1.
Em que consiste.
– O Pecado Original consiste em estarmos, desde o primeiro instante
de nosso ser, privados daquela santidade e justiça original, que
todos devíamos ter, segundo os desígnios de Deus, para que Lhe
fossemos agradáveis; mas, que por culpa do nosso primeiro pai foi
perdida, e que nós novamente recuperamos no Santo Batismo.
Pôs
Deus na alma de Adão duas belezas: uma natural, outra sobrenatural.
Aquela provinha da alma ser espiritual, racional e imortal; esta
outra de ser a alma investida e compenetrada da graça sobrenatural.
Tomemos uma porção de ouro e teremos beleza e preciosidade natural.
Moldai artisticamente este ouro, guarnecendo-o de pedras preciosas e
preciosos diamantes, e tereis imprimido nesse ouro, artificialmente,
uma beleza que dantes não tinha.
Adão,
com o pecado, perdeu a graça e, portanto, a beleza sobrenatural: não
podia, pois, transmiti-la à posteridade. Nasce, pois, o homem
privado deste esplendor que a graça lhe concedia, embora conserve a
beleza natural. Nesta ausência consiste o Pecado Original.
A
cor negra é a privação do branco. É, pois, manifesto e real
defeito, aparecer negro o que deveria ser branco; assim é verdadeira
mancha estarmos desprovidos da graça que deveria ser um ornato.
Que
um soldado seja simples soldado, nenhum mal; mas, que seja degradado
e reduzido a simples soldado o que era capitão ou general, isto é
gravíssimo mal. Esta precisamente é a nossa condição antes do
Batismo, condição odiosa aos olhos de Deus, que vê o aviltamento
da alma que tão alto tinha elevado.
O
Pecado Original é morte, porque destrói a vida superior da
santidade. Essa destruição é, na ordem divina, realmente morte,
como o corpo sem alma está realmente morto na ordem humana.
O
Pecado Original torna-nos escravos do Demônio, porque Satanás
considera-se dono da criatura transviada do seu fim. Invejoso da
felicidade do homem, ele o torna seu imitador na culpa, e o atira na
sua própria ruína e desventura.
O
Pecado Original é voluntário e de culpa para nós, só porque Adão
voluntariamente o cometeu como Cabeça e Chefe do gênero humano.
Deus, portanto, não nos pune, mas simplesmente não premei-a com o
Céu a quem tenha o Pecado Original.
Os
atos de um rei, como pessoa pública, são também da nação
enquanto que ele a representa; e por isso, diz-se que a nação fez
ou quis aquilo que muitas vezes até ignora. Assim Adão recolhia na
sua vontade a vontade do seu povo que eram os seus filhos.
Os
atos do rei, como pessoa pública, são imputáveis pessoalmente a
ele, porque pessoais; à nação, ou seja, a cada indivíduo, não
são imputáveis pessoalmente, mas sofrem-se as consequências boas
ou más que advenham dos atos do rei. Assim nós não entramos
pessoalmente no pecado de Adão, mas levamos as consequências, visto
ele ter agido como Chefe da humanidade.
O
Pecado Original não é um ato, mas sim um estado de privação. Para
explicar esta privação, basta aplicar ao gênero humano a lei da
hereditariedade, por força da qual transmite-se aos descendentes
aquilo que se tem. Adão pecou, e pecando perdeu o direito a graça,
ficando-lhe apenas os dons naturais; pois, são estes, e só estes,
que ele transmite à posteridade.
2.
Consequências do Pecado Original.
– Os nossos primogenitores se tivessem obedecido ao Mandamento de
Deus, teriam assegurado a posse, para eles e para seus descendentes,
dos dons sobrenaturais; desobedecendo, perderam eles e todos nós
esses bens, e caiu a humanidade na maior miséria espiritual.
O
efeito não pode ser diverso da causa. Uma silva não pode produzir
uvas, nem uma videira dar-nos amoras. Assim Adão e Eva, que eram a
causa, porque progenitores da humanidade, não podiam comunicar aos
seus filhos senão aquilo que eles possuíam, não já os dons
sobrenaturais que haviam perdido.
Se
um homem perverso entra secretamente no pomar do seu patrão e
envenena a raiz de uma planta preciosa de muita estimação, não se
envenenou a planta toda? Não se perderam os frutos todos que estavam
para nascer e amadurar? Não admira, pois, que o mal ande pela rama,
que apareçam os frutos podres, sem aparência e sem sabor. Ora, todo
o gênero humano é uma grande árvore que proveito de uma única
raiz: Adão e Eva. Foi esta raiz envenenada pela astúcia do Demônio,
para desabafo do ódio que sente contra Deus. Que maravilha, pois,
que todos os ramos desta árvore, todos os seus frutos sintam o mesmo
mal da raiz?
Um
rei faz conde um seu vassalo, e ao título junta uma rica
propriedade, declarando que se for fiel, título e propriedade
passarão aos descendentes. O novo conde revolta-se contra seu
senhor, e este despoja-o de tudo e manda-o para o exílio, onde
nascem os seus filhos. Em que situação nascem eles? Por certo na
mesma condição do pai: sem título, sem bens, no exílio. Nós
filhos de Adão e Eva, perdemos com o Pecado Original o título de
filhos adotivos de Deus, a herança ao Céu, e a terra é o nosso
exílio.
O
Pecado Original não é injustiça nenhuma. Injustiça é castigar
nos filhos, com castigos positivos, os crimes dos pais; mas, não é
injustiça que os filhos não herdem os bens que os pais lhes
deveriam deixar e não deixam, por havê-los perdido por culpa
própria.
Um
senhor inteligente e ativo vê-se em pouco tempo dono de grande
fortuna; mas, entregando-se depois ao vício da jogatina, abre
falência, acordando um dia, senhor apenas da camisa. Infeliz dele e
de seus filhos que provarão todos da miséria. Pois é esta a nossa
história.
Holofernes
para matar à sede os habitantes da cidade de Betúlia, mandou cortar
o aqueduto da água. Seco este, secaram igualmente todas as fontes
que dele se alimentavam. Do mesmo modo Adão, que era o canal de toda
a humanidade, foi cortado pelo pecado, e por isso secaram as demais
fontes que provinham dele.
Saul
foi exaltado
por Deus, por gratuita eleição, como rei de Israel. Por isso, os
seus filhos, sucedendo-lhe, haveriam de herdar a coroa real. Saul
desobedeceu gravemente a
Deus e foi rejeitado, perdendo os seus filhos o direito ao trono.
Por
bondade de deus, foi Adão destinado a reinar no Céu, ele e os seus
descendentes. Transgrediu a ordem divina, e perdeu o direito ao Céu,
como todos os seus filhos que o perderam também.
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Fonte:
Rev. Pe. Fr. Mateus Maria do Souto, O.F.M.Cap., "Verdade e Luz"
- Vida Cristã, Vol. II, Cap. IV - Santíssima Virgem, p. 229-233.
Casa do Castelo - Editora, Coimbra, 1952.
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