais atingiram o auge. Ofereceu-os todos ou “os despendeu”, no seu dizer, “para comprar almas”.
Sirva o seguinte exemplo e fato para maior esclarecimento e convicção nossa sobre a necessidade e eficácia do Apostolado do sofrimento” para promover a maior glória de Deus e a propagação de seu Reino.
Certo dia, um Sacerdote, Diretor Espiritual de Estudantes em Paris, recebeu a visita de um jovem chinês.
“Sou Presidente de um Clube ateu”, disse o visitante, “e venho pedir a V. S. o favor de me instruir na doutrina católica. Porém, já lhe digo francamente, não é para me converter e sim, só para quando eu voltar para minha pátria, combater com maior força, clareza e exatidão a vossa Religião que eu odeio”.
O Diretor, após alguns momentos de reflexão, anuiu ao pedido do jovem chinês. Entregou-lhe alguns livros e marcou dia e hora para a instrução.
No dia seguinte, o Diretor foi visitar uma jovem piedosa que, desde algumas semanas, se achava gravemente enferma. Aconselhou-a que oferecesse os sofrimentos para a conversão de um moço ímpio.
A doente não hesitou em responder: “De bom grado oferecerei a minha vida por esse fim”.
Ao cabo de umas semanas, o Sacerdote perdeu a esperança no seu discípulo; pois este se tornou cada vez mais impertinente nas suas expressões e ataques contra a Religião Cristã.
Certo dia, às 11 horas da noite, a campainha da residência do Diretor deu alarme. Quando este foi abrir, encontrou-se, admirado, com o jovem chinês, o qual, todo agitado, desafogou-se com as seguintes frases: “Senhor Diretor, não posso mais aguentar; estou inquieto, perturbado na minha consciência; desvaneceram-se as sombras e dúvidas do meu espírito; vejo, de repente, o Cristianismo sob outro aspecto; quero tornar-me católico; peço-lhe a caridade de me batizar”.
O Padre conduziu o estudante ao seu escritório, onde permaneceram em longo colóquio.
Na manhã do dia seguinte, a mãe da moça doente foi ter com o Sacerdote para lhe comunicar a morte de sua filha, ocorrida às 10 horas e meia da noite anterior.
Esta notícia deu ao Diretor a chave para o segredo da conversão repentina do jovem chinês. Este, depois de batizado e tendo regressado à sua terra natal, tornou-se naquelas paragens longínquas, um denodado e ainda hoje conhecido Apóstolo da Religião de Cristo.22
_________________________
1. A. Auffray, S.D.B., “Dom Bosco”, Cap. IV, pp. 122-123. Livraria Editora Salesiana, São Paulo/SP, 1955.
2. Veremundo Thoth, “Louvores à Virgem Maria ou Reflexões sobre a Ladainha de Nossa Senhora”, Cap. 38, pp. 103-105. AM edições, São Paulo/SP, 1993.
3. Bula Ineffabilis Deus, 1854.
4. 1815-1888.
5. Rev. Pe. Dr. Erasmo Raabe, S.A.C., “Regina Mundi – Considerações Doutrinal-práticas em 33 Capítulos para os Meses e Festas de Maria”, Cap. XXV, pp. 135-144. 2ª Edição, Edições Paulinas, São Paulo/SP, 1954.
6. AAS. 28. (1895/96) 130.
7. Gên. 3, 15.
8. Cr. Pesch S.J. Dogm. IV. nº 627. – Hurter S.J. Dogm. II. nº 620.
9. Homilia contra Nestorium. – Off. Reg. Apost. lectio IV.
10. Pio XII, Encíclica “Lux veritatis”. – AAS. 23. (1931) 514. – Brev. Rom. 9 Febr. lectio VI.
11. Brev. Rom. 27 Martii.
12. Germiniano Mislei, S.J. “La Madre di Dio”, Veneza, p. 15.
13. Secreta in missa B. M. V. Auxil. Crist.
14. Rev. Pe. Dr. Raabe, S.A.C., ob. cit., Cap. XVII, pp. 86-91.
15. O hino Stabat Mater remonta ao século XIII. A autoria do hino é incerta. Por muitos atribuído ao franciscano Jacopone de Todi.
16. Off. 7 dolor. B.M.V. lectio 4, 5. – Sermo de 12 stellis.
17. Off. 7 dolor. B.M.V. Resp. 8.
18. De institut. Virg. c. 7. – Propr. Brasil, verna, gaudiorum B.M.V. die 4, infra Octav. Lectio 9. et 15 Setbr. Lectio 7.
19. Quaest super Missus est. Resp. ad qualquer. 148-150. Opera omnia, t. 37, (Paris 1898) 219a.
20. A.A.S. 5. (1913) 364.
21. Lam. 2, 13.
22. Almanaque “Der Familienfreud”, 1939, Porto Alegre, Sul.
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