O Adversário é mau, eu o reconheço, mas mau para ele mesmo, se perseverarmos na vigilância. Tal é a natureza da maldade: ela só é funesta para aqueles que a possuem.
Deus permitiu intencionalmente que os maus vivessem junto com os bons;1 Ele não concedeu aos maus uma terra diferente, nem fez com que os bons vivessem num outro mundo, mas misturou uns com os outros, realizando assim, uma obra de grande utilidade. Os bons demonstram possuir um mérito mais firme quando vivem e se fazem virtuosos, no meio de pessoas que procuram desviá-los do caminho da justiça e arrastá-los par o mal. Pois, segundo está escrito: “porque, também, é preciso que haja facções2 no meio de vós, a fim de que, entre vós, sejam conhecidos aqueles que são de virtude comprovada”.3 Este é pois, o motivo pelo qual Deus permitiu que os maus subsistissem no mundo: para que os bons brilhem com mais vivo esplendor. Vedes que grande vantagem para eles? Vantagem que não vem dos maus, mas da coragem dos bons…
O mesmo raciocínio deve ser observado com respeito ao Adversário: Deus permitiu que ele também estivesse ali para que vos tornásseis valorosos, para que o atleta tivesse mais esplendor, e maior fosse a grandeza dos combates. Quando, pois, vos perguntarem: por que Deus permitiu a existência do Adversário? Respondei nestes termos: longe de prejudicar os que estão vigilantes e atentos, o Adversário lhes presta serviço, não em consequência de sua vontade própria (que é perversa), mas em consequência da coragem destes homens que sabem tirar bom partido da perversidade dele.
Quando ele se voltou contra Jó, não foi com a intenção de aumentar-lhe o esplendor, mas de destruí-lo. Por isso mesmo, pela natureza do propósito e da intenção, ele era perverso; todavia, ele não causou dano algum ao justo, muito pelo contrário: foi este último quem tirou proveito do combate, como o demonstramos: o Adversário deu testemunho de perversidade, e o justo de coragem.
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Fonte: São João Crisóstomo, Nem os Maus nem o Maligno podem prejudicar o Homem vigilante, 1, 2. Cfr. O Esplendor Cristão, Volume I, São João Crisóstomo, 1ª Parte, Cap. I, pp. 20-21. Ação Carismática Cristã – Fundação São João Crisóstomo, Rio de Janeiro/RJ, 1978.
1. São João Crisóstomo refere-se, certamente, à parábola da boa e da má semente: “Deixai crescer uma coisa e outra até à ceifa e no tempo da ceifa direi aos segadores: Colhei primeiramente a cizânia, e atai-a em feixes para a queimar; o trigo, porém, recolhei-o no meu celeiro” (Mat. 13, 30).
2. Cisões, Heresias.
3. I Cor. 2, 19.
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