EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, DOUTOR ROBERTO GURGEL.
No Brasil, muitas pessoas
acreditam na impunidade. Parece que o ex-Presidente Lula não só acredita
como tem certeza, e até fez piada com as irrisórias multas sofridas por
sucessivas infrações à Lei Eleitoral. É preciso colocar um basta nisso,
pois é inadmissível que o rigor da lei seja aplicado apenas ao pequeno
infrator. Por exemplo, a Controladoria-Geral da União (CGU) anunciou
que, durante o Governo Lula, quase três mil servidores do Executivo
foram demitidos. Todavia, não há notícia de que a CGU tenha agido para
apurar os gravíssimos fatos informados na Ação de Improbidade
Administrativa, suporte desta representação.
Aliás, é bem provável que parte
dessas demissões tenha ocorrido porque os servidores punidos se opuseram
a práticas criminosas e foram perseguidos. Conforme registrado e
demonstrado nesta peça, em 2004, a Coordenadora-Geral de Benefícios do
INSS foi exonerada porque se recusou a publicar o convênio fraudulento,
que proporcionou ao banco BMG faturar mais de três bilhões de reais em
empréstimos a aposentados e pensionistas. Esse banco é suspeito de ter
participado do esquema do mensalão.
O recente relatório da Polícia
Federal (publicado na imprensa) não só ratifica como traz mais detalhes
sobre o esquema do mensalão. Esta representação baseia-se nesse
relatório e, principalmente, nos elementos de provas colhidos no
Inquérito Civil Público nº 1.16.000.001672/2004-59, que angariou as
provas que são utilizadas na Ação de Improbidade, proposta recentemente
contra o ex-Presidente Lula. A ação de improbidade busca
responsabilizá-lo civil e administrativamente por atos gravíssimos, que
têm relação direta com o esquema do mensalão.
O
objetivo da presente representação é instar a promoção da
responsabilidade criminal do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que
as responsabilidades civil e administrativa são objeto da ação de
improbidade há pouco ajuizada, que traz fatos gravíssimos diretamente
ligados ao mensalão. Foi o ex-Presidente Lula quem praticou atos
materiais que fomentaram esse gigantesco esquema criminoso, e sem a
presença dele na ação penal, o STF não terá elementos para condenar os
líderes, mormente os autores intelectuais do esquema criminoso, pois
estes não praticaram atos materiais e não deixaram rastros. Do jeito que
está, apenas os integrantes braçais da “sofisticada organização criminosa” (o mensalão no dizer da denúncia levada ao STF) serão condenados.
Por ano, cada brasileiro trabalha
cerca de seis meses apenas para pagar impostos. Essa carga tributária é
exagerada, absurda para os padrões de um país como o Brasil (altas
cargas tributárias são comuns em países ricos. Aqui, contudo, a carga é
tão alta que são raros os países ricos que têm carga tributária
semelhante a nossa). Caso não haja punição exemplar para os líderes
envolvidos no gigantesco esquema do mensalão, os vultosos recursos
arrecadados com os impostos continuarão sendo insuficientes para prestar
serviços públicos de boa qualidade, uma vez que grande parte do que é
arrecadado vaza pelo ralo da corrupção, que se alastrou no país.
Atualmente, é raro encontrar uma obra ou serviço público que não esteja
contaminado pela corrupção, e a tendência é piorar. Para servir de
exemplo, é preciso segregar por longos anos os grandes corruptos,
especialmente os líderes do mensalão, considerado o maior esquema
criminoso de todos os tempos, que envolveu até produção sucessiva de
atos legislativos. Enquanto isso não for feito, a corrupção continuará
crescendo, pois o corrupto sentir-se-á seguro de que vale a pena
apoderar-se dos recursos públicos.
MANOEL DO SOCORRO TAVARES PASTANA,
Procurador Regional da República, endereço funcional na Rua Sete de
Setembro nº 1133, Centro, Porto Alegre/RS, com supedâneo no artigo 5º,
inciso XXXIV, alínea a, da Constituição Federal e no artigo 236, inciso VII, da Lei Complementar 75/1993, vem
R E P R E S E N T A R
Contra o senhor LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA,
ex-Presidente da República, CPF 070.680.938-68, residência na Av.
Francisco Prestes Maia, 1501, bl. 01, apto 122, Santa Terezinha, São
Bernardo do Campo-SP, pelos fundamentos de fato e de direito a seguir
delineados.
AS CARTAS DO MENSALÃO
1 – Conforme os autos do processo nº 7807-08.2011.4.01.3400, em trâmite na 13ª Vara Federal, Seção Judiciária de Brasília, no dia 15 de janeiro de 2011,
a Procuradoria da República no Distrito Federal manejou ação de
improbidade administrativa contra o ex-Presidente Lula e o ex-Ministro
da Previdência Social Amir Lando. Conforme consta na inicial da ação,
foram enviadas 10.657.233 (dez milhões, seiscentas e cinquenta e sete
mil, duzentas e trinta e três) cartas endereçadas a segurados da
Previdência Social (aposentados e pensionistas), instando-os a tomar
empréstimos bancários consignados em folha de pagamento. As
correspondências foram assinadas pelo ex-Presidente Lula e pelo o
ex-Ministro Almir Lando e, conforme a imputação, teriam o propósito de convencer os aposentados a tomar empréstimos junto ao banco privado BMG. A
ação de improbidade busca a responsabilidade civil e administrativa, já
esta representação objetiva instar a promoção da responsabilidade
criminal do ex-Presidente.
2 – É que, segundo a denúncia do mensalão
(doc.01), que resultou no maior processo criminal da história do
Supremo Tribunal Federal, o banco BMG teria participação no esquema
criminoso, repassando vultosas quantias ao Partido dos Trabalhadores,
sob o disfarce de empréstimos bancários. Veja-se o que diz trecho da
acusação (fl. 17 da denúncia): “Também foram repassadas diretamente pelos Bancos Rural e BMG
vultosas quantias ao Partido dos Trabalhadores, comandado formal e
materialmente pelo núcleo central da quadrilha, sob o falso manto de
empréstimos bancários.” (grifo nosso). E mais.
Conforme consta à fl. 182 do relatório da Polícia Federal, divulgado
recentemente pela imprensa, a perícia contábil detectou cinco
“empréstimos” milionários feitos, entre 2003 e 2004, pelo Banco BMG ao
PT e mais três empresas que teriam participado do mensalão.
3 – A denúncia do mensalão afirma que o
BMG foi beneficiado com operações financeiras decorrentes de empréstimos
bancários feitos a segurados do INSS, mediante consignação em folha de
pagamento. Veja-se o que diz a inicial da Ação 470, em trâmite no STF
(fl. 18 da denúncia): “Ficou comprovado que
o Banco BMG foi flagrantemente beneficiado por ações do núcleo
político-partidário, que lhe garantiram lucros bilionários na
operacionalização de empréstimos consignados de servidores públicos,
pensionistas e aposentados do INSS, partir de 2003, quando foi editada a
Medida Provisória nº 130, de 17.09.03,
dispondo sobre o desconto de prestações em folha de pagamento dos
servidores públicos e também autorizando o INSS a regulamentar o
desconto de empréstimos bancários a seus segurados”.
4 – O que a denúncia do mensalão
não apontou e agora está categoricamente demonstrada, mediante provas
robustas, é a participação decisiva do ex-Presidente Lula na trama
arquitetada para favorecer o banco BMG com tais empréstimos. Daí o
motivo desta representação, pois se trata de fato novo, que tem relação
direta e fundamental com a Ação Penal nº 470, em trâmite na Suprema
Corte.
5 – A Ação de Improbidade Administrativa,
ajuizada contra o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é resultado
da apuração levada a efeito no Inquérito Civil Público nº
1.16.000.001672/2004-59, da Procuradoria da República no Distrito
Federal, que contou com exames técnicos realizados pelo Tribunal de
Contas da União (TC nº 012.633/2005-8 e TC nº 014.276/2005-2).
6 – O conteúdo do referido Inquérito
Civil Público é assustador e estarrecedor. Para que o Banco BMG se
beneficiasse dos referidos empréstimos, produziram-se atos normativos,
violaram-se regras elementares que norteiam a Administração Pública,
como as que estão elencadas na Lei de Licitações (Lei 8.666/1993),
ignorando-se, entre várias exigências legais, previsão orçamentária e
regras contratuais básicas; coagiram-se servidores públicos, inclusive
exonerando servidora que não aceitou participar da trama montada para
favorecer o banco suspeito. Ao final, depois de incluir o citado banco
como privilegiada instituição financeira a efetuar os empréstimos
consignados em folha de pagamento, o ex-Presidente Lula e o ex-Ministro
da Previdência Amir Lando assinaram carta dirigida aos segurados da
Previdência, informando sobre os “vantajosos empréstimos”. Como se verá
adiante, a carta tinha o nítido propósito de incentivar o segurado a
contrair o empréstimo anunciado, pois fala até dos valores “vantajosos”
dos juros.
7 – A intenção era enviar 17 milhões de
cartas aos segurados, todavia, após a emissão, impressão e postagem de
10.657.233 (dez milhões, seiscentos e cinquenta e sete mil, duzentos e
trinta e três cartas), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em
dezembro de 2004, suspendeu a operação. Além das mais de 10 milhões de
cartas enviadas, 453.329 (quatrocentos e cinquenta e três mil, trezentas
e vinte e nove mil) foram emitidas, mas não impressas e outras 510.625
(quinhentas e dez mil, seiscentas e vinte e cinco), que tinham sido
emitidas e impressas, mas ainda não postadas, foram destruídas.
8 – O custo de produção e de postagem das
cartas foi de R$ 9.526.070,54 (nove milhões, quinhentos e vinte e seis
mil, setenta reais e cinquenta e quatro centavos). Por considerar a
conduta ilegal, pois teria a finalidade de fazer promoção pessoal do
ex-Presidente da República e de favorecer o banco BMG, a Procuradoria da
República no Distrito Federal aviou ação de improbidade administrativa
contra o ex-Presidente Lula e o ex-Ministro da Previdência Amir Lando,
objetivando a responsabilização administrativa e o ressarcimento ao
erário do valor utilizado na produção e remessa das cartas.
9 – As condutas são gravíssimas, pois o
elevado prejuízo ao erário com o custo da emissão, impressão e postagem
(superfaturadas) das cartas, e inúmeras infrações a regras
administrativas tiveram o nítido propósito de fomentar – com vultosos
recursos – o esquema criminoso do mensalão. A empreitada deu tão certo
que, segundo o Tribunal de Contas da União, apesar de o banco BMG ser
muito pequeno, pois tinha apenas 10 agências e 79 funcionários na área
operacional, fez mais empréstimos a segurados do INSS do que Caixa
Econômica Federal com suas mais de duas mil agências. A título
exemplificativo, até meados de 2005, a gigante Caixa Econômica havia
celebrado 964.567 (novecentos e sessenta e quatro mil, quinhentos e
sessenta e sete) contratos de empréstimos a segurados do INSS, faturando
R$ 2.380.992.632,75 (dois bilhões, trezentos e oitenta milhões,
novecentos e noventa e dois mil, seiscentos e trinta e dois reais e
setenta e cinco centavos). Por outro lado, o minúsculo BMG fez bem mais,
apesar de ter iniciado a operação vários meses após a Caixa
(inicialmente só bancos pagadores de benefícios poderiam conceder os
empréstimos; contudo, a regra foi alterada para proporcionar a
habilitação do BMG). O banco suspeito, ou melhor, suspeitíssimo,
celebrou 1.431.441 (um milhão, quatrocentos e trinta e um mil,
quatrocentos e quarenta e um) contratos de empréstimos do mesmo perfil
financeiro, com faturamento de R$ 3.027.363.821,06 (três bilhões, vinte e
sete milhões, trezentos e sessenta e três mil, oitocentos e vinte um
reais e seis centavos), isso até agosto de 2005.
SEQUÊNCIA DOS ATOS NORMATIVOS QUE FAVORECERAM O BMG
10 – A Medida Provisória nº 130, de 17 de
setembro de 2003 (doc.02), editada pelo ex-Presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, instituiu empréstimos consignados em folha de pagamento a
segurados do INSS. De acordo com o artigo 62 da Constituição Federal, em
caso de relevância e urgência, o Presidente da República pode adotar
medida provisória com força de lei. Ora, a concessão de empréstimos
bancários não parece preencher o requisito da relevância nem da
urgência, essa aberração, por si só, indica algo anormal. Mas isso é
apenas um pequeno detalhe, pois o que veio depois escancara, com todas
as letras, o verdadeiro objetivo da empreitada que contou com a
participação sucessiva, efetiva e determinante do ex-Presidente Lula.
11 – Pouco tempo após a edição da
famigerada e suspeitíssima Medida Provisória houve a sua conversão na
Lei 10.820/2003 (doc.03). Ocorre que um parecer da Procuradoria Federal
do INSS entendeu não ser possível a concessão dos empréstimos por
instituições financeiras que não fossem pagadoras de benefícios
previdenciários. Esse parecer inspirou a Instrução Normativa nº
097/INSS/DC, de 17 de novembro de 2003 (doc. 04), que assim dispôs no
artigo primeiro: “Podem ser consignados descontos na renda
mensal dos benefícios de aposentadoria ou de pensão por morte, para
pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento
mercantil contraídos pelo titular do benefício em favor da instituição financeira pagadora do benefício…”. (grifo nosso). Tal exigência jogou por terra a pretensão do banco BMG, pois ele não é pagador de benefício.
12 – Todavia, mais uma vez o
ex-Presidente Lula entrou em cena, ao baixar o Decreto nº 5.180/2004
(doc.05), que expressamente permitiu a concessão dos referidos
empréstimos por qualquer instituição financeira, independentemente de
ser pagadora de benefícios previdenciários. Veja-se o que diz o art. 1º,
inciso VI, do curioso decreto: “o empréstimo poderá ser
concedido por qualquer instituição consignatária, independentemente de
ser ou não responsável pelo pagamento do benefício.” Logo
após a edição desse ato normativo, o banco BMG requereu habilitação e,
como se verá adiante, atropelaram-se todas as normas de tramitação junto
ao INSS, proporcionando, em tempo recorde, a participação do banco na
lucrativa operação financeira.
13 – A edição desse decreto foi tão
absurda, pois estava evidente que tinha o objetivo de favorecer o
referido banco, que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) representou
contra o ex-Presidente Lula. Todavia, o ex-Procurador-Geral da República
Antonio Fernando, da mesma forma como não viu motivos nem necessidade
de prender Marcos Valério quando destruía provas, também não viu
fundamento para responsabilizar o ex- Presidente pela escandalosa
conduta.
AS PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO E NO INQUÉRITO POLICIAL
14 – Agora, mais uma vez, provas
contundentes, que indicam a participação do ex-Presidente Lula no
esquema do mensalão, vêm à baila. O Inquérito Civil Público nº
1.16.000.001672/2004-59, que serviu de fundamento para o manejo da ação
de improbidade e instou esta representação, acrescenta dados relevantes e
estarrecedores. Nele é apontada a utilização descarada da estrutura e
do poder público, com efetiva participação do ex-Presidente Lula, para
favorecer instituição financeira (BMG) que, sob disfarces de
“empréstimos”, alimentou o esquema do mensalão com vultosos recursos.
Ademais, o relatório da Polícia Federal, recentemente divulgado na
imprensa, esclarece que o banco BMG não só “emprestou” dinheiro ao PT,
como também a empresas que estariam envolvidas no esquema criminoso
(foram cinco “empréstimos” milionários).
15- No processo nº 7807-08.2011.4.01.3400
(ação de improbidade), em trâmite na 13ª Vara Federal, Seção Judiciária
de Brasília, que apura a responsabilidade civil e administrativa do
ex-Presidente Lula, o objeto da demanda está assim delimitado (doc. 06):
“A presente ação tem por objeto a imposição de sanções civis-administrativas ao primeiro requerido (ex-Presidente da República) e
a condenação de ambos os requeridos ao ressarcimento dos prejuízos
causados ao erário, em razão da prática de ato de improbidade
administrativa, consistente no envio irregular de correspondências aos
segurados do INSS, através das quais informavam sobre a possibilidade de
obtenção de empréstimos consignados com taxas de juros reduzidas.
Referidas correspondências,
emitidas pela DATAPREV e custeadas pelo INSS, foram assinadas pelo então
Presidente da República e pelo então Ministro da Previdência, Luiz
Inácio Lula da Silva e Amir Francisco Lando, respectivamente, em total
desrespeito ao art. 37 § 1o, da CF, e sem que houvesse anuência do INSS ou interesse público na divulgação daquelas informações, da forma como fora feita.
A imposição das sanções descritas na Lei no
8.429/92 e o ressarcimento ao erário são imperiosos, tendo em vista as
irregularidades praticadas pelo ex-Presidente Lula e pelo ex-Ministro
Amir Lando, no exercício de suas atribuições, conforme será
demonstrado.”
16 – A ação está robustamente
fundamentada, inclusive com apuração minuciosa realizada pelo TCU.
Assim, pela primeira vez, o ex-Presidente Lula é oficialmente apontado
como envolvido em trama que está relacionada diretamente ao esquema do
mensalão. Como visto antes, na própria denúncia do mensalão está
consignado que o banco BMG foi favorecido pelo esquema criminoso,
emprestando a aposentados com consignação em folha de pagamento, o que
lhe proporcionou lucros extraordinários. Diz também a denúncia que o
referido banco fez “empréstimos” ao PT. O Relatório recente da PF
informa, com análise contábil, que os empréstimos não se limitaram ao
referido partido, mas também a empresas que teriam participado do
mensalão.
17 – Com efeito, considerando que
a ação de improbidade busca a responsabilidade civil-administrativa do
ex-Presidente Lula, faz-se necessário perquirir a responsabilidade
penal. Esta até com maior razão, pois, sem a presença do ex-Presidente
na ação penal do mensalão, fica impossível responsabilizar os líderes
(autores intelectuais) do maior esquema criminoso de todos os tempos,
segundo o que já foi apurado.
18 – Conforme pode se aferir no último
relatório da PF, a origem do megaesquema criminoso é anterior ao Governo
Lula. Contudo, foi no governo do ora representado que o esquema cresceu
assustadoramente, a ponto de serem produzidos atos normativos dentro do
Executivo (Medida Provisória 130/2003, decretos 4.799/2003 e
8.180/2004, além de instruções normativas do INSS), bem como utilização
do Congresso Nacional para aprovar leis (Lei 10.820/2003 e 10.953/2004 –
doc. 07) com o indisfarçável objetivo de viabilizar a atividade
criminosa. A utilização do poder normativo do Estado para a prática de
atos objetivando a implementação de atividade criminosa é gravíssimo e
assustador. Por isso faz-se necessário rigorosa apuração, com punição
exemplar dos envolvidos – é o mínimo que se espera.
19 – Serão transcritos trechos do que foi
apurado no Inquérito Civil Público, que indicam, além da produção
criminosa de atos normativos, a utilização do poder e da estrutura
administrativa para implementar as atividades ilícitas, inclusive com
intimidação e perseguição a servidores públicos que se opuseram.
20 – A carta assinada pelo ex-Presidente Lula e dirigida aos segurados tinha o seguinte teor (doc.08):
“Brasília, 29 de setembro de 2004.
Caro(a) segurado(a) da Previdência Social,
Em maio passado, o Governo
Federal encaminhou ao Congresso um Projeto de Lei para permitir aos
aposentados e pensionistas da Previdência Social acesso a linhas de
crédito com taxas de juros reduzidas.
Agora, o Legislativo aprovou o
projeto e acabamos de sancioná-lo. Com isso, você e milhões de outros
beneficiários (as) passam a ter o direito de obter empréstimos cujo
valor da prestação pode ser de até 30% do seu benefício mensal. Você
poderá pagar o empréstimo com juros entre 1,75% e 2,9% ao mês.
Esperamos que essa medida
possa ajudá-lo(a) a atender melhor às necessidades do dia-a-dia. Por
meio de ações como esta, o Governo quer construir uma Previdência Social
mais humana, justa e democrática. Afinal, a Previdência é sua!
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República
Amir Francisco Lando
Ministro de Estado da Previdência Social”
21 – É abominável o conteúdo dessa carta.
Ao dizer que acabou de sancionar projeto de lei que permitiria aos
aposentados e pensionistas da Previdência acesso a linhas de crédito, o
ex-Presidente faltou com a verdade. É que ficou implícita na mensagem
que antes não seria possível a tal “vantagem” oferecida em mais de dez
milhões de correspondências. Ocorre que a carta é de 29 de setembro de 2004 e desde a edição da Medida Provisória 130/2003, convertida na Lei 10.820/2003, sancionada pelo ex-Presidente Lula, os empréstimos estavam autorizados, tanto é assim que a Caixa já vinha concedendo.
22 – A “novidade” que o ex-Presidente
Lula oferecia aos segurados nas milhões de cartas era que, a partir
daquela data, o banco BMG poderia conceder os empréstimos, pois antes
apenas bancos oficiais que pagassem benefícios previdenciários, como a
Caixa Econômica Federal, poderiam fazer. Isso está assim registrado na
inicial da ação de improbidade administrativa:
“No que se refere à
finalidade de expedição da carta, também apurou o TCU ter havido
irregularidades, uma vez que a lei que permitia aos segurados do INSS
efetuarem empréstimos com consignação em folha de pagamento foi
sancionada 10 meses antes do envio da correspondência. Trata-se da Lei
10.820/2003, apenas modificada pela Lei 10.953/2004, citada na referida
carta.
Na
época de envio das cartas, a única “novidade” era a instituição
financeira recém conveniada e apta a efetuar as operações de crédito,
qual seja, o Banco BMG, cujo convênio com o INSS tinha sido firmado duas
semanas antes, em 14/09/2004, de maneira extremamente ágil para os
padrões do INSS (conforme apurou o TCU nos autos do TC nº
014.276/2005-2, do qual trataremos mais adiante). Além desse banco
privado, somente a Caixa Econômica Federal estava habilitada a fornecer
empréstimos consignados aos pensionistas do INSS, com base em convênio
firmado vários meses antes.
Diante do apurado, podemos
concluir facilmente que a finalidade pretendida com o envio das
correspondências era, primeiramente, promover as autoridades que
assinavam a carta, enaltecendo seus feitos e, consequentemente,
realizando propaganda em evidente afronta ao art. 37, § 1o, da CF, e, ao mesmo tempo, favorecer o Banco BMG, única instituição particular apta a operar a nova modalidade de empréstimo.” (os grifos são do próprio texto)
23 – O relatório do TCU, juntado na ação de improbidade, desmonta a farsa montada na carta do Presidente (doc.08):
“383. A carta faz alusão à Lei nº 10.953, de 27 de setembro de 2004, publicado no DOU de 28/09/2004 que “Altera o art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, que dispõe sobre autorização para desconto de prestações em folha de pagamento” (Anexo, 2.fls. 082)
384. Assim, a própria ementa
da Lei nº 10.953/2004 esclarece que, ao contrário do que afirmam na
carta o Presidente da República e o ex-ministro da Previdência Social –
de que ela “permite aos aposentados e pensionistas da Previdência Social
acesso a linhas de crédito com taxas de juros reduzidas” – foi a Lei nº
10.820/2003 que, dez meses antes, criou a possibilidade da consignação
em folha de empréstimos e financiamentos, ao passo que o novo diploma
apenas alterou o art. 6º da Lei nº 10.820/2003 (Anexo, 2, fls. 083 a
085).
385. Tanto é assim que desde
maio a Caixa Econômica Federal já operava o convênio com a DATAPREV e o
INSS para essa finalidade. Não poderia fazê-lo se a medida houvesse sido
instituída pela Lei mencionada na carta presidencial.”
24 – De mais a mais, a carta faz alusão a
valores como taxas de juros que nada tem a ver com informação de
interesse institucional. O TCU pronunciou-se assim:
“391. Evidencia-se que o teor da correspondência nada esclarece sobre a Lei no 10.953. (que referia ter acabado de sancionar)
392. A carta faz alusão a
valores cobrados com taxas de juros, que não constam do texto de nenhuma
lei, decreto ou instrução normativa. (…) Quando o Presidente da
República e o Ministro da Previdência subscreveram que “Você poderá
pagar o empréstimo com juros entre 1,75% e 2,9% ao mês” não estavam se
referindo a informações oficiais (…)
393. E mais. Afirmaram que
“Esperamos que essa medida possa ajudá-lo(a) a atender melhor às
necessidades do dia-a-dia”. Desse modo, a sanção da Lei constituiu-se em
pretexto para o intuito de enviar correspondência ao universo de
segurados da Previdência Social, destacando a possibilidade de
realização de operações de empréstimos. (…)
394. O momento para o envio de correspondência com finalidade esclarecedora foi após a sanção da Lei no 10.820. A expedição das cartas a partir de 29/09/2004 coincide com a entrada em operação do Convênio com o Banco BMG em 14/09/2004.
395. A assinatura por agente
público de documentos, com a marca d’água da República e custeado pelo
Erário, proclamando as vantagens da aquisição de empréstimos que,
naquela data, eram oferecidos apenas por reduzido número de instituições
financeiras constitui fato relevante e grave.” Na verdade, esse fato não é apenas grave, é gravíssimo, mormente por ter relação direta com o esquema do mensalão.
25 – O BMG foi o banco que mais cresceu
no ano de 2004, dedicando-se quase exclusivamente à concessão dos
referidos empréstimos (85% da sua carteira de crédito). Registre-se que,
apesar de as taxas de juros serem menores do que as praticadas no
mercado de empréstimos sem garantia, elas eram superiores às taxas
praticadas nos empréstimos com garantia, ou seja, empréstimos
consignados em folha de pagamento (nesse tipo de empréstimo, devido à
garantia de o credor ter acesso direto ao rendimento formal do devedor,
os juros são os mais baixos do mercado). Ocorre que os juros cobrados
nos empréstimos consignados em folha de pagamento dos aposentados e
pensionistas (empréstimos com garantia) eram superiores aos juros dos
empréstimos feitos aos servidores ativos, embora a garantia seja a
mesma. Daí, o fabuloso lucro experimentado pelo banco suspeito.
26 – O enviou das milhões de cartas
fazendo propaganda dos empréstimos foi o fechamento com sucesso (rendeu
vultosos lucros) da criminosa série de ilegalidades, imoralidades e
afronta aos mais elementares princípios que norteiam a Administração
Pública. A série escandalosa de absurdos envolveu alteração legislativa e
atropelos a tudo e a todos que se apresentassem como obstáculo,
incluindo intimidação, perseguição e até a exoneração de servidora que
se negou a publicar o ato criminoso.
27 – Demonstração dos absurdos estão registrados na inicial da ação de improbidade:
“O Relatório de Auditória do TCU datado de 29/09/2005, produzido nos autos do TC 014.276/2005-2, verificou que o “o BMG foi a instituição financeira cujo processo ocorreu de forma mais célere. Foram 5 dias entre a publicação do Decreto no 5.180 e a manifestação de interesse. E 8 dias entre a manifestação de interesse e a celebração do convênio. Via de regra, são no mínimo dois meses de tramitação processual. O
BMG também foi a única instituição financeira não pagadora de
benefícios a aposentados e pensionistas do INSS que celebrou convênio
antes da adequação da norma interna do INSS ao Decreto no 5.180/2004. A IN no
110/2004 só foi publicada em 14/07/2004. O Banco BMC, Banco Cruzeiro do
Sul e Banco Bonsucesso, que apresentaram suas manifestações em datas
próximas à data de manifestação do BMG, só conseguiram assinar o ajuste
depois da publicação da IN no 110/2004.
(…)
Reiteradas vezes relataram que a tramitação do processo do BMG foi completamente atípica. O
processo das demais instituições financeiras, desde a manifestação do
pedido até a celebração do convênio, levava, no mínimo, dois meses. Era
necessário o encaminhamento dos documentos de regularidade fiscal, da
manifestação de concordância com a minuta do convênio, da elaboração de
testes e troca de arquivos com a Dataprev, até que disso resultasse a
assinatura do termo de convênio.
Diferentemente das demais, a manifestação de interesse do BMG foi encaminhada diretamente à Presidência do INSS, que em 8 dias promoveu a assinatura do convênio. Isso
ocorreu a despeito de não existirem ainda uma minuta-padrão e um plano
de trabalho adaptados à nova regulamentação que permitiu que
instituições financeiras não pagadoras de benefícios aderissem ao
convênio, e de não terem sido submetidos à PFE/INSS para aprovação.
(…)
Conforme os relatos da
Coordenadora-Geral de Benefícios, à época, Ana Adail F. de Mesquita, o
processo foi avocado pela Presidência da autarquia. Como havia chegado o
dia da reunião para discussão dos termos do convênio, ela foi em busca
do processo na Presidência. Foi quando tomou conhecimento de que o
convênio já havia sido assinado. Foi pedido a ela que promovesse a
publicação do extrato do convênio. Constatando
as modificações promovidas e as irregularidades existentes, ela se
recusou a fazê-lo. Dois dias depois foi afastada de suas atribuições e
comunicada a sua exoneração.
(…)
A demanda do BMG em utilizar a comprovação eletrônica como forma de autorização do empréstimo, feita em 19/10/2004, também foi rapidamente atendida por meio da assinatura de Termo Aditivo, em 25/11/2004.
(…)
Em 10/12/2004, o BMG pediu
que fosse autorizada a cessão de créditos para outra instituição
financeira. Antes mesmo de consultar a PFE/INSS quanto à legalidade da
operação, o Presidente do INSS, Carlos Gomes Bezerra, pronunciou-se
favoravelmente à solicitação, desde que não onerasse o INSS ou a
Dataprev. A PEF/INSS, em 26/01/2004, ratificando posicionamento do Banco
Central do Brasil, informou não existirem óbices jurídicos sob o ponto
de vista da regulamentação do Sistema Financeiro Nacional. Enfatizou, entretanto, a necessidade de se adaptar a IN no 110/2004, o que ocorreu de pronto. Em 28/01/2005, foi publicada a IN no 114/2005, com as adaptações necessárias para atender ao pedido, e foi comunicado ao BMG a concessão da autorização.
(…)
O fato de apenas o BMG, como
instituição não pagadora de benefício previdenciário, ter atuado no
mercado de empréstimos consignados a aposentados e pensionistas de 26/08
a 20/10/2004, dois meses aproximadamente, a despeito de outras 4
instituições financeiras terem manifestado o mesmo interesse, sem que
obtivesse êxito, e de a norma interna do INSS ainda não ter
regulamentado esta possibilidade, demonstra também o favorecimento.
Todo o exposto poderia
explicar como uma instituição de pequeno porte como o BMG, com apenas 10
agências e 79 funcionários na área operacional, de acordo com dados
divulgados pela imprensa sobre os Demonstrativos Financeiros do
exercício de 2004, conseguiu que seus lucros subissem de R$ 90,2
milhões, em 2003, para R$ 275,3 milhões, em 2004, o que representa um
crescimento de 205%. De acordo com o Relatório da Administração, as
operações de consignação em folha representavam 85% da carteira de
crédito do BMG em 31/12/2004.
Há que se ressaltar,
inicialmente, que a conduta do Sr. Carlos Gomes Bezerra, na qualidade de
Diretor-Presidente do INSS possibilitou ao Banco BMG S/A a concessão de
1.431.441 (um milhão, quatrocentos e trinta e um mil e quatrocentos e
quarenta e um) empréstimos em consignação totalizando um montante
aproximado de R$ 3 bilhões de reais (f.50)
– posição de agosto de 2005 – o que tornou, essa instituição
financeira, a líder, tanto em número (35,3% do total), como em montante
de empréstimos em consignação (36,3% do total), superando, inclusive, a
própria Caixa Econômica Federal com as suas mais de duas mil agências.
A gravidade da conduta
indevida não se limita a essa questão processual. O termo de convênio
assinado com o BMG diferiu dos termos das demais instituições
financeiras, que, frise-se, seguiam o mesmo padrão. Isso permitiu que o
BMG assumisse e consolidasse sua posição no mercado de empréstimos em
consignação no período em que o convênio estava vigente até a sua
anulação.
Com efeito, foram
incluídas disposições no convênio, fora da minuta-padrão e sem o
parecer da assessoria jurídica, que denotam, claramente, a concessão de
vantagens indevidas ao citado banco e de atipicidades processuais que não foram justificadas pelo responsável em sua defesa.” (os grifos são do próprio texto transcrito)
28 – E continua a incisiva peça inaugural da ação de improbidade administrativa:
“Ora, não bastasse o
favorecimento escancarado ao Banco BMG na celebração do convênio com o
INSS, esta instituição também foi beneficiada com propaganda gratuita
(pago com recursos públicos), consistente no envio de correspondência
assinada pelo Presidente e seu Ministro da Previdência a todos os
segurados do INSS, a fim de anunciar que agora os aposentados e
pensionistas poderiam realizar empréstimos consignados a juros
reduzidos.
Por óbvio, os requeridos não
mencionaram na referida carta que os segurados só poderiam procurar duas
instituições financeiras para obter o “incrível” empréstimo. Mas nem
era preciso, pois, ao realizarem pesquisa no mercado, os aposentados e
pensionistas só encontrariam a Caixa e o BMG aptos a firmarem tais
contratos. Em outras palavras, não era necessário que os réus se
comprometessem e deixassem clara sua intenção de favorecer o BMG. Foi
possível fazer promoção pessoal de seu sucesso gerencial e ainda
realizar propaganda para a instituição financeira que pretendiam
favorecer, sem que isso ficasse explícito.
E a estratégia deu tão certo
que o BMG ultrapassou a Caixa na concessão dos empréstimos, tendo
efetuado empréstimos em consignação totalizando um montante de
aproximado 3 bilhões de reais (posição de agosto de 2005).”
29 – A relação de ilegalidades e
atrocidades praticadas contra a Administração Pública para implementar o
favorecimento ao banco suspeito de participar do esquema do mensalão,
apontadas na referida ação de improbidade, é extensa. Nesta
representação, mencionam-se apenas alguns pontos reputados suficientes
para justificar a providência em questão. A propósito, conforme consta
no relatório do TCU, foram necessárias várias carretas para transportar a
grande quantidade de papel utilizado na confecção das cartas:
“398. O processo de impressão
das cartas afetou de tal modo a rotina da DATAPREV que chegou a
efetuar-se um procedimento de aquisição emergencial de 18.000 (dezoito
mil) resmas de papel (Anexo 2, fls. 138). A tarefa exigiu o consumo de
34.000 (trinta e quatro mil) resmas de papel A4 e 566 (quinhentos e
sessenta e seis) frascos de toner (Anexo 2, fls. 123). (…) Foi
necessária uma sofisticada operação logística para a entrega do material
em diversas carretas (…).”
A RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO EX-PRESIDENTE LULA
30 – O artigo 29 do Código Penal dispõe: “Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”.
Assim, homem ou mulher, homossexual ou heterossexual, forte ou fraco,
feio ou bonito, popular ou impopular, cuja conduta tenha concorrido para
a prática delitiva deve ser responsabilizado, a fortiori, quando
as condutas são reiteradas e indisfarçavelmente deliberadas para a
prática de crimes gravíssimos contra a Administração Pública.
31 – Segundo a denúncia do mensalão, uma
das fontes que proporcionaram elevados recursos para o esquema criminoso
veio da concessão de empréstimos a segurados do INSS. O banco BMG,
facilitado pelo comando central da quadrilha (nas letras da denúncia),
operou empréstimos consignados em folha de pagamento, e faturou alto.
Esse banco, segundo a acusação, fez empréstimo fictício ao PT. O
relatório recente da Polícia Federal acrescenta que o BMG, além de
“emprestar” ao PT, também “emprestou” a empresas que teriam participado
do esquema criminoso.
32 – Com efeito, tendo em vista que o
ex-Presidente Lula praticou atos sucessivos que favoreceram
escandalosamente o BMG, sendo que esse banco, segundo a denúncia,
irrigou financeiramente o esquema criminoso do mensalão, conclui-se que,
nos termos do artigo 29 do Código Penal, o ex-Presidente deve responder
por esses atos, pois ninguém está acima da lei, ainda que o suposto
infrator seja muito popular. Se havia alguma dúvida da participação do
Sr. Luiz Inácio Lula da Silva no favorecimento à referida instituição
financeira, a ação de improbidade administrativa contra ele ajuizada,
suporte desta representação, não deixa mais dúvida.
33 – De mais a mais, o derradeiro
relatório da Polícia Federal mostra que, além do apurado anteriormente,
outras empresas e pessoas físicas receberam recursos das agências de
publicidade de Marcos Valério. Muitos desses recebedores não sabiam que
os recursos vinham do esquema criminoso. É que a trama montada era tão
abusada que Valério tornou-se uma espécie de administrador de recursos
públicos. Assim, quem recebesse patrocínio público ou prestasse serviço
de publicidade ao Governo Federal corria o risco de receber o pagamento
por meio de recursos transitados por uma das empresas de Marcos Valério,
“o administrador de recursos públicos”.
34 – A título exemplificativo, a
Associação dos Juízes Federais da Primeira Região (AJUFER) recebeu
patrocínio dos Correios, todavia, o dinheiro, antes de ser liberado,
passou por uma das empresas de Marcos Valério, que “administrava” os
recursos públicos. Representantes dessa associação alegaram desconhecer o
trâmite dos recursos, dizendo que só ficaram sabendo com a quebra do
sigilo bancário de Valério. Essa não foi a única associação de
magistrados que recebeu recursos na mesma situação. O relatório
derradeiro da PF traz relação de várias empresas e pessoas físicas que
receberam dinheiro em idêntica situação. É possível que muitas delas
desconhecessem a condição de “administrador de recursos públicos”
conferida a Marcos Valério pelo Decreto 4.799/2003. A propósito, veja-se
registro do dia 03/08/2005, referente à reunião da Comissão Mista
Parlamentar de Inquérito, quando o relator informou justificativa
apresentada pela referida associação de juízes:
“O SR. RELATOR (Osmar
Serraglio, PMDB – PR) – Sr. Presidente, já que V. Exa. está fazendo
comunicados, muito brevemente, quero dizer ao Plenário da Comissão que
recebemos, da Associação dos Juízes Federais da Primeira Região, Ajufer,
a documentação. Só para lembrar, essa associação teve o nome vinculado à
liberação de recursos. Leio a conclusão, para ser breve – eles estão
juntando a documentação e dizendo o seguinte: (…) que
apresentam a documentação comprobatória de não ter mantido qualquer
relacionamento com o publicitário Marcos Valério e suas empresas, como
também do patrocínio legal e legitimamente solicitado aos Correios, e
por essa empresa deferido, ter sido, sem conhecimento e anuência da
Ajufer, pago por agência de publicidade vinculada aos Correios, com base
no Decreto n. 4.799.” Grifou-se
35 – A função de “administrador de
recursos públicos” conferida a Valério ocorreu graças ao Decreto nº
4.799/2003, editado pelo ex-Presidente Lula, que alterou a forma de
prestação dos serviços de publicidade do Governo Federal. A exemplo do
Decreto nº 5.180/2004, elaborado com o nítido propósito de favorecer o
BMG, e que de fato favoreceu, o Decreto nº 4.799/2003 teve o
indisfarçável objetivo de proporcionar a Marcos Valério o manejo de
vultosos recursos da área de publicidade. Esse famigerado ato normativo
introduziu Valério na estrutura da administração pública.
36 – A prestação de serviços de
publicidade do Governo Federal por intermediação das agências de Marcos
Valério foi algo indecente, proporcionando tanto fraudes por serviços
não prestados ou superfaturados (prestados por outras empresas e
cobrados a mais) como “participação” no pagamento de patrocínio, ou
seja, os recursos públicos eram sugados de várias formas. O último
relatório da PF divulgado na imprensa recentemente ratifica e traz mais
detalhes sobre a distribuição de recursos públicos captados por Valério.
Isso ocorreu graças ao Decreto 4.799/2003, que proporcionou a Marcos
Valério o acesso a diversas fontes de recursos públicos. Daí, mais uma
vez, por força do artigo 29 do Código Penal, o ex-Presidente Lula, autor
dos decretos, deve responder criminalmente.
37 – Há registro formal de participação
do ex-Presidente da República nas duas principais fontes de recursos do
mensalão. Assim, por força do que determina a lei, especialmente o art.
29 do Código Penal, ele deve ser processado para que o Poder Judiciário
possa apreciar a sua conduta, pois o poder de acusar não é
discricionário. Diante de provas tão evidentes da participação do
representado, o Ministério Público tem o dever legal de levá-lo ao
Judiciário. Aliás, se antes já era reclamada a sua presença no rol de
acusados, tornou-se obrigatória, após o ajuizamento da ação de
improbidade administrativa, com fartas provas de participação no
favorecimento ao Banco suspeito que, segundo a denúncia (e as robustas
provas), irrigou vultosos recursos ao megaesquema criminoso do mensalão.
38 – Além da submissão legal a que todos
estão obrigados, há necessidade da presença do ex-Presidente na ação
penal do mensalão para que se possa punir os autores intelectuais do
esquema criminoso. É que, como costuma acontecer na prática de
corrupção, os crimes são perpetrados sob aparência de legalidade, tanto é
que no caso do mensalão atos normativos foram produzidos para
viabilizar o esquema criminoso. Ocorre que os autores intelectuais não
praticaram atos materiais, quem os praticou foi o ex-Presidente Lula,
logo a ausência deste na ação penal inviabiliza a punição daqueles.
39 – Não é fácil encontrar provas para
responsabilizar os principais autores, mormente os autores intelectuais.
Com isso, deixar de fora da acusação quem assinou os atos normativos é
fechar as portas para a punição dos envolvidos graúdos; no máximo serão
punidos os miúdos que deixaram rastros. Não é por acaso que José Dirceu
está ansioso pela conclusão do processo, pois sabe que será absolvido,
uma vez que não praticou nenhum ato material (não assinou medida
provisória, decreto ou instrução normativa; não mandou ofício, nem
bilhete; não celebrou contrato ou qualquer outro ato material que possa
fundamentar uma condenação).
40 – A situação mudará de figura
se o ex-Presidente Lula for acusado, pois a toda evidência a ideia de
editar medida provisória, decretos, mandar cartas a aposentados etc.,
cujos objetivos criminosos saltam aos olhos, certamente não partiu dele.
Ele materializou a intenção criminosa e, por força da lei, deve
sentar-se no banco dos réus para explicar as razões que o levaram a
praticar tais atos, e aí tudo indica que aparecerão os autores
intelectuais. Caso isso não seja feito, não haverá punição para os
líderes da societas sceleris, no máximo ter-se-á alguma punição para os integrantes braçais do esquema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
41 – Na condição de membro do Ministério
Público Federal, este Procurador sente-se envergonhado e, como cidadão
brasileiro, estarrecido com os acontecimentos envoltos no mensalão.
Estarrecido pela ousadia das pessoas que detém o poder, e o utilizam
para a prática delitiva. Envergonhado pela ausência de ação efetiva do
ex-PGR Antonio Fernando, que chegou a discutir publicamente com
integrantes da CPI para que Marcos Valério não fosse preso, apesar de
ser de conhecimento público que ele destruía provas. Envergonhado porque
Marcos Valério, a exemplo de Durval Barbosa (delator no processo que
derrubou o ex-governador Arruda), tentou colaborar nas investigações
para ter o benefício da delação premiada, mas o ex-PGR Antonio Fernando
não “aceitou”, sob a alegação de que seria “prematura” e “inoportuna”.
42 – Ora, qualquer acadêmico de Direito
sabe que a apreciação dos benefícios da delação premiada, conforme
expressamente disposto na lei, é feita no final do processo, quando se
verificará se a colaboração efetivamente contribuiu para a identificação
dos demais participantes da atividade criminosa. Portanto, não tem o
menor cabimento dizer que a delação seria “prematura” ou “inoportuna”.
43 – Destarte, pareceu absolutamente
estranha a recusa à colaboração de Valério. Aliás, Sílvio Pereira, que
foi secretário-geral do PT, em entrevista ao Jornal O Globo, disse que,
em uma conversa com Marcos Valério, este lhe falou que, se ele (Valério)
entregasse todo mundo, derrubaria a República. Apesar de Sílvio Pereira
ter sido denunciado, lhe foi proposta a suspensão processual; assim,
ele foi poupado de ser interrogado em juízo.
44 – Desse jeito, sem a colaboração de
Marcos Valério, sem a oitiva de Sílvio Pereira e, sobretudo, sem a
presença do ex-Presidente Lula, o processo do mensalão, ao que tudo
indica, está fadado ao insucesso. Por isso este Procurador representou
contra o ex- PGR Antonio Fernando, pois pareceu evidente que ele não
observou os princípios que norteiam a persecução penal.
45 – Agora, diante da mencionada ação de
improbidade administrativa manejada contra o ex-Presidente Lula,
trazendo mais elementos contundentes, indicativos de sua participação na
empreitada criminosa, conhecida por mensalão, bem como do último
relatório da PF, que reforça a existência desse gigantesco esquema
criminoso e traz mais provas, este membro do MPF lança mão da faculdade
legal de representar para que o ex-Presidente responda por seus atos,
como determina a lei.
46 – O ex-Presidente Lula
praticou atos gravíssimos que fomentaram o megaesquema criminoso do
mensalão, depois disse que não sabia de nada; fez demonstração pública
de apoio a pessoas acusadas de corrupção; por várias vezes deu
demonstração de indiferença ao cumprimento da lei; desdenhou decisões do
TSE, a ponto de fazer piada quando sofreu pequenas punições de multa
por sucessivas infrações à lei eleitoral. Quando perguntado por
jornalistas como o seu filho, de modesto servidor de um zoológico,
tornou-se empresário de sucesso, o ex-Presidente sugeriu, em tom que
pareceu ironia ou desprezo à inteligência alheia, que o seu filho
poderia ser um “fenômeno” dos negócios, a exemplo de Ronaldo no futebol.
47 -Recentemente, mais uma vez
ele voltou à contumaz atitude desafiadora e debochada com o sistema
jurídico do país: em tom jocoso, ele “profetizou” que o processo do
mensalão terminará no ano de 2050. É confiar demais na impunidade: até
quando ele continuará zombando sem responder por seus gravíssimos atos?
47 – É inadmissível que alguém se ache no
direito de fazer o que bem entende, tripudiando do ordenamento jurídico
do país. É constrangedor deixar impunes grandes infratores, enquanto se
punem pequenos infratores, por exemplo, humildes servidores municipais
que, para complementar o irrisório salário, tentam receber benefício
assistencial, como o Bolsa Família, ocultando a condição de servidor
público. Esses pequenos infratores, quando pegos, o que costuma ocorrer
com frequência, perdem o emprego, além de outras punições de natureza
penal, civil e administrativa. A título exemplificativo, a
Controladoria-Geral da União (CGU) anunciou, em tom solene e com muito
estardalhaço, a demissão, no Governo Lula, de quase três mil servidores
públicos do Executivo, mas a CGU nada fez para responsabilizar os
megainfratores envolvidos no mensalão.
48 – A propósito, não é de se descartar
que muitos desses servidores possam ter sido punidos injustamente por se
recusarem a participar ou se opuserem a práticas criminosas, basta
lembrar o que aconteceu com a Coordenadora-Geral de Benefícios do INSS,
exonerada porque se recusou a publicar convênio, eivado de ilegalidades,
celebrado às pressas para beneficiar banco suspeito de participar do
mensalão.
49 – Fechando esta representação, vale
ressaltar que a alteração legislativa autorizando a operação financeira,
consistente nos empréstimos consignados em folha de pagamento a
aposentados e pensionistas, bem como as mais de dez milhões de cartas
assinadas pelo representado e custeadas pelos recursos públicos, fazendo
propaganda dos tais empréstimos, produziram dois resultados distintos:
lucros fabulosos para o banco suspeito de integrar o esquema criminoso
do mensalão, e endividamento para milhões de aposentados e pensionistas.
O pior é que muitos tomaram empréstimos sem que tivessem necessidade
própria. Eles, provavelmente, foram convencidos ou até mesmo
pressionados por familiares a pegar o dinheiro fácil, a “juros
vantajosos”, oferecidos na carta presidencial (o dinheiro deve ter ido
para familiares, e não para o aposentado). Além disso, diversos foram
vítimas de estelionatários que tomaram empréstimos fraudulentos em nome
do segurado da Previdência.
50 – Se não bastassem os endividamentos,
prejuízos e problemas que os pobres aposentados sofreram em virtude da
trama arquitetada para arrecadar dinheiro para o esquema criminoso,
parece que esses idosos contribuíram para prejudicar outra categoria de
idosos: os servidores públicos aposentados. É que a taxação dos inativos
(servidores públicos aposentados), ao que tudo indica só foi possível
graças ao mensalão. Essa hipótese é bem provável tendo em vista que
antes, no Governo FHC, tentou-se taxar os futuros aposentados do serviço
público e não houve apoio parlamentar. Porém, no Governo Lula,
conseguiu-se taxar não apenas os que ainda iriam se aposentar, mas os
que já estavam aposentados.
51 – Tudo leva a crer que isso só foi
possível graças ao mensalão. É que a questão não envolvia apenas
resistência política como, por exemplo, quando se tentou taxar os
futuros inativos, que tinham mera expectativa de direito. Ao taxar os
que já estavam na inatividade, a questão envolveu violação à segurança
jurídica. Feriu-se de morte o ato jurídico perfeito e o direito
adquirido, cláusulas pétreas da Constituição Federal, que não poderiam
ser alteradas por emendas. Contudo, pelo visto, nada disso resistiu à
força do mensalão.
52 – Vejam-se as coincidências. Em 2003,
ano da votação da emenda constitucional 41, que taxou os inativos do
serviço público, o BMG fez “empréstimos” ao PT e a algumas empresas
suspeitas de participar do mensalão. Naquele mesmo ano, por meio da
Medida Provisória 130/2003, convertida em seguida na Lei 10.820/2003,
instituíram-se os empréstimos a aposentados, consignados em folha de
pagamento. Todavia, como visto, inicialmente o BMG não conseguiu
habilitar-se, porque um parecer da Procuradoria Federal do INSS, daquele
mesmo ano (2003), dizendo que apenas instituições financeiras pagadoras
de benefícios poderiam participar da concessão de empréstimos
consignados (o BMG não pagava benefícios). Em 2004, o ex-Presidente Lula
baixou o Decreto 5.180/2004, “esclarecendo” que, mesmo bancos que não
pagassem benefício, poderiam conceder os empréstimos. Esse
“esclarecimento presidencial” proporcionou ao BMG ingressar na operação
financeira lucrativa, o que foi aquecida com o envio de mais de dez
milhões de cartas, explicando os benefícios dos empréstimos. As cartas
do Presidente despertaram o interesse dos aposentados em fazer
empréstimos, entupindo os cofres do banco suspeito. Assim, parece que o
banco recuperou com sobras o dinheiro “emprestado”, que provavelmente
foi utilizado para “convencer” parlamentares a violar as cláusulas
pétreas, taxando os inativos, inclusive os que já se encontravam na
inatividade. Daí, a lógica aponta que os inativos da iniciativa privada
colaboraram involuntariamente para que os inativos do serviço público
fossem taxados. Essa é a conclusão que se tira da série de ilegalidades,
imoralidades, insanidades e perversidades praticadas para viabilizar o
que ficou conhecido como o mensalão.
53 – Espera-se que os mentores dessas
atrocidades sejam severamente punidos. Para que isso aconteça é
imprescindível que o autor dos atos materiais – o representado – seja
incluído no rol dos acusados, sem o que não será possível alcançar os
autores intelectuais, conforme exaustivamente demonstrada nesta
representação.
Basta de impunidade!
Chega de corrupção!
PORTO ALEGRE/RS, 17 de abril de 2011.
MANOEL PASTANA
Procurador Regional da República
DOCUMENTOS QUE ACOMPANHAM ESTA PEÇA
1 – cópia da denúncia da ação penal do mensalão;
2 – cópia da Medida Provisória 130/2003;
3 – cópia da Lei 10.829/2003;
4 – cópia da Instrução 097/INSS/DC, de 17 de novembro de 2003;
5 – cópia do Decreto 5.180/2004;
6- cópia da inicial da ação de improbidade administrativa contra o ex-Presidente Lula;
7 – cópia da Lei 10.953/2004;
8 – cópia da carta assinada pelo ex-Presidente Lula;
9 -cópia do relatório do TCU;
10 – cópia do Decreto 4.799/2003.
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