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"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

domingo, 30 de dezembro de 2012

Da Utilidade da Paciência e da Luta Contra os Apetites.






Imitação de Cristo
Livro III, Capítulo XII.

Discípulo: Senhor Deus, no meu entender, muito necessária é a paciência, pois acontecem muitas contrariedades nesta vida.

Porque de qualquer modo que eu me disponha a ter paz, não pode estar a minha vida sem guerra e dor.

Senhor: Assim é, filho, mas não quero que busques uma paz que careça de tentações e não sinta contrariedades, antes, quando fores exercitado em várias tribulações, e provado em muitas contrariedades, crer então, que achaste a paz.

Se dizes que não podes padecer muitas coisas, como sofrerás o fogo do Purgatório?

De dois males, sempre se deve escolher o menor.

E para que possas escapar dos castigos eternos no futuro, trata de sofrer com paciência por meu amor os males presentes.

Cuidas, porventura, que os homens deste mundo nada, ou pouco, padecem?

Nem isto acharás, ainda que busques os mais delicados.

Mas, dirás tu, que gozam muitos deleites e seguem a sua própria vontade, e por isso sentem pouco as suas tribulações.

Admitido que assim seja, e que tenham quanto quiserem, dize-me: quanto lhes durará isso?

Certo que todos, até os mais poderosos do mundo, se desfarão como fumo (Salm. 36), e não haverá jamais memória alguma dos seus gozos passados.

E enquanto vivem, não descansam nos seus prazeres sem amarguras, desgosto e temor; porque da mesma coisa de onde recebem prazer, daí tiram muitas vezes a dor que os castiga, e é justo que assim lhes aconteça; já que desordenadamente buscam e seguem os deleites, que não os gozem sem amargura e confusão.

Ó quão breves, quão falsos, desordenados e nojentos são todos os prazeres do mundo!

Porém, os homens, embriagados e cegos, não o entendem assim; antes, como animais, por um pequeno prazer da vida corruptível, dão a morte à sua alma.

Por isso, filho, não sigas os teus apetites, e afasta-te da tua própria vontade (Ecle. 18, 30).

Deleita-te no Senhor, e Ele te dará o que pedir o teu coração (Salm. 36).

Pois, se queres verdadeiras delícias, e receber de Mim consolação muito abundante, conserva-te no desprezo de todas as coisas do mundo e na aversão a todos os prazeres da terra, para seres abençoado e para receberes abundante consolação.

E quanto mais te afastares de toda a consolação das criaturas, tanto mais suaves e eficazes consolações acharás em Mim.

Mas, não chegarás a gozá-las, sem primeiro passares pela tristeza e trabalho da luta; resistirá o costume antigo, mas será vencido com outro melhor; repugnará a carne, mas será refreada com o fervor do espírito.

A Serpente antiga te perseguirá e molestará, mas será posta em fuga com a oração, e com o trabalho proveitoso lhe impedirás completamente a entrada.

1ª Reflexão:
Monsenhor Marinho

Desde que se concede ao corpo mais do que lhe pertence, e se recusa à alma o que lhe é devido, cai-se num estado de desordem moral, em que se torna impossível encontrar a felicidade.

Ora, quanto mais desordenados são os desejos e as paixões, tanto menos o homem conhece os seus atos de loucuras.

É necessário que o pecador se veja ao espelho da própria consciência e encare demoradamente as manchas da sua alma. Nenhum homem há tão privilegiado que não encerre no seu coração o gérmen de todas as paixões; a diferença é, que as disposições hereditárias, o temperamento, a educação e muitas outras circunstâncias fazem variar o desenvolvimento das tendências. Em todo o caso, sempre o homem com o auxílio da graça pode regular os seus desejos e dominar as suas paixões. Não te desculpes, pois, dizendo que não podes resistir aos arrebatamentos do teu gênio irascível, que não podes sofrer os defeitos do teu próximo, etc.; muito pode quem confia em Deus e tem boa vontade de adiantar na virtude. Aquele que ama o prêmio, abraça com coragem o trabalho. Pensas acaso, que é mau partido comprar uma eternidade de felicidade a troco de uns breves dias de sofrimento? E quantas consolações te oferece Deus, ainda mesmo nesta vida? Vê se podes contá-las: as visitas interiores da graça divina, a satisfação da consciência, a luz para praticar o bem, a força para resistir ao mal, a Palavra Divina, os bons exemplos, os livros devotos, os Sacramentos... O sofrimento é o nosso companheiro de cada dia, segue-nos sem que o procuremos; a paciência só muito pedida se conservará nossa companheira. Quem não a procurar com diligência não a possuirá, e uma vez possuída, facilmente se pode perder. Mas sem paciência, o que é a vida?

2ª Reflexão:
Presbítero J. I. Roquette

Pecaram todos os homens, todos devem sofrer: esta é a Lei atual da Humanidade; Lei de justiça, porque Deus não seria Deus se o crime ficasse impune; Lei de amor, porque o sofrimento, aceito com resignação e unido aos padecimentos do Salvador, cura a alma e restabelece-a no estado primitivo da inocência. De que pois te queixas, quando esta Lei Divina se cumpre a teu respeito? Por acaso, de que misericórdia divina tomas cuidado de te regenerar? Porventura, de seres semelhante a Jesus Cristo, que voluntariamente quis e devia, segundo as palavras do Evangelista, sofrer para te remir com Seu Sangue: “E começou a ensinar-lhes como cumpria que o Filho do Homem sofresse muitas dores, fosse reprovado pelos anciãos e condenado à morte pelos escribas e pontífices?” (S. Marc. 8, 31).

Eis aqui a grande expiação; mas, para que ela nos seja aplicada, é necessário que a façamos própria, juntando-lhe a nossa. O Mistério da Salvação se consuma em cada um de nós pela Cruz; Dela nos vem conforto e graça; Nela temos sossego da alma e paz do coração. Na Cruz de Jesus Cristo devemos, pois, gloriar-nos com o Apóstolo São Paulo.

O mundo te deslumbra com suas alegrias aparentes, mas, pensas tu que seus sectários, ainda os mais favorecidos, não tem nada que sofrer? Atormentados por suas paixões, que vão crescendo à medida que se satisfazem, nunca viste um só deles contente? [ao contrário] Novos desejos os devoram continuamente. Além de que, não tem eles, como os outros e mais que os outros, que suportar os trabalhos da vida, os cuidados, as consumições, os desgostos, as amarguras secretas, as desgraças públicas, e a multidão medonha das enfermidades e doenças, filhas dos vícios e das inquietações da alma? Depois disto, vem o fim; a Justiça Inexorável [ou seja, implacável, rígida e sem apelação] exige o que lhe é devido: “Esse rico da terra é lançado na prisão: em verdade Vos digo, que não sairá dela sem que tenha pago até o último centavo” (S. Mat. 25, 26).

Alegrai-vos pois vós, a quem o Senhor purifica, e livra [através do sofrimento], aqui neste mundo: Cumpri com amor o sacrifício de justiça. Dizem muitos: “Quem nos mostrará os bens”  (Salm. 6, 10).

3ª Reflexão:
São Francisco de Sales

“A paciência vos é necessária, para que, fazendo a vontade de Deus, alcanceis o complemento da Promessa”, diz o Apóstolo (Heb. 10, 36): sim, porque, como havia declarado o Salvador: “Mediante vossa paciência salvareis vossas almas” (S. Luc. 21, 19). A grande felicidade do homem é possuir sua alma; e quanto mais perfeita é a paciência, tanto mais perfeitamente possuiremos nossas almas. Devemos, portanto, aperfeiçoar-nos nesta virtude. Lembrai-vos muitas vezes, que Nosso Senhor nos salvou padecendo e sofrendo, e que da mesma sorte devemos obter a salvação pelos sofrimentos e aflições, aturando as injúrias [ofensas], contradições e desgostos com a maior mansidão que nos for possível.

Não limiteis vossa paciência, a tal ou tal sorte de injúrias ou de aflições, mas seja ela extensiva universalmente a todas as que Deus Vos enviar e permitir que vos advenham. Alguns há que não querem sofrer senão as tribulações que são honrosas, como por exemplo: serem feridos na guerra, serem prisioneiros em batalha, serem maltratados por amor da Religião, empobrecer por causa de alguma questão em que ficaram vencedores: estes não amam a tribulação, mas a honra que lhes atraem. O verdadeiro paciente e servo de Deus, sofre igualmente as tribulações unidas à desonra e as trazem honra; o ser desprezado, repreendido e acusado pelos maus, não é difícil de sofrer para um homem corajoso; mas, o ser repreendido, acusado e maltratado pelos homens de bem, pelos amigos, pelos parentes, isso é que apura os quilates da bondade... e assim acontece muitas vezes, que dois homens de bem, tendo ambos boa intenção sobre a diversidade de suas opiniões, perseguem e contradizem um ao outro por extremo (Introdução à Vida Devota, Parte III, Cap. III).

Oração

Deus e Senhor meu, Vós sois todo misericórdia para comigo, e eu, todo ingratidão para Convosco.

Se tenho andado esquecido de Vós, a culpa foi somente minha; porque tenho resistido com obstinação aos Vossos doces chamamentos. Basta, porém, de ingratidões, basta de pecados; agora, Senhor, quero renunciar ao mundo e às suas paixões, ao Demônio e aos seus embustes [enganos], para servir-Vos com fidelidade e para sempre.[1]

Senhor, a luz de Vossa Face brilha em nós: destes a paz ao meu coração. Por isso, adormecerei em paz e descansarei, ó meu Deus, porque Vós me confirmastes na esperança (Salm. 6, 10).

Em Vós, Senhor, pus a minha esperança, não serei confundido para sempre (Salm. 30, 1).[2]

Ó Sacratíssima e Beatíssima Senhora, que estais no mais alto do Paraíso de felicidade, ai! Tende compaixão de nós que estamos no deserto de miséria; Vós estais na abundância das delícias, e nós estamos no abismo das angústias; impetrai-nos, a força de bem suportarmos todas as aflições, e a graça de estarmos sempre firmados sobre o Vosso dileto Filho, único apoio de nossas esperanças, única recompensa de nossos trabalhos, único remediador de nossos males (1º Sermão para o dia da Anunciação). Assim seja.[3]



“Non omni homini reveles cor tuum”
“Não abras o teu coração a qualquer homem”

(Imitação de Cristo, Livro I, Cap. 8; Ecle. 8, 22).


[1]   Monsenhor Manuel Marinho, “Imitação de Cristo”, pp. 161-164; Novíssima Edição, Editora e Tipografia Fonseca, Porto, 1922.
[2]   Presbítero J. I. Roquette, “Imitação de Cristo”, pp. 194-199; Tradução Nova, Editora Aillaud & Cia, Paris/Lisboa.
[3]   Imitação de Cristo Senhor Nosso, Versão Portuguesa por um Padre da Missão, pp. 168-171; Reflexões e Orações colhidas nas obras de São Francisco de Sales; Imprenta Desclée, Lefebvre y Cia., Tournai (Bélgica), 1910. 


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