Ó Jesus, fazei que a vossa graça triunfe em mim, até me tornar digno de participar na vossa gloriosa Transfiguração.
1. A alma de Jesus pessoalmente unida ao Verbo, gozava da visão beatífica, cujo efeito conatural é a glorificação do corpo. Este efeito não se manifestou em Jesus porque, durante os anos da Sua vida terrena, quis assemelhar-Se a nós o mais possível, revestindo-Se de “uma carne semelhante à do pecado”.1 Contudo, para confirmar na fé os Apóstolos, abalados pelo anúncio da Sua Paixão, Jesus, sobre o Monte Tabor, permitiu que por instantes alguns raios da Sua alma bem-aventurada transparecessem no Seu corpo, e então Pedro, Tiago e João viram-No transfigurado: “O seu rosto ficou refulgente como o sol e as suas vestes tornaram-se brancas como a neve”. Os três ficaram extáticos, porém, Jesus apenas lhes tinha mostrado um raio da Sua glória, porque nenhuma criatura humana teria podido suportar a visão completa.
A glória é o fruto da graça; a graça que Jesus possui em medida infinita redunda numa glória infinita que O transfigura todo. Alguma coisa de semelhante nos acontece também a nós: a graça transforma-nos, transfigura-nos “de claridade em claridade”,2 até que um dia, no Céu, nos introduzirá na visão beatífica de Deus. Assim como a graça transfigura, o pecado, com a sua opacidade, desfigura aqueles que são suas vítimas.
O Evangelho de hoje,3 mostra a íntima relação entre a Transfiguração e a Paixão de Jesus. Moisés e Elias, presentes no Tabor ao lado do Salvador, falavam com Ele e, como especifica São Lucas, falavam precisamente da Sua próxima Paixão, “da sua saída que Ele estava para cumprir em Jerusalém”.4
O divino Mestre queria assim ensinar aos Seus discípulos que era impossível, tanto para Si como para eles, chegar à glória da Transfiguração sem passar através do sofrimento; é a lição que dará mais tarde aos dois discípulos de Emaús: “Porventura não era necessário que o Cristo sofresse tais coisas, e que assim entrasse na sua glória?”.5 O que o pecado desfigurou não pode voltar à sua primitiva beleza sobrenatural senão pelo sofrimento purificador.
2. Extasiado perante a visão do Tabor, Pedro exclama com o seu ardor habitual: “Bom é nós estarmos aqui” e oferece-se para fazer três tendas: uma para Jesus, outra para Moisés e outra para Elias. Mas a sua proposta é interrompida por uma voz do alto: “Este é o meu filho dileto em quem pus toda a minha complacência: ouvi-O!” e a visão desaparece.
As consolações espirituais nunca são um fim em si mesmas, e não devemos desejá-las nem procurar detê-las para nosso gozo. A alegria, mesmo espiritual, não deve ser nunca procurada por si própria; como no Céu a alegria será uma consequência necessária da posse de Deus, assim na terra deve ser unicamente um meio para nos entregarmos com maior generosidade ao serviço de Deus. A Pedro que pede para ficar sobre o Tabor, na doce visão de Jesus transfigurado, responde o próprio Deus, convidando-o antes a ouvir e a seguir os ensinamentos do Seu amado Filho. E bem depressa o Apóstolo ardente saberá que seguir a Jesus significa levar a Cruz e subir com Ele ao Calvário.
Deus não nos consola para nos regalar, mas sim para nos encorajar, para nos tornar fortes e generosos no sofrimento abraçado por Seu amor.
Desaparecida a visão, os Apóstolos ergueram os olhos e não viram mais nada “nisi solum Jesum”, exceto Jesus só, e com “Jesus só” desceram do monte. Eis o que nós devemos procurar sempre e o que nos deve bastar: JESUS SÓ, DEUS SÓ. Todo o resto – consolações, ajudas, amizades mesmo espirituais, compreensão, estima, apoio dos superiores – pode ser bom na medida em que Deus no-lo permite gozar, e Ele serve-Se disto frequentemente para amparar a nossa fraqueza; mas quando, através das circunstâncias, a mão divina nos priva de tudo isso, não devemos desanimar nem perturbar-nos. É precisamente nestas ocasiões que nós podemos testemunhar a Deus – com fatos e não com palavras – que Ele é o nosso Tudo e que Ele só nos basta. É este um dos mais belos testemunhos que pode prestar a Deus uma alma amante: ser-Lhe fiel, confiar n'Ele, perseverar no propósito de uma entrega total, ainda quando Ele, retirando todos os Seus dons, a deixa sozinha, na escuridão, talvez na incompreensão, na amargura, na solidão material e espiritual, unida à desolação interior. É agora o momento de repetir: “Jesus só” e de descer com Ele do Tabor, para O seguir com os Apóstolos até ao Calvário, onde Ele agonizará abandonado não só dos homens, mas também de Seu Pai.
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Fonte: Opúsculo “Vivendo a Quaresma”, da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, Meditação para o Segundo Domingo da Quaresma, pp. 130-132. Edições Apostólicas, Campos dos Goytacazes/RJ, 2010.
1. Rom. 8, 3.
2. II Cor. 3, 18.
3. Mat. 17, 1-9 (Segundo Domingo da Quaresma).
4. Luc. 9, 31.
5. Luc. 24, 26.
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