Santo Antônio de Pádua (ou de Lisboa), no Sermão do Domingo da Sexagésima ensina: “A soberba do teu coração, ó religioso, elevou-te, isto é, levou-te para fora de ti, para que vãmente caminhasses sobre ti, tu que habitas nas fendas do rochedo. A pedra é qualquer religião (Ordem Religiosa) da Igreja. Dela escreve Jeremias: ‘Nunca faltará neve nos penhascos do campo’.1 O campo é a Igreja; o penhasco do campo é a Religião fundada sobre o rochedo da Fé. A neve é a alvura do entendimento e do corpo, que não deve nunca abandonar a Religião. Mas, ai! Ai! Quantas fendas, quantos cismas, quantas divisões e dissensões existem no rochedo, isto é, na Religião! Se a semente da Palavra divina cair sobre ela, não frutifica, porque não possui a umidade da graça do Espírito Santo, que habita, não nas fendas da discórdia, mas na mansão da unidade’. ‘Entre eles’, escreve São Lucas, ‘havia uma só alma e um só coração’.2 Na religião há fendas, de verdade, porque há contenda no capítulo, dissonância no coro, murmuração no claustro, gastrimagia3 no refeitório, petulância da carne no dormitório. Com muita razão, pois, diz o Senhor: ‘E outra caiu sobre terreno pedregoso, e uma vez nascida secou, porque’, como escreve São Mateus, ‘não tinha raiz’, ou seja, humildade, raiz de todas as virtudes.4 Disto abertamente se conclui que a fenda da religião se abre com um coração soberbo. A religião não pode produzir fruto, porque não têm em si a raiz da humildade.
Tal religião é o armazém; de fato, depois das dissidências internas, procuram os louvores externos. Com efeito, na praça pública, os falsos religiosos vendem, como se fossem comerciantes, gêneros sofísticos; sob o hábito religioso e à sombra de falso nome apetecem ser louvados, revestem certo fingimento pessoal de perfeição junto dos homens; querem parecer santos, mas não o querem ser, infelizmente, a religião, que devia conservar as mercadorias das virtudes, os aromas dos costumes, é destruída e transforma-se em armazém público. Daí, a deploração de Joel: ‘Foram demolidos os celeiros’, isto é, os claustros dos Cônegos, ‘arruinados os armazéns’, isto é, as Abadias dos monges, ‘porque se perdeu o trigo’.5 No trigo, alvo no interior e avermelhado na casca, significa-se a Caridade, que mantém a Pureza para consigo e o amor para com o próximo. Por isso, este trigo perdeu-se, por ter caído sobre terreno pedregoso; e uma vez nascido secou, por não ter a raiz da humildade nem a umidade da graça septiforme. Daqui se deduz que, da perda do trigo, isto é, da falta de Caridade, se destrói o armazém de toda a religião”.6
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1. Jer. 18, 14.
2. At. 4, 32.
3. Concupiscência da gula.
4. Mat. 13, 6; S. Bern., in die Paschae, sermo, 3, PL 183, 275.
5. 1, 17.
6. Item sermo contra falsos religiosos, ibi: Et aliud cecidit supra petram.
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