Nesta última morada, as coisas são diferentes. O nosso bom Deus quer já tirar-lhe as escamas dos olhos, bem como que veja e entenda algo da graça que lhe é concedida – embora isso se efetue de modo um tanto estranho.
Introduzida a alma nesta morada, mediante visão intelectual1 se lhe mostra, por certa espécie de representação da verdade, a Santíssima Trindade – Deus em três Pessoas: Primeiro lhe vem ao espírito uma inflamação que se assemelha a uma nuvem de enorme claridade. Ela vê então nitidamente a distinção das divinas Pessoas; por uma notícia admirável que lhe é infundida, entende com certeza absoluta serem as três uma substância, um poder, um saber, um só Deus.
Dessa maneira, o que acreditamos por fé é entendido ali pela alma por vista, se assim o podemos dizer, embora não seja vista dos olhos do corpo nem da alma, porque não se trata de visão imaginária. Na sétima morada, comunicam-se com ela e lhe falam as três Pessoas. Elas lhe dão a entender as palavras do Senhor que estão no Evangelho: que viria Ele, com o Pai e o Espírito Santo, para morar na alma que O ama e segue Seus Mandamentos.2
Oh! Valha-me Deus! Ouvir essas palavras e crer nelas é uma coisa; entender a sua verdade pelo modo de que falo é algo inteiramente diverso! E cada dia se espanta mais essa alma, porque lhe parece que as três Pessoas nunca mais se afastaram dela. Pelo contrário, vê nitidamente – do modo que dissemos3 – que estão em seu interior. E, no mais íntimo de si, num lugar muito profundo – que ela não sabe especificar, porque é ignorante – percebe em si essa Divina Companhia.
Lendo o que digo, pode parecer-vos que ela não fica em si, mas tão embevecida que não dá atenção a coisa alguma. Mas a alma o faz, sim, e muito mais do que antes. Dedica-se a tudo o que é serviço de Deus e, faltando-lhe as ocupações, permanece naquela agradável Companhia…
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Fonte: Castelo Interior ou Moradas, Sétima Morada, Cap. 1, nn. 6-11. Cfr. Obras Completas de Teresa de Jesus, pp. 568-570. Edições Loyola, São Paulo/SP. 1995.
1. Padre Gracián retocou essa passagem no autógrafo: “Mediante visão ou conhecimento intelectual que nasce da fé [?]” Ribera riscou a correção. Frei Luís, em contrapartida, julgou-se no dever de proteger o texto teresiano com uma longa nota marginal, em sua edição príncipe: “Embora o homem nesta vida, perdendo o uso dos sentidos e elevado por Deus, possa ver de passagem a Sua essência, como provavelmente aconteceu a São Paulo, Moisés e alguns outros, a Madre não fala aqui desse tipo de visão, que, mesmo breve, é clara e intuitiva. Ela fala de um conhecimento desse Mistério que Deus concede a algumas almas por meio de uma grandíssima luz que lhes infunde, e não sem alguma espécie criada. Mas, como essa espécie não é corporal nem representada na imaginação, a Madre diz que essa visão é intelectual, e não imaginária” (p. 234).
2. Jo. 14, 23.
3. Ou seja, por visão intelectual; cfr. n. 6.
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