CARTA DO ALÉM
Ou, passo-a-passo
para a condenação eterna.1
*Este opúsculo é a transcrição fiel de outro opúsculo intitulado CARTA DO ALÉM, outrora impresso por Artes Gráficas Armando Basílio (Rua Júlia Lopes de Almeida, 16 – Rio de Janeiro) e distribuído pela Livraria Clássica Brasileira (Rua 1º de Março, 147, 2º andar – Rio de Janeiro), e que traz no verso de sua primeira capa estes assentamentos: “Imprimatur do original alemão: Brief aus dem jenseits: Treves, 9/11/1953, N. 4/53. Aprovação Eclesiástica deste opúsculo: Taubaté – Est. De São Paulo – 2/11/1955”.2
À Guisa de Prefácio
Com os homens Deus se comunica por muitos modos. Além de ser a própria Sagrada Escritura a Carta Magna de Deus aos homens, escritura e transmitida por homens autorizados, narra ela muitas comunicações divinas feitas por visões, inclusive sonhos. Deus continua a prevenir, ainda, por sonhos. É que sonhos não são sempre meros sonhos sem base.
A Carta do Além transcrita abaixo conta a história da condenação eterna de uma jovem. À primeira vista, parece uma história bastante romanceada. Bem consideradas, porém, as circunstâncias, chega-se à conclusão de que ela não deixa de ter o seu fundo histórico, como base do seu sentido moral e do seu alcance transcendental.
A carta em apreço foi encontrada, tal qual, entre os papéis de uma freira falecida, amiga da jovem condenada. Relata a freira os acontecimentos da existência da companheira como fatos históricos sabidos e verificados, e sua sorte eterna comunicada em sonho. A Cúria Diocesana de Treves (Alemanha) autorizou sua publicação como sumamente instrutiva.
A Carta do Além apareceu primeiro em livro de revelações e profecias, juntamente com outras narrações. Foi o Revmo. Padre Bernhardin Krempel, C.P., Doutor em Teologia, quem a publicou em separado e quem lhe emprestou mais autoridade, provando-lhe, nas notas de pé de página, a absoluta concordância com a Doutrina Católica sobre o assunto.
No Apêndice seguem alguns esclarecimentos complementares sobre o Inferno. O primeiro ponto assinala dois trabalhos literários que por caminhos diferentes chegam à mesma conclusão: que o Inferno deve existir e que de fato existe. Nos seguintes pontos expõe-se sumariamente quais são os que trilham o caminho do Inferno e quais os meios que temos à mão para nos salvar do maior perigo da vida, de cair no Inferno. Assim termina o Opúsculo, menos alarmante e mais conciliatório.
O Tradutor.
Informações Preliminares
Entre os papéis deixados por uma jovem que morreu num Convento como freira, foi encontrado o seguinte depoimento:
“Tinha eu uma amiga. Quer dizer, éramos mutuamente achegadas como companheiras e vizinhas de trabalho no mesmo escritório M.
Quando mais tarde Âni se casou, nunca mais a vi. Desde que nos conhecêramos, reinava entre nós, no fundo, mais amabilidade do que amizade
Por isso, eu sentia dela pouca falta, quando, após seu casamento, ela foi morar no bairro elegante das vilas, bem longe do meu casebre.
Quando no outono de 1937 passei minhas férias no lago Garda, minha mãe escreveu-me, em meados de setembro: ‘Imagine, Âni N. Morreu. Num desastre de automóvel perdeu a vida. Ontem foi enterrada no cemitério do Mato’.
Essa notícia me espantou. Sabia eu que Âni nunca fora propriamente religiosa. Estava ela preparada, quando Deus a chamou de repente?
Na outra manhã assisti na Capela da Casa do Pensionato das Irmãs, onde eu morava, à Santa Missa em sua intenção. Rezava fervorosamente por seu descanso eterno e nessa mesma intenção ofereci também a Santa Comunhão.
Mas o dia todo eu sentia um certo mal-estar, que foi aumentando mais ainda pela tarde.
Dormia inquieta. Acordei de repente, ouvindo como que sacudida a porta do quarto. Liguei a luz. O relógio, no criado-mudo, marcava meia-noite e dez minutos. Nada, porém, eu podia ver. Nenhum barulho havia na Casa. Apenas as ondas do lago Garda batiam, quebrando-se monotonamente, no muro do jardim do Pensionato. De vento, nada eu ouvia.
Tinha eu, todavia, a impressão de que ao acordar, eu tivesse percebido, além das batidas na porta, um ruído como que de vento, parecido ao do meu chefe de escritório, quando mal-humorado me atirava uma carta amolante sobre a escrivaninha.
Refleti um momento, se devia levantar-me.
Ah! Tudo não passa de cisma, disse-me resoluta. Não é senão produto de minha fantasia sobressaltada pela notícia da morte.
Virei-me, rezei alguns Pai Nossos pelas Almas, e adormeci de novo.
Sonhei então que me levantava de manhã às 6 horas, indo à Capela da Casa. Quando abri a porta do quarto, dei com o pé num maço de folhas de carta. Levantá-las, reconhecer a escrita de Âni e dar um grito, foi coisa de um segundo.
Tremendo, segurei as folhas nas mãos. Confesso que fiquei tão apavorada, que nem podia proferir o Pai Nosso. Fiquei presa de uma quase sufocação. Nada melhor que fugir dali e ir-me para o ar livre. Arranjei mal mente os cabelos, pus a carta na bolsa e saí às pressas de casa.
Fora, subi o caminho que seguia tortuoso para cima, por entre oliveiras, loureiros e quintas de vilas, e para além da mundialmente célebre estrada Gardesana.
A manhã despontava radiante. Nos outros dias eu parava a cada cem passos, encantada pela magnífica vista que me ofereciam o lago e a magnificamente bela ilha Garda. O suavíssimo azul da água refrescava-me; e como uma criança olha admirada para o avô, assim eu olhava sempre admirada de novo o cinzento monte Baldo, que se ergue na margem oposta do lago, crescendo de 64 m acima do nível do mar até 2.200 m de altura.
Hoje eu não tinha olhos para tudo isso. Depois de caminhar um quarto de hora, deixei-me cair maquinalmente sobre um banco encostado em dois ciprestes, onde, no dia anterior, eu tinha lido prazerosamente A Donzela Teresa. Pela primeira vez eu via nos ciprestes símbolos da morte, coisa que neles nunca reparava no Sul, onde tão frequentemente se encontram.
Peguei a carta. Faltava-lhe a assinatura. Sem a mínima dúvida era a escrita de Âni. Nem mesmo faltavam nela o grande ‘S’ em voluta, nem o ‘T’ francês, a que se havia acostumado no escritório para irritar o Sr. G.
O estilo não era o dela. Pelo menos não falava como de costume. Sabia ela tão amavelmente conversar e rir com seus olhos azuis e seu gracioso nariz!
Somente quando discutíamos assuntos religiosos é que ela se tornava mordaz e caía no rude tom da carta. (Eu própria entrei agora na excitada cadência da mesma)”
Eis aí a Carta do Além, de Âni V., palavra por palavra, tal qual a li no sonho:
CARTA DO ALÉM
Clara! Não rezes por mim. Sou condenada. Se te comunico isso e se a respeito de algumas circunstâncias da minha condenação te dou pormenorizadas informações, não creias que eu o faça por amizade. Aqui não amamos a ninguém mais. Faço-o, como “parcela daquele Poder que sempre quer o Mal e sempre produz o Bem”.
Em verdade, eu queria também ver-te aqui, onde eu para sempre vim parar.1
1. São Tomás de Aquino, Summa Theologica (S. Th.) Supplementum (Suppl.), q. 98, a. 4: “Os réprobos querem que todos os bons sejam condenados”.
Não estranhes esta minha intenção. Aqui pensamos todos da mesma forma. A nossa vontade está petrificada no mal – no que vós chamais “mal”. Mesmo quando fazemos algo de “bem”, como eu agora, descerrando-te os olhos sobre o Inferno, não o fazemos com boa intenção.2
2. S. Th. Suppl., q. 98, a. 1: “Neles o autodeterminado querer é sempre de todo perverso”.
Lembra-te ainda:
Faz quatro anos que nos conhecemos, em M. Tinhas 23 anos e já trabalhavas no escritório havia meio ano, quando lá entrei.
Me tiravas bastantes vezes de embaraços, me davas, principiante, frequentes bons avisos. Mas que é que se chama “bom”!
Eu louvava, então, tua “caridade”. Ridículo… Tuas ajudas provinham de pura ostentação, como, aliás, eu já suspeitava.
Nós aqui não reconhecemos bem algum em ninguém!
Conheceste minha mocidade. Cumpre preencher, aqui, certas lacunas.
Conforme o plano de meus pais, eu não devia nunca haver existido. Aconteceu-lhes um descuido, a desgraça da minha concepção.
Minhas duas irmãs já tinham 15 e 14 anos, quando eu vim à luz.
Oxalá nunca eu tivesse nascido! Oxalá pudesse eu agora aniquilar-me, fugir a esses tormentos! Não há volúpia comparável à de acabar minha existência, como se reduz a cinzas um vestido, sem mesmo deixar vestígios.3 Mas é preciso que eu exista; é preciso que eu seja tal como eu me tenho feito: com a falha total da finalidade da minha existência.
4. S. Th. Suppl., q. 98, a. 3, r. ib. Ad 3: “Enquanto a inexistência liberta de uma vida de terríveis castigos, seria ela para os condenados um bem maior do que sua miserável existência… Assim desejam a não existência”.
Quando meus pais, ainda solteiros, mudaram-se da roça para a cidade, perderam o contato com a Igreja.
Assim era melhor.
Mantinham relações com pessoas desligadas da religião. Conheceram-se num baile e viram-se “obrigados” a casar meio ano depois.
No ato do Casamento pegaram neles só algumas gotas de água benta, suficientes apenas para atrair mamãe à Missa domingueira raríssimas vezes por ano.
Nunca ela me ensinava a rezar direito. Esgotava-se nos cuidados de cada dia, ainda que a nossa situação não fosse ruim.
Semelhantes palavras como rezar, Missa, água benta, igreja, só escrevo com íntima repugnância, com incomparável nojo. Detesto profundamente os frequentadores de igreja, assim como todos os homens e coisas em geral.
Tudo se nos torna tormento. Cada conhecimento recebido ao falecer, cada lembrança da vida e do que sabemos, se transforma numa chama incandescente.4
4. S. Th. Suppl., q. 98, a. 7, r.: “Nada há nos réprobos que não lhes seja matéria e causa de tristeza. … Assim dirigindo sua atenção sobre coisas conhecidas”.
E todas essas lembranças nos mostram aquele medonho lado que fora uma graça que desprezamos. Como isso atormenta! Não comemos, não dormimos, nem andamos com as pernas. Espiritualmente acorrentados, nós réprobos, olhamos estarrecidos a nossa vida falhada, uivando e rangendo os dentes, atormentados e cheios de ódio.
Ouves tu? Bebemos aqui ódio como água. Odiamos-nos mutuamente.5
5. S. Th. Suppl., q. 98, a. 4, r.: “Nos réprobos domina um ódio total”.
Mais do que tudo, odiamos a Deus. Procuro tornar-te isso compreensível.
Os Bem-aventurados no Céu devem amá-Lo. Porque O veem desveladamente em Sua arrebatadora beleza. Isso torna-os indescritivelmente felizes. Sabemos isso e é esse conhecimento que nos torna furiosos.6
6. S. Th. Suppl., q. 98, a. 9, r.: “Antes do dia do Juízo Universal sabem os réprobos que os Bem-aventurados se encontram numa inefável glória”.
Os homens, na terra, que conhecem Deus pela criação e revelação, podem amá-Lo; não são forçados a fazê-lo.
O crente – furiosa eu te digo aqui – que contempla, meditando, Cristo estendido na Cruz, O amará.
Mas a alma de quem Deus se acerca, fulminante, como vingador e justiceiro, como Quem foi repelido, essa O odeia, como nós O odiamos.7 Odeia-O com toda a força de sua má vontade. Odeia-O eternamente. Em virtude da deliberada resolução de ficar afastada de Deus, com que terminou a vida terrena. E essa perversa vontade, não podemos revogá-la mais nem jamais queremos revogá-la.
7. S.Th. Suppl., q. 98, a. 8, ad 1. ib. a. 5, r.: “Os réprobos só enxergam em Deus o Castigador e Impedidor (do mal, que desejam ainda fazer). Mas como só O enxergam no castigo, efeito da Sua justiça, odeiam-No”.
Compreendes tu agora por que o Inferno há de ser eterno? Porque a nossa obstinação nunca derrete, nunca termina.
Forçada acrescento, que Deus é propriamente ainda misericordioso para conosco. Disse “forçada”. A razão é esta: ainda que voluntariamente escrevo esta carta, não me é possível mentir, como eu bem queria. Assento no papel muitas informações contrariamente à minha vontade. Também a corrente de injúrias que queria despejar, tenho de reenguli-la.
Deus era misericordioso para conosco pelo que não deixou a nossa vontade produzir e efetivar na Terra todo o mal que desejávamos fazer. Se Ele nos tivesse deixado a esmo, teríamos aumentado muito a nossa culpa e castigo. Deixou-nos morrer prematuramente – como a mim – ou introduziu circunstâncias atenuantes.
Agora Ele Se nos torna misericordioso porque não nos obriga a nos aproximar d’Ele, porém, a ficarmos neste lugar distante do Inferno, diminuindo-nos o tormento.8
8. S.Th. 1, q. 21, a. 4, ad 1.: “Na condenação dos réprobos aparece a misericórdia de Deus…, no que os castiga menos do que merecem”. Em outro lugar nota o Santo Doutor da Igreja, que isso é o caso sobretudo com os que neste Mundo eram misericordiosos para com os outros (S. Th. Suppl., q. 99, a. 5, ad 1).
Cada passo mais perto de Deus dar-me-ia maior sofrimento, do que a ti um passo mais perto de uma fogueira.
Ficaste espantada um dia quando te contei, em passeio, o que meu pai me dissera alguns dias antes da minha primeira comunhão: “Cuida, Anita, que ganhes bonito vestido; o mais não passará de burla”.
Quase me teria mesmo envergonhado do teu espanto. Agora rio-me disso. O mais bem feito, em toda essa burla, era permitir-se a Comunhão apenas aos doze anos. Eu já estava, então, assaz possuída do prazer do mundo, que postergava facilmente tudo quanto era religião, e não levei a Comunhão a sério.
O novo costume de deixar as crianças receberem a Comunhão aos sete anos põe-nos furiosos. Envidamos todos os meios para burlar isso, fazendo crer que para comungar cumpre haver compreensão. É preciso que as crianças já tenham cometido antes alguns pecados mortais. O “branco” Deus será menos prejudicial, então, do que recebido quando a fé, a esperança, e o amor, frutos do Batismo – escarro sobre tudo isso! – ainda estão vivos no coração da criança.
Lembras-te que já sustentei esse mesmo ponto de vista na Terra?
Torno a meu pai. Ele brigava muito com minha mãe. Raras vezes te frisei isso: tinha vergonha. Ah! Que é vergonha? Coisa ridícula! A nós tudo nos é indiferente.
Meus pais não dormiam mais no mesmo quarto. Eu dormia com minha mãe, papai no quarto ao nosso lado, aonde podia voltar a qualquer hora da noite. Ele bebia muito e gastou a nossa fortuna. Minhas irmãs estavam empregadas e precisavam do seu próprio dinheiro, como diziam. Mamãe começou a trabalhar. No último ano de sua amargurada vida, papai batia em mamãe muitas vezes, quando não lhe queria dar dinheiro. Para mim ele era sempre bonzinho. Um dia, contei-te isso e ficaste escandalizada sobre o meu capricho – e de que não te escandalizaste em mim? – um dia, pois, devolveu duas vezes sapatos novos, porque a forma dos saltos não me era bastante moderna.9
9. Os assinalados traços sobre o pai de Âni e as ocorrências subsequentes são fatos.
Na noite em que uma apoplexia vitimou meu pai mortalmente, aconteceu algo que nunca te confiei, por temer desagradável interpretação de tua parte. Hoje, porém, deves sabê-lo. Esse fato é memorável, porque foi pela primeira vez que o meu atual espírito carrasco se acercou de mim.
Eu dormia no quarto de minha mãe. Suas respirações regulares denotavam seu profundo sono.
De repente ouvi chamar meu nome. Uma voz desconhecida murmurou: “Que acontecerá, se teu pai morrer?”
Eu não amava mais meu pai, desde que ele começara a maltratar minha mãe. Já não amava propriamente ninguém; só me prendia a alguns que eram bons para mim. – Amor sem intuito natural existe quase só nas almas que vivem em estado de graça. Nele eu não vivia.
Respondi assim ao misterioso interlocutor: “Com certeza ele não morre”.
Após breve intervalo, ouvi a mesma bem compreendida pergunta, sem me incomodar de saber de onde provinha.
“Qual o quê! Ele não está morrendo”, escapou-me teimosa.
Pela terceira vez fui interrogada: “Que acontecerá se teu pai morrer?”
– De relance me surgiu no espírito como meu pai frequentes vezes voltava para casa meio bêbado, ralhando e brigando com mamãe e quanto ele nos envergonhava perante os vizinhos e conhecidos!
Gritei, então, embirrada: “Pois não, é quanto merece! Que morra!”
Depois, tudo ficou quieto.
Na manhã seguinte, quando mamãe foi arrumar o quarto de papai, encontrou a porta fechada. Ao meio dia abriram-na à força. Papai encontrava-se meio vestido em cima da cama – morto, um cadáver. Ao procurar cerveja na adega, deve ter-se resfriado. Desde muito, estava adoentado.
(Será que Deus fez depender da vontade de uma criança, a quem o homem demonstrava bondade, o conceder-lhe mais tempo e ocasião para se converter?)
Marta K. e tu me fizeram ingressar na Associação das Moças. Nunca te escondi que achava as instruções das duas diretoras, das senhoras X., assaz vigaristas. Achava os jogos bastante divertidos. Conforme sabes, cheguei, em breve, a sustentar neles papel preponderante. Isso era o que me lisonjeava. Também as excursões me agradavam. Deixei-me até levar algumas vezes a confessar-me e comungar. Propriamente não tinha nada para confessar. Pensamentos e sentimentos comigo não entravam em conta. Para coisas piores eu não estava madura ainda.
Admoestaste-me um dia: “Âni, se não rezares mais, perder-te-ás”. Eu rezava realmente muito pouco; e também só contrariada, de má vontade.
Tinhas tu, sem dúvida, razão. Todos os que no Inferno ardem, não rezaram, ou não rezaram bastante. A oração é o primeiro passo para Deus. Sempre decisivo. Principalmente a oração para Aquela que é Mãe de Cristo, cujo nome não nos é lícito pronunciar. A devoção a Ela arranca ao Demônio inúmeras almas, que os pecados lhe teriam infalivelmente atirado às mãos.
Furiosa continuo, por ser forçada: rezar é o mais fácil que se pode fazer na Terra. Justamente a esse facilismo Deus ligou a salvação.
A quem reza com assiduidade, Deus dá, paulatinamente, tanta luz e fortalece-o tanto que o mais afogado bode de pecador se pode definitivamente levantar pela oração, ainda que esteja submerso na lama até ao pescoço.
Nos últimos anos da vida eu deveras não rezava mais e assim me privava das graças, sem as quais ninguém pode se salvar.
Aqui não recebemos mais graça alguma. Mesmo que a recebêssemos, com escárnio a rejeitaríamos. Todas as vacilações da existência terrestre acabaram no além.
Na vida terrena pode o homem passar do estado de pecado para o estado de graça. Da graça pode cair no pecado. Frequentes vezes cai por fraqueza; raramente por maldade. Com a morte, terminou essa inconstância do sim e do não, caindo e levantando-se. Pela morte, cada um entra no estando final, fixo e inalterável.
À medida que avança a idade, tornam-se menores os saltos. É verdade que, até à morte, a gente pode se converter a Deus ou virar-Lhe as costas. No morrer se decide o homem, entretanto, com as últimas tremuras da vontade, maquinalmente, tal como se acostumara na vida.
Bom ou mau hábito tornou-se uma segunda natureza. Esta, o arrasta no derradeiro momento. Assim também arrastou a mim. Anos inteiros eu vivera afastada de Deus. Consequentemente, decidi-me no último chamamento da graça, contra Deus. Não que o haver pecado muita vezes me fosse uma fatalidade, mas porque eu não me queria mais levantar.
Repetidas vezes me admoestaste a assistir à pregação e a ler livros devotos. Eu escusava-me regularmente com a falta de tempo. Havia eu de aumentar, ainda mais a minha incerteza íntima?
Cumpre-me, aliás, firmar:
Quando cheguei a esse ponto crítico, pouco antes da minha saída da Associação das Moças, ter-me-ia sido muito difícil enveredar por outro caminho. Sentia-me insegura e infeliz. Diante da minha conversão, levantou-se um paredão. Deves tê-lo despercebido. Tu o tinhas imaginado tão fácil, quando uma vez me disseste: “Faz, pois, uma boa Confissão, Âni, e tudo ficará bem”.
Eu suspeitava que assim fosse. Mas o mundo, o Demônio e a Carne já me seguravam nas suas garras.
Na atuação do Demônio eu não acreditava nunca. Agora atesto que, as pessoas como eu era então, o Demônio influencia poderosamente.10
10. A influência dos maus espíritos encerra-se nos apelidos “Demônio” ou “Diabo”. Como comprovação da sua existência bastam dois textos da Sagrada Escritura: “Irmão, sede sóbrios e vigiai! Vosso inimigo, o Demônio, anda por aí como um leão rugindo e procurando a quem puder devorar”.3 O rugir não se refere a que Satanás faça muito alarme com suas tentações, porém, à avidez com que ele nos procura perder. – São Paulo escreve aos Efésios: “Ponde a armadura de Deus, para que possais resistir às astúcias do Demônio. Nossa luta não é contra a carne e o sangue (os homens), porém, contra os poderes dos tenebrosos dominadores deste Mundo e contra os maus espíritos dos ares”.
Só muitas orações alheias e as minhas próprias, juntamente, com sacrifícios e sofrimentos, teriam conseguido me arrancar dele.
E isso deveras só paulatinamente. Poucos possessos há corporalmente, porém, tanto mais e inúmeros interiormente possessos. O Demônio não pode tirar o livre arbítrio àqueles que se entregam à sua influência. Contudo, como castigo de sua apostasia quase total de Deus, Este permite que o “Mau” neles se aninhe.
Odeio também o Demônio. Todavia gosto dele, porque ele procura perder-vos: ele e seus auxiliares, os Anjos caídos com ele desde os princípios do tempo. Há miríades. Vagueiam pela Terra, inúmeros como enxames de moscas, sem que sejam suspeitados.
A nós, homens réprobos, não nos incumbe de vos tentar; isso cabe aos espíritos caídos.11
11. S. Th. Suppl., q. 98, a. 6, ad 2: “Não é tarefa dos homens condenados perderem e tentarem outros, porém, dos Demônios”.
Aumentam, sim, ainda mais os seus tormentos toda vez que arrastam uma alma humana ao Inferno. Mas, de que não é capaz o ódio!12
12. S. Th. Suppl., q. 98, a. 4, ad 3: “O crescente número dos réprobos aumenta ainda os sofrimentos de todos. Mas são de tal modo, cheios de ódio e inveja, que antes querem sofrer mais com muitos, do que menos sozinhos”.
Ainda que eu andasse por veredas tortuosas, Deus me procurava. Eu preparava o caminho à graça, por serviços de caridade natural, que por inclinação de minha índole, não raras vezes prestava.
Às vezes atraía-me Deus para uma igreja. Lá eu sentia certa nostalgia. Quando cuidava da minha mãe doente, apesar do meu trabalho no escritório durante o dia, e sacrificava-me realmente um tanto, atuavam dobre mim poderosamente essas atrações de Deus.
Uma vez – foi na Capela do hospital, aonde me levaste no tempo livre de meio dia – fiquei tão impressionada, que me encontrei a um passo apenas da minha conversão. Eu chorava.
Em seguida, porém, vinha o prazer do mundo derramar-se, como uma torrente, por sobre a graça. Os espinhos afogaram o trigo. Com a explicação de que religião é sentimentalismo, conforme sempre se dizia no escritório, lancei também essa graça, como outras, debaixo da mesa.
Repreendeste-me um dia que, em vez de genuflexão, fiz numa igreja uma ligeira inclinação da cabeça. Tomaste isso como preguiça e não parecias suspeitar de que, já então, não acreditava mais na presença de Cristo no Sacramento. Agora creio nela, porém, só naturalmente, como se acredita em tempestade, cujos sinais e efeitos se percebem.
Nesse ínterim, havia-me arranjado, eu própria, uma religião. Agradou-me a opinião generalizado no escritório, de que, após a morte, a alma voltaria para este Mundo em outro ser e passaria por outros e mais outros seres, numa sucessão sem fim. (Doutrina Espírita)
Com isso liquidei o angustiante problema do além e imaginava tê-lo tornado inofensivo.
Por que não me lembraste a parábola do gozador rico e do pobre Lázaro, em que o narrador, Cristo, imediatamente após a morte, mandou um para o Inferno, e o outro para o Paraíso? Mas o que terias conseguido? Nada mais do que com tuas demais palavras beatas.
Aos poucos eu própria arranjei um deus: bem privilegiado para se chamar deus; de mim bastante longe para não me obrigar a relações com ele; assaz confuso, para se transformar, à vontade e sem mudar de religião, num deus panteístico ou até tornar-me orgulhosa deísta.
Esse “deus” não tinha um céu para me galardoar nem inferno para amedrontar-me. Deixei-o em paz. Nisso consistia a minha adoração a ele.
No que se ama, acredita-se facilmente. No curso dos anos tinha-me eu assaz persuadido da minha religião. Vivia-se bem com ela, sem que ela me incomodasse.
Só uma coisa me teria quebrado a nuca: uma dor profunda, prolongada. Mas este sofrimento não veio. Compreende agora: “A quem Deus ama, Ele castiga”?
Era num dia de verão, em julho, quando a Associação das Moças organizava uma excursão para A. Gostava eu, sim, das excursões. Mas não das beatarias anexas!
Outra imagem, diferente da de Nossa Senhora das Graças de A. estava, desde pouco, no altar do meu coração. O grã-fino Max N., do armazém ao lado. Pouco antes conversáramos divertidamente algumas vezes. Convidara-me, nessa ocasião, para fazermos uma excursão naquele mesmo Domingo. A outra com que costumava andar, estava no hospital.
Repara, sim, que eu tinha deitado um olhar sobre ele. Mas eu não pensava ainda em casar-me com ele. Era rico, porém, amável demais para com muitas e quaisquer mocinhas; até então eu queria um homem que me pertencesse exclusivamente, como única mulher. Certa distância sempre me era própria.
(Isso é verdade. Com toda a sua indiferença religiosa, Âni tinha algo de nobre em seu ser. Espanto-me de que também pessoas “honestas” possam cair no Inferno, se são assaz desonestas para fugirem do encontro com Deus).
Nessa excursão, Max cumulou-me de todas as amabilidades. Conversações de beatas é que não tivemos, como vocês.
No outro dia, no escritório, repreendeste-me porque não vos acompanhei até A. Contei-te os meus divertimentos domingueiros.
Tua primeira pergunta foi: “Estiveste na Missa?” Louca! Como podia assistir à Missa, desde que combinamos a saída para 6 horas! Lembras-te, ainda, que juntei, excitada: “O bom Deus não é tão mesquinho como os vossos padrecos!”? Agora, cumpre-me confessar-te que, apesar de sua infinita bondade, Deus toma tudo mais a sério do que os Padres.
Após esse primeiro passeio com Max, assisti mais uma só vez à vossa reunião. Na solenidade de Natal. Certas coisas me atraíam. Mas interiormente, já estava afastada de vós.
Cinemas, bailes, excursões, seguiam-se. Brigávamos às vezes, Max e eu, mas eu sabia prendê-lo sempre a mim.
Mui desagradável me foi a rival que, de volta do hospital, se comportava como furiosa. Propriamente a meu favor. Minha calma distinta causou grande impressão a Max e obrigou-lhe, afinal, a decisão de me preferir.
Eu sabia denegri-la, rebaixá-la. Falando com calma: por fora, realidades objetivas; por dentro, atirando peçonha. Semelhantes sentimentos e insinuações conduzem rapidamente ao Inferno. São diabólicos, no verdadeiro sentido da palavra.
Por que te conto isso? Para constar como fiquei definitivamente livre de Deus.
Para esse afastamento não foi preciso que eu chegasse com Max muitas vezes às últimas familiaridades. Compreendi que me rebaixaria aos seus olhos, se me deixasse esvaziar antes do tempo. Por isso me retinha, vedava.
Realmente estava eu sempre pronta para tudo que achava útil. Cumpria-me conquistar Max. Para isso nada achava caro demais. Amamo-nos aos poucos, pois que ambos possuíamos valiosas qualidades que podíamos apreciar mutuamente. Fui talentosa e tornei-me hábil e conversadora. Cheguei, assim, a prender Max nas mãos, segura de que o possuía sozinha, pelo menos nos últimos meses antes do casamento.
Nisso consistia minha apostasia de Deus, em fazer de uma criatura o meu deus. Em coisa alguma pode isso realizar-se tão plenamente como entre pessoas de diferente sexo, se o amor se afoga na matéria. Isso torna-se seu encanto, seu aguilhão e seu veneno. A “adoração” que eu me prestava em Max, tornou-se-me uma religião vivida.
Era no tempo quando, no escritório, tão virulentamente eu caía em cima das corridas à igreja, dos padrecos, do murmurejar de rosário e das demais bugigangas.
Empenhaste-te, mais ou menos inteligentemente, em proteger tudo isso; aparentemente sem suspeitares de que para mim, em última análise, não se tratava dessas coisas, mas propriamente de ponto de apoio contra minha consciência que eu estava procurando – dele eu precisava ainda – para justificar racionalmente a minha apostasia.
No fundo eu vivia revoltada contra Deus. Tu não percebias isso. Sempre me consideravas ainda católica. Como tal, queria eu também ser chamada, até mesmo pagava a contribuição para a igreja. Certa “ressalva” não me podia fazer mal, pensava eu.
Por mais certas que às vezes fossem tuas respostas, de mim ressaltavam, porque tu não devias ter razão. Em face dessas nossas relações entrecortadas, a dor da nossa separação era pequena, quando meu casamento nos distanciou.
Antes do meu casamento, confessei-me e comunguei mais essa vez. Era uma formalidade. Meu homem pensava como eu. De resto, por que não haveríamos de satisfazê-la? Cumprimo-la como qualquer outra formalidade.
Vós o chamais “indigno”. Após aquela “indigna” comunhão, eu tinha mais sossego de consciência. Era essa a última. Nossa vida matrimonial decorria, em geral, em boa harmonia. Em quase todos os pontos tínhamos a mesma opinião. Também nisso: não nos queríamos impor o encargo de filhos. No fundo, meu marido desejava ter um – naturalmente não mais. Eu soube arrancar-lhe, finalmente essa ideia. Eu gostava mais de vestidos e mobílias finas, de chás das cinco, de passeios de automóvel e de semelhantes divertimentos.
Era um ano de prazeres terrenos entre o casamento e minha repentina morte.
Cada Domingo passeávamos de automóvel ou visitávamos parentes de meu esposo – de minha mão eu me envergonhava então. Esses nadavam bem, como nós, na superfície da existência.
Interiormente, porém, nunca me sentia deveras feliz. Algo me roía sempre na alma. Eu desejava que pela morte, a qual sem dúvida, havia de demorar muito tempo ainda, tudo acabasse.
Mas é como em criança eu ouvira uma vez falar, em sermão, que Deus recompensa já neste Mundo o bem que alguém pratica. Se não pode recompensá-lo no outro mundo, fá-lo na Terra.
Sem o esperar, recebi uma herança (da tia Lote). Meu marido teve a sorte de ver o seu salário consideravelmente aumentado. Assim pude instalar mimosamente a nossa casa nova.
Minha religião estava nas últimas, como um vislumbre do ocaso no firmamento longínquo. Os bares e cafés da cidade e os restaurantes por onde passávamos nas viagens, não nos aproximaram de Deus.
Todos os que lá frequentavam, viviam como nós: de fora para dentro, não de dentro para fora.
Visitando uma célebre catedral, nas viagens de férias, procurávamos deleitar-nos com o valor artístico das obras-primas. O sopro religioso que irradiavam, principalmente as da Idade Média, eu sabia neutralizá-lo, escandalizando-me em qualquer circunstância da visita. Assim, a um irmão leigo que nos conduzia, eu criticava o estar um tanto sujo e desajeitado: criticava o comércio de piedosos monges, que fabricavam e vendiam licor; criticava as eternas badaladas de sinos chamando para igrejas, onde se trata apenas de dinheiro.
Assim eu conseguia afastar de mim a graça, cada vez que me batia à porta.
Principalmente deixava meu mau humor derramar-se livremente, sobre tudo que tratava de antigas representações do Inferno em livros, cemitérios e outros lugares, onde se viam Demônios fritarem as almas em fogo vermelho ou amarelo, e seus sócios, de cauda comprida, trazerem-lhe mais e mais vítimas.
Clara, o Inferno pode ser mal desenhado, porém, nunca ser exagerado.
Sobretudo, eu escarnecia sempre do fogo do Inferno. Lembra-te como numa conversa sobre isso, eu te meti um fósforo aceso debaixo do nariz burlando: “É assim que cheira!”?
Tu apagaste tão logo a chama. Aqui ninguém a extingue. – Digo-te mais: o fogo de que fala a Bíblia, não significa tormento de consciência. Fogo significa fogo. Cumpre entendê-lo em sentido real, quando Aquele declarou: “Afastai-vos de Mim, vós, malditos, ide para o fogo eterno”. Literalmente!
– Como pode o espírito ser tocado pelo fogo material? Perguntas.
– Como então pode, na Terra, tua alma sofrer, segurando teu dedo na chama?
– Tua alma também não se queima, mas que dor tem de aturar o homem todo!
Semelhantemente estamos nós aqui presos ao fogo em nosso ser e em nossas faculdades. Nossa alma fica privada do seu voo natural, não podemos pensar nem querer o que queremos.13
13. S. Th. Suppl., q. 70, a. 3, r.: “O fogo do Inferno atormenta o espírito pelo que o impede de executar o que quer; não pode atuar onde quer e quanto quer”.
Não procures esclarecer o Mistério contrário às leis da natureza material: o fogo do Inferno queima sem consumir.
O nosso maior tormento consiste, em que sabemos exatamente que nunca veremos Deus.
Quanto pode torturar o que na Terra nos era indiferente! – Enquanto a faca está em cima da mesa, deixa-te fria. Vês-lhe o fio, porém, não o sentes. Mas entra a faca na carne e gritarás de dor.
Agora sentimos a perda de Deus; antes só a vimos.14
14. “A separação de Deus, é um tormento tão grande como Deus” (frase atribuída a Santo Agostinho. Cfr. Houdry, Bibliotheca concionatorum, Veneza. 1786, vol. 2, sob Infernus, § 4, p. 427).
Todas as almas não sofrem igualmente. Quanto mais alguém foi frívolo, maldoso e decidido no pecar, tanto mais lhe pesa a perda de Deus, tanto mais torturado se sente pela criatura abusada.
Os católicos condenados sofrem mais do que os de outras crenças, porque receberam e desaproveitaram, em geral, mais luzes e mais graças.
Quem sabia mais, sofre mais do que aqueles que menos conhecimentos tinha.
Quem pecou por maldade sofre mais do que aquele que caiu por fraqueza.
Mas nenhum sofre mais do que mereceu. Oxalá isso não fosse verdade, para que eu tivesse motivo para odiar!
Tu me disseste um dia: ninguém cai no Inferno sem que o saiba. Foi isso revelado a uma Santa. Ria eu disso, no entanto, me entrincheirava atrás desta reflexão: nesse caso me ficaria suficiente tempo para me converter – assim eu pensava no íntimo.
O enunciado calha. Antes do meu fim repentino, decerto não conhecia o Inferno tal qual é. Nenhum ente humano o conhece. Mas eu estava exatamente inteirada disso: Se tu morreres, entrarás na eternidade como revoltada contra Deus. Suportarás as consequências.
Conforme declarei já, não voltei atrás, mas perseverei na mesma direção, arrastada pelo costume, com que os homens agem tanto mais calculada e regularmente, quanto mais velhos ficam.
Minha morte ocorreu do modo seguinte:
Há uma semana – falo de acordo com vossa contagem, porque, calculada pelas dores, eu poderia já estar ardendo no Inferno havia dez anos – faz pois uma semana que meu marido e eu fizemos, num Domingo, uma excursão, que foi a última para mim.
Radiante despontara o dia. Eu sentia-me bem, como raras vezes. Perpassou-me, porém, um sinistro pressentimento.
Inesperadamente, na viagem de volta, meu marido que vinha guiando o carro e eu ficamos ofuscados pela luz de um automóvel que vinha em sentido contrário e com grande velocidade. Meu marido perdeu a direção.
Jesus! Estremeci. Não como oração, mas como grito. Senti uma dor esmagadora por compressão – uma bagatela em comparação com o tormento atual. Perdi então os sentidos.
Estranho! Naquela manhã mesma, nascera-me inexplicavelmente a ideia: poderias, enfim, mais uma vez ir à Missa. Soava-me como súplica. Claro e decidido, meu “não” cortou o fio da ideia. Com isso devo acabar definitivamente. Tomo sobre mim todas as consequências. Agora as suporto.
O que aconteceu após a minha morte, tu conheces. A sorte de meu marido, de minha mãe, do meu cadáver e enterro, tudo te é conhecido até nos pormenores, como sei por uma intuição natural que todos nós temos. Do mais que acontece no Mundo, só temos um conhecimento confuso. Mas o que nos tocava de perto conhecemos. Assim conheço também teu paradeiro.15
15. S. Th. Suppl., q. 98, a. 3: “As almas dos falecidos não têm seguro conhecimento de pormenores, porém, apenas um enuviado conhecimento geral da natureza material”.
S. Th. Suppl., q. 98, a. 4: “Por esses conceitos (infusos) podem as almas só conhecer os pormenores pelos quais são habilitados, seja por índole, por estudos ou por divina disposição”.
Acordei das trevas no momento da minha morte. Vi-me de repente envolvida de luz ofuscante. Era no mesmo lugar onde estava o meu cadáver. Aconteceu como em teatro, quando de repente apagam as luzes, a cortina é ruidosamente removida e aparece a cena tragicamente iluminada: a cena de minha vida.
Como num espelho, assim eu vi minha alma. Vi as graças pisadas aos pés, desde a juventude até o último “não” dado a Deus.
Apossou-se de mim uma impressão como que de assassino levado ao tribunal à frente da sua vítima inanimada. – Arrepender-me? Nunca!16 – Envergonhar-me? Jamais!
16. S. Th. Suppl., q. 98, a. 2, r: “Os maus não se arrependem propriamente dos pecados, por lhes serem afeitos maliciosamente. Arrependem-se, porém, enquanto são castigados pelas penas dos pecados”.
Entretanto, nem me era possível permanecer na vista de Deus, negado e reprovado por mim. Restava-me uma só coisa: a fuga.
Assim como Caim fugiu do cadáver de Abel, assim minha alma se atirou longe desse aspecto horrível.
Esse era o Juízo Particular.
O invisível Juiz falou: “Afasta-te!” Logo caiu minha alma, como uma sombra sulfúrica, no lugar do tormento eterno!17
17. “É certo que o Inferno é um local determinado. Mas onde esse local fica situado, ninguém o sabe”.
A eternidade das penas do Inferno é um dogma: seguramente o mais terrível de todos. Tem suas raízes na Sagrada Escritura. Cfr. Mat. 25, 41 e 46; II Tes. 1, 9; Jud. 13; Apoc. 14, 11; 20, 10; todos eles são textos irrefutáveis, em que “eterno” não se deixa trocar e interpretar por “longo”.
Se não fosse conveniente ilustrar esse dogma num caso particular, nem o próprio Nosso Senhor teria podido fazê-lo na parábola do rico folgazão e do pobre Lázaro. Lá fez o mesmo que aqui vem feito: desenhou o Inferno e como se pode cair nele. Não o fez por prazer sensacional, porém, levado pela mesma intenção que ocasionou esta publicação.
A finalidade deste opúsculo encontra sua expressão no seguinte conselho: “Desçamos ao Inferno ainda vivos, para que moribundos nele não caiamos”. – Este conselho dirigido a cada um não é senão a paráfrase do Salmo 54: “Descendant in infernum viventes, videlicet, ne descendant morientes”, a qual se encontra numa obra (erradamente) atribuída a São Bernardo (Patr. Lat. Migne, vol. 184, Col. 314 b).
“Deus só basta”. Sim, Ele há de me bastar, neste e no outro mundo. Quero ali possuí-Lo um dia, por mais sacrifícios que aqui eu tenha ainda de fazer para vencer. Não quero cair no Inferno”.
APÊNDICE
Esclarecimentos
Complementares
1. Confirmações do terrível Dogma do Inferno.
a) Existe o Inferno? – Provas pedidas ao Bom Senso. – Pe. Lacroix – Editora S. C., Taubaté – Eis o primeiro opúsculo original que apareceu entre nós sobre o palpitante problema do Inferno (1ª edição em 1929 e 2ª em 1937), com 231 págs., de formato médio (15 X 11 cm). Trata do assunto profunda e sumariamente em doze capítulos, dando em confirmação ao Dogma do Inferno quatro provas filosóficas, tiradas do bom senso, e respondendo satisfatoriamente a doze perguntas ou objeções.
Como cada Dogma da Igreja tem suas razões filosóficas, tiradas do bom senso humano, e como correm mundo, de boca a boca, os mesmos sofismas contra a existência do Inferno, cuidou o autor em salientar, sobretudo, as razões opostas do bom senso comum e examinar, em seguida, o valor das provas aduzidas. Por fim, expõe, co cap. IX, a universalidade da crença no Inferno e, no cap. X, a respectiva doutrina do Cristianismo.
Em abono da crença geral no Inferno entre os Judeus, cita o autor os seguintes tópicos da Bíblia: Moisés (Deut. 32, 22), Jó (c. 10), Judite (16, 21), Isaías (33, 14; 34, 24), Jeremias (23, 40), Daniel (12, 2) e São João Batista (Mat. 3, 12), e conclui: “Eis aí testemunhos de grande valor, alguns dos quais de veneranda antiguidade. Muitos séculos, pois, antes da história grega e latina, já existia a crença no Inferno, sendo que os Livros Sagrados falam nele muitíssimas vezes como uma verdade reconhecida por todos, ao menos por todos os crentes”.
Estendia-se a crença no Inferno (Tártaro) e no Purgatório a todos os povos pagãos do mundo antigo. Quanto mais progrediram na cultura, tanto mais documentos deixaram dessas crenças, desde os Assírios, Caldeus e Egípcios até os Gregos e Romanos. Muitos poetas e escritores falaram dessa crença geral entre eles, senão da própria universalidade dessa crença entre todos os povos do mundo. O autor cita os seguintes: Homero, Orfeu, Hesíodo, Lino, Horácio, Ovídio, Virgílio, Seneca etc.; Sócrates, Platão, Aristóteles, Cícero, Lucrécio, Celso. Eis, como exemplo, um trecho impressionante de Lucrécio:
“Já não se tem mais sossego, é impossível dormir tranquilo: por quê? Porque se tem que recear, depois desta vida, penas eternas, pelo medo das quais nenhum mortal pode ser feliz…”.4
– O ímpio Voltaire confessa:
“A opinião da existência tanto de um Purgatório quanto de um Inferno é da mais remota antiguidade”.5
– Surgindo subterfúgios em contrário cumpre não esquecer as palavras de Joubert:
“Desde que um raciocínio ataca o instinto e a prática universal, pode ser difícil refutá-lo, mas certissimamente é enganador e falso”.6
No Novo Testamento salienta-se a crença na existência do Inferno como uma das verdades fundamentais da Religião de Cristo. Nosso Senhor não assinalou essa verdade só duas ou três vezes e superficialmente, porém, quinze vezes, e isso do modo mais explícito e impressionante, como em Marcos,7 Lucas,8 e Mateus.9 Também os Apóstolos se referiram repetidas vezes ao castigo do fogo eterno, como São Judas,10 São Paulo,11 e São João.12 No sentido óbvio de todos esses textos existe, insofismavelmente, o fogo eterno do Inferno.
b) Cristo e os Demônios – Dr. P. Armando Polz (171 págs. De formato francês). Editora S. C. J., Taubaté – O assunto Demônios é correlativo ao do Inferno. Se existem espíritos condenados por Deus ao castigo eterno do Inferno, e se esses procuram arrastar consigo, na perdição eterna, o maior número possível de homens, claro é que deve existir, para todos os réprobos, como que uma imensa cadeia infernal, tal como a aponta a fé cristã, um braseiro de tormentos eternos e horríveis.
Na introdução, o autor dá uma orientação geral acerca do assunto, expondo a crença pagã, judaica e cristã sobre os Demônios.
Quem deve perfeitamente conhecer os Demônios não é senão o próprio Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo. De inúmeros textos da Sagrada Escritura tira e concretiza o autor a palavra de Cristo sobre os Demônios. Na 1ª parte assinala nove características dos Demônios; na 2ª parte prova o triunfo de Cristo sobre eles todos. Da absoluta superioridade de Cristo sobre o Demônio tira o autor a última conclusão da incontestável Divindade de Cristo.
Se, pois, existem os Demônios, tais quais o próprio Cristo os pintou, como inimigos de Deus e dos homens, deve existir o Inferno, ao qual todos eles estão condenados para sempre, juntamente com os homens seduzidos por eles e revoltados contra Deus.
2. No caminho do Inferno estão os ímpios e os pecadores.
Os ímpios vêm a ser chamados também os sem-Deus. Nada querem saber de Deus, nem de Cristo e de sua Religião. Chegam mesmo a odiá-Los e persegui-Los. Formam o imenso exército de Satanás neste Mundo. A eles pertencem, como chefes invisíveis, a Maçonaria e as similares sociedades secretas. A ele pertencem todos os niilistas, anarquistas, bolchevistas e comunistas militantes do Mundo. A ele pertencem todos os sem-Deus, que O negam teórica ou praticamente e vivem sem Ele. Inúmeros estão nessa condição. A consequência é fatal: como nada querem saber de Deus durante a vida e perseguem a Religião o mais que podem, sua sorte eterna não pode ser senão a dos sem-Deus, a serem relegados ao Inferno e atormentados pelos Demônios por toda a eternidade.
No caminho do Inferno estão igualmente todos os pecadores impenitentes. São Paulo preveniu:
“Não vos enganeis: nem os ímpios, nem os idólatras, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os ébrios possuirão o Reino do Céu”.13
Além dos pecados de ação, há os de omissão, deixando-se de cumprir graves obrigações de estado ou de profissão, do estado Matrimonial, Sacerdotal ou Religioso, da profissão exercida ou do cargo assumido. Ninguém pode dispensar-se do seu cumprimento. Daí resulta na vida de cada um, a possibilidade de cometer numerosos pecados mortais, por pensamentos, palavras e obras, pecados de orgulho, de injustiça e de luxúria.
Se o pecado em si merece o castigo do Inferno, só atira ao mesmo, caso não seja retratado, arrependido e reparado, como acontece na Impenitência Final do homem que morre em seu pecado ou impenitente. Errar e pecar é humano, mas obstinar-se no erro e perseverar no pecado, é diabólico. Se no momento de pecar o homem se deixa facilmente fascinar pelo deleite pecaminoso, logo depois de cometido o pecado, os olhos se lhe abrem e volta-lhe o bom-senso; ele sente-se então naturalmente envergonhado e levado ao arrependimento. Se pelo contrário, ele se obstinar no pecado, tanto mais culpado ele se torna. A obstinação no mal é um pecado contra o Espírito Santo. O adiamento da conversão leva muitíssimas vezes ao sumo castigo da Impenitência Final e consequentemente ao Inferno.
N. B. – Como dedução lógica do que vem exposto, cumpre finalmente notar que, além dos declarados inimigos de Deus, cairão fatalmente no Inferno todos os que desse nada quererem ouvir, ler e saber, e que com Ele não se importam e vivem como se Ele não existisse.
3. Alternativa fatal.
Deus colocou o homem num mundo de maravilhas que o encantam, com a ordem de dominar as criaturas, de usá-las sem abusar delas, de dar a Ele o que Lhe deve, de adorá-Lo, glorificá-Lo sobre tudo, e de amar o próximo como a si mesmo. Deu-lhe suficiente inteligência, para discernir o bem do mal, e suficiente força para evitar o mal e praticar o bem. Pela oração oferece-lhe quantas graças ele precisar, para cumprir o seu destino.
Enquanto o homem vive na Terra, acha-se atirado entre dois extremos, entre a definitiva posse de Deus no Céu e a sua definitiva perda no Inferno. Cumpre-lhe escolher entre o Sumo Bem e Sumo Mal. Por sua vida revela-se pró ou contra Deus, amigo de Deus ou revoltado contra Ele. Se o homem preferir os bens perecíveis deste Mundo às recompensas espirituais do outro, perderá todos eles, os destes e os do outro undo. No fim da vida ficará relegado ao extremo oposto a Deus, entregue aos Demônios e abandonado aos mais horríveis tormentos do Inferno.
Cada dia da sua vida encontra-se o homem de novo nesta terrível alternativa, quanto a sua sorte definitiva e eterna. A essa alternativa ninguém pode fugir. Para todos é a fatalidade final. Ao morrer, cada um receberá a recompensa do que tiver preferido em sua vida terrestre, cada dia mais seguramente: ficará com Deus no Céu eternamente, ou ficará relegado ao Inferno, para o lugar da reprovação eterna e de tormentos sem fim. Ninguém escapará a esse dilema, a essa alternativa fatal. Ninguém fugirá das mãos de Deus. Diante de Deus, não há fuga possível, senão para Ele.
4. Temor e amor de Deus.
Antes de tudo insistiu Nosso Senhor para com seus ouvintes na indispensável necessidade do santo temor a Deus. Basta lembrar o texto de São Mateus:
“Não temais aos que podem trucidar o corpo, mas não podem matar a alma. Muito antes temei Aquele que pode atirar corpo e alma ao Inferno”.14
– O papel que na vida espiritual cabe ao temor a Deus é básico:
“É a última barreira contra a qual vem esbarrar a violência da tentação. Se ela ficar firme, o homem se salva do naufrágio do pecado. Se ela não resistir, torna-se ele vítima da própria perversidade”.15
“O temor de Deus é o início da sabedoria”.16
O temor e o amor a Deus não se excluem, mas superpõem-se e completam-se mutuamente. Entre ambos há mais o motivo de interesse. Temor, interesse e amor, lícitos ou ilícitos, são os três únicos motivos que põem e mantêm o Mundo inteiro em movimento. Se o amor a Deus não é suficiente para levar o homem a cumprir a Lei de Deus, restam os dois primeiros motivos, o do próprio interesse e o do temor a Deus. Esse é o último recurso de Deus para obrigar o homem a andar direito e cumprir os seus deveres. Deus aceita o serviço e o arrependimento humanos inspirados pelo temor reverencial ou filial, como também os inspirados pelo medo ao castigo, pelo que o pecador se afasta realmente do pecado, porque ofende e irrita a Deus. Fora da Confissão, só vale a contrição perfeita de amor a Deus para se obter perdão. Resulta daí o imenso benefício e a imensa vantagem que a Confissão oferece aos Católicos.
Foi por amor ao homem, que Deus criou o Mundo com todas as suas belezas. Foi por amor, que Deus destinou o homem a viver um dia juntamente com Ele no Céu, em companhia de todos os Anjos e Santos. No entanto, o homem devia querer e merecer essa felicidade, e tornar-se digno da companhia divina por uma adequada vida e felicidade a Deus. Esta é a razão do estado transitório do homem e da provação a que ele está submetido neste Mundo até a sua morte. O próprio Inferno, Deus o criou por amor aos homens, para obrigar-nos e quase forçar-nos a amá-Lo devidamente. Mas quem se recusar a se render ao amor de Deus e obstinar-se por maldade em servir aos ídolos da Terra, perderá fatalmente o Céu com a eterna felicidade, e cairá no Inferno de tormentos eternos. Enquanto, porém, o homem continuar a viver beste Mundo, Deus procura, sem cessar, atraí-lo para Si e convertê-lo, oferecendo-lhe a graça e o perdão. De braços abertos acolherá a qualquer momento o filho pródigo contrito, com suma bondade e misericórdia.
5. Ilimitada confiança na infinita bondade e misericórdia de Deus.17
Ensinar-te-ei os meus segredos de amor, e tu serás exemplo vivo da minha Misericórdia, porque, se tenho tanto amor e predileção por ti que não és mais que miséria e nada, que não farei Eu por muitas outras almas mais generosas do que tu?
Farei conhecer que a minha obra repousa sobre o nada e a miséria, e que esse é o primeiro anel da cadeia de amor que desde toda a eternidade preparo às almas.
Farei conhecer até que ponto o meu Coração as ama e lhes perdoa. Vejo o íntimo das almas. … O ato de humildade que fazem reconhecendo sua fraqueza. … Pouco se Me dá a fraqueza delas. … Supro o que lhes falta.
Farei conhecer como é que o meu Coração se serve dessa fraqueza para dar a vida a muitas almas que a perderam. Farei conhecer que a medida do meu Amor e da minha Misericórdia para com as almas caídas não tem limites. …
Se tu és um abismo de miséria, Eu sou um abismo de Bondade e Misericórdia. O meu Coração é teu refúgio. Vem procurar nele tudo aquilo de que precisas, ainda mesmo que se trate de coisa que Eu te peça.
Não julgues que deixarei de te amar por causa das tuas misérias, não: meu Coração te ama e não te abandonará jamais. Bem sabes que é propriedade do fogo, abrasar e destruir: assim é próprio do meu Coração perdoar, purificar e amar.
Não te disse muitas vezes que, o meu único desejo é que as almas Me deem as suas misérias? Se não ousas aproximar-te de Mim, aproximar-Me-ei Eu de ti.
Quanto mais fraquezas encontrares em ti, tanto mais Amor encontrarás em Mim. Pouco Me importam as tuas misérias, o que Eu quero é ser o Dono de tua miséria.
A tua pequenez dá lugar à minha grandeza. … A tua miséria e mesmo os teus pecados dão lugar à minha Misericórdia. … A tua confiança atrai o meu Amor e a minha Bondade.
Não vos peço senão aquilo que tendes. Dai-Me o vosso coração vazio e Eu o encherei; dai-Mo despido de tudo e Eu o revestirei; dai-Me as vossas misérias e Eu as consumirei. O que não vedes, Eu vo-lo mostrarei!… Pelo que não tendes, responderei Eu.
Há muitas almas que creem em Mim, mas poucas que acreditam no meu Amor; e, entre as que acreditam no meu Amor, são pouquíssimas as que contam com a minha Misericórdia. …
Se peço amor em correspondência ao que Me consome, não é o único retorno que desejo das almas: desejo que creiam na minha Misericórdia, esperem tudo da minha Bondade, e não duvidem nunca do meu perdão.
Sou Deus, mas Deus de Amor! Sou Pai, mas Pai que ama com ternura e não com severidade. O meu Coração é infinitamente Santo, mas também é infinitamente sábio e, como conhece a miséria e a fragilidade humanas, inclina-se para os pobres pecadores com Misericórdia infinita.
Amo as almas depois que cometeram o seu primeiro pecado se vêm pedir-Me humildemente perdão. … Amo-as ainda, quando choram o seu segundo pecado e, se isso se repete, não digo um bilhão de vezes, porém, milhões de bilhões de vezes, amo-as e perdoo-lhes sempre e lavo no meu Sangue o último, como o primeiro pecado!
Não Me canso das almas e o meu Coração espera sempre que venham refugiar-se n’Ele, por mais miseráveis que sejam! Não tem um pai mais cuidadoso com o filho que é doente, do que com os que têm boa saúde? Para com esse filho, não são maiores as suas delicadezas e a sua solicitude? Assim também o meu Coração derrama sobre os pecadores, com mais liberalidade do que sobre os justos, a sua compaixão e a sua ternura.
Quantas almas encontrarão a vida nas minhas palavras! Quantas cobrarão ânimo ao ver o fruto dos seus esforços: um pequeno ato de generosidade, de paciência, de pobreza, pode vir a ser um tesouro e ganhar para o meu Coração um grande número de almas. … Eu não atendo à ação: atendo à intenção. O menor ato, feito por amor, pode adquirir tanto mérito e dar-Me tanta consolação! O meu Coração dá valor divino às menores ações. O que quero é amar. Não procuro senão amor. … Não peço senão amor.
O fogo eterno do Inferno será a merecida paga pelo Amor de Deus desprezado, calcado aos pés.
___________________________
1Com Notas do Padre Bernhardin Krempel, C.P., Doutor em Teologia.
2. Impresso em 1955 por: Artpress Indústria Gráfica e Editora Ltda. Rua Javaés, 681. CEP. 01130-010 – São Paulo/SP.
3. I Ped., 5, 8.
4. De natura rerum, lib. 1, III.
5. Addit. à Hist. Génér.
6. Pensées et Essais et Maximes, t. I, p. 318 – p. 194.
7. Mc. 9, 42.
8. Lc. 16, 19.
9. Mt. 25, 41.
10. Jd. c. 7.
11. II Tes. 1, 9.
12. Apoc. 14, 11; 20, 10.
13. I Cor. 6, 9-10.
14. Mt. 10, 28.
15. p. 62 da obra citada.
16. Prov. 1, 7.
17. Revelações tiradas de “Convite a uma Vida de Amor”, de Sóror Josefa Menéndez, 2ª ed., 1948, das págs. 94 a 133.
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