A Eucaristia é o Sangue do Novo Testamento.
Um testamento, donde é que recebe o seu
pleno efeito? Jesus Cristo morre
e assina com seu Sangue
o ato que nos faz
seus herdeiros.
Torno às palavras da instituição com novo gosto, e acho nelas esta palavra que me toca: Isto é meu sangue do Novo Testamento. Acho, nesta palavra Testamento, não sei que me impressiona, que me enternece. Está aqui um testamento; é a segurança da minha herança; cumpre porém que esta custe a morte Àquele que a faz. Abro ainda a divina Epístola aos Hebreus, acho-lhe estas palavras: Onde quer que haja um testamento, cumpre que a morte do testante aí se encontre: porque o testamento é firmado na morte, e não tem valor enquanto o testante está em vida; foi por isto que o próprio Antigo Testamento não foi consagrado sem sangue. Porquanto, depois que Moisés leu o Mandamento da Lei a todo o povo, tomou sangue da vítima e lançou-o sobre o próprio livro e sobre o povo, dizendo: “É este o sangue do Testamento que o Senhor fez por nós”. Vejo, pois, a herança celeste dada por testamento aos filhos de Deus. Jesus Cristo é o testante: cumpre que morra; o testamento só é válido e só recebe a sua última força pela morte do testante; até aqui é sem efeito; pode-se mesmo mudá-lo; o que o torna sagrado e inviolável, o que lhe dá o seu pleno e inteiro efeito, e põe o herdeiro em posse de todo o bem que lhe foi deixado pelo testador, é a morte deste. E tudo isto se cumpre perfeitamente em Jesus Cristo, que morre para assegurar-nos a nossa herança. É por isto que o Antigo Testamento, que devia ser a figura do Novo, não foi consagrado sem sangue: todo o povo, e o próprio livro da Lei, onde a promessa da herança estava encerrada, é santificado pela aspersão desse sangue; tudo é ensanguentado, e o caráter de morte aparece em toda parte; e Moisés, lançando esse sangue sobre o livro da Aliança, dá-lhe o caráter de testamento, dizendo, segundo o intérprete São Paulo: Está aqui o Sangue do Testamento que faz o Senhor para vosso proveito: o que Jesus realiza dizendo também: Isto é o sangue, não do Antigo Testamento, porém, do Novo.
O que aparece, pois, nessas palavras, e pela relação que elas têm com as antigas figuras, é que o Sangue de Jesus Cristo derramado na Cruz, e derramado de modo realíssimo e veracíssimo, posto que diferente daquele, é o Sangue do Novo Testamento, isto é, o Sangue derramado para lhe dar toda a força. Há testamentos cuja lei é serem escritos pela mão do testador; mas a lei do testamento de Jesus Cristo é que Ele devia ser confirmado,, como todo escrito, com o seu Sangue. O instrumento deste testamento, e o ato em que ele é escrito, é a Eucaristia. As promessas de Jesus Cristo e da nova herança nos são feitas pela morte de Jesus Cristo, que nos tira por elas do Inferno, e nos assegura o Céu; e o ato em que essa promessa é redigida, o instrumento em que a vontade e o depoimento de nosso Pai é escrito, esse ato, esse instrumento é todo escrito com seu Sangue; o seu testamento, numa palavra, é a Eucaristia.
Quem, pois, não ficaria comovido ouvindo todos os dias essas palavras do Salvador: Isto é meu sangue do novo Testamento, ou, como o traduz São Lucas: Este cálice é o novo Testamento por meu sangue, que ele contém; porque ele é a natureza desse testamento, que deve ser todo do próprio sangue do testador!
Vinde ler, cristãos, vinde ler este Testamento admirável; vinde ouvir-lhe a publicação solene na Celebração dos Santos Mistérios; vinde fruir das bondades de vosso Salvador, de vosso Pai, divino Testador, que vos compra por seu Sangue a vossa herança, e que escreve ainda com esse mesmo Sangue o Testamento pelo qual vo-la deixa. Vinde ler esse Testamento; vinde possuir; vinde gozar; a herança celeste é vossa.
_______________________
Fonte: Jacques-Bénigne Bossuet, Bispo de Meaux, “Meditações sobre o Evangelho” – Opúsculo “A Eucaristia”, Cap. XIV, pp. 71-74. Coleção Boa Imprensa, Livraria Boa Imprensa, Rio de Janeiro/RJ, 1942.
Nenhum comentário:
Postar um comentário