Dom
Lorenzo Scupoli, C.R.
Um artifício usado
habitualmente pelo Demônio, para nos dificultar a marcha pelo
caminho da perfeição, é inspirar-nos, fora de tempo, vários bons
projetos, a fim de que deixemos os exercícios de virtude que
praticávamos e pouco a pouco nos demos à prática do vício.
Por exemplo: se um doente
sofre com paciência sua enfermidade, o Inimigo da nossa salvação,
temendo que ele assim adquira o hábito da paciência, lhe propõe
muitos trabalhos santos, que noutro estado físico lhe seriam
possíveis; convence-o de que, com saúde, renderia grandes
homenagens a Deus e seria mais útil a si mesmo e ao próximo. E, uma
vez excitados esses vãos desejos de recuperar a saúde, o Inimigo os
estimula a ponto de causar ao doente grande aflição por não
conseguir o que deseja. Crescem os desejos e cresce a inquietação.
Mas, o Demônio vai avante: consegue, pois, que o doente se
impaciente com a sua enfermidade, que ele começa a considerar não
tanto como enfermidade, mas, como obstáculo aos planos quiméricos,
que apaixonadamente deseja realizar, sob o pretexto de fazer grande
bem.
Quando o Inimigo consegue
chegar a esse ponto, cancela pouco a pouco do espírito do enfermo
toda a ideia das boas obras projetadas e só lhe deixa o anseio de
ficar livre da doença. E, se esta se prolonga além do que esperava,
enche-se de pesar e perde a calma.
É
assim que a pobre alma afrouxa
da virtude que praticava até o vício oposto.
O meio para te defenderes
desta ilusão é o seguinte: seja qual for o sofrimento que te
crucia, toma cuidado para nada desejares fora da possibilidade,
porque, estando essa boa obra fora de teu alcance, só te pode causar
inquietação e desprazer. Convence-te, portanto, com grande
humildade e resignação, de que, saindo desse estado por bondade
divina, todos os bons desejos que agora tens ficarão talvez sem
efeito, porque não terás mais quiçá a coragem para realizá-los;
pensa ao menos que o Senhor, por disposição secreta da Sua
Providência ou em castigo de teus pecados, não quererá que tenhas
o prazer de realizar essa boa obra, mas que preferirá ver-te
submisso aos seus desejos e humilhado sob Sua mão todo-poderosa.
Assim também, deves proceder
quando fores obrigado, por ordem do teu diretor espiritual, ou por
qualquer outra razão, a interromper tuas devoções ordinárias ou a
ausentar-te por algum tempo da Mesa Eucarística.
Não te deixes abater pelo
pesar; mas, renuncia interiormente à tua vontade e conforma-te com a
de Deus, dizendo:
“Se Deus, que conhece minha
alma até o fundo, não tivesse encontrado nela nem faltas, nem
ingratidão, eu não teria sido privado da Santa Comunhão.
Seja seu Nome eternamente
bendito, pois, assim me fez reconhecer a minha indignidade. Eu creio,
firmemente, Senhor, que, enviando-me aflições, de mim não desejais
senão que eu as suporte com paciência e para Vos agradecer,
oferecendo-Vos meu coração sempre submisso a Vossa vontade, sempre
pronto a Vos receber, a fim de que nele entrando possais enchê-lo de
consolações espirituais e defendê-lo contra as potências
infernais que vô-lo querem roubar. Fazei, meu Criador e Salvador,
fazei de mim o que for mais agradável aos Vossos olhos. Que Vossa
divina vontade seja agora e sempre meu apoio e meu alimento. Eu só
Vos peço uma coisa: é que minh’alma, purificada de tudo quanto
Vos desagrada e ornada de todas as virtudes, fique em estado de Vos
poder receber como também de fazer tudo que Vos aprouver
ordenar-lhe”.
Os que se sentem levados a
empreender obras que ultrapassem suas forças – seja esse desejo
puramente natural, seja de proveniência diabólica (pois o Demônio
pode tentar assim desgostá-los da virtude), seja inspiração de
Deus para experimentar-lhes a obediência, se eles praticarem o que
expusemos, podem esperar que se lhes oferece a oportunidade de
progredir no caminho da salvação e de servir a Nosso Senhor da
maneira mais agradável, e nisto está a verdadeira devoção.
Nota também que, no emprego
de meios inocentes e de que se serviram os mesmos Santos, quando
procuras livrar-te de uma doença e de qualquer aborrecimento deves
sempre evitar o demasiado empenho, não desejes com excessivo ardor
que tudo corra à medida de tuas aspirações. Sê resignado em tudo
e não busques senão a vontade de Deus. Com efeito, quem te garante
que é por este meio e não por aquele que Ele deliberou livrar-te de
teus males? Se não fores conformado, o prejuízo é teu: talvez não
consigas o que ardentemente almejas e então não conseguirás fugir
à impaciência: ou, se o conseguires, não evitarás que muitos
defeitos prejudiquem tua paciência, pelo que ela será menos
agradável a Deus e teu merecimento ficará notavelmente reduzido.
Desejo, enfim, descobrir-te um artifício secreto do nosso amor
próprio, que sempre acha meio de nos esconder nossos defeitos, por
mais grosseiros e evidentes que sejam. Um doente, por exemplo, que se
aflige em demasia com sua doença, quer que se tome sua impaciência
por manifestação de zelo por um bem aparente. Se lhe dermos
crédito, não se trata propriamente de impaciência, mas de um justo
pesar por ver que sua enfermidade é um castigo de seus pecados ou
que dá muito incomodo aos que lhe prestam serviço. No mesmo caso
está o ambicioso que se queixa de não ter conseguido determinada
honra ou dignidade a que aspirava. Ele não quer atribuir seu pesar à
vaidade; mas a atribui a outras causas que, entretanto, se sabe não
lhe despertam interesse, sob outros aspectos. Assim é que o doente,
que tanto se comove pelos que lhe prestam serviço, pouco se
incomoda, depois de são, quando os vê sofrendo as mesmas canseiras
no serviço de outros doentes. Aí está um sinal bem certo de que a
impaciência não lhe advém do incomodo que ele causa aos outros,
mas de um secreto horror que ele tem pelas coisas contrárias à sua
vontade.
Quem quiser, portanto, evitar
tais escolhos deve resolver-se a sofrer pacientemente, como dissemos,
todas as cruzes que encontrar neste mundo, venham elas donde vierem.
____________________________
Fonte:
D.
Antônio de Almeida Lustosa, Arcebispo do Pará, “Meu Livro
Inseparável”, pp. 148-152; Rio
de Janeiro, 1940.
Nenhum comentário:
Postar um comentário