Vida
Desolada de
Nosso
Senhor Jesus Cristo.
A
vida de nosso amante Redentor, foi toda desolada e privada de todo o
conforto. Sua vida foi aquele grande mar inteiramente amargo, sem
nenhuma gota de doçura ou consolação: “Grande
como o mar é a tua dor”.
O
Senhor revelou um dia a Santa Margarida de Cortona, que durante Sua
vida inteira, não experimentou uma só consolação sensível.
A
tristeza que Ele experimentou no jardim de Getsêmani era tão
grande, que bastaria para tirar-lhe a vida, e essa tristeza Ele não
a sofreu só, então, mas o afligiu sempre desde o primeiro instante
de Sua Encarnação, pois todas
as penas e ignomínias que Ele deveria suportar até a morte, lhe
estavam sempre presentes. Mas não
foi tanto essa vista quanto a de todos os pecados, que os homens
cometeriam depois de Sua morte, que O afligiu sumamente durante Sua
vida inteira. Ele viera por meio de Sua morte, a tirar os pecados do
mundo e a resgatar as almas do Inferno; mas via que, apesar de Sua
morte, todas as iniquidades possíveis seriam cometidas na terra, das
quais cada uma, vista distintamente por Ele, O afligia imensamente,
como escreve São Bernardino de Sena: “Ele
viu em particular, cada uma das culpas”.
E foi essa a dor que Ele tinha sempre diante dos olhos e sempre O
afligia: “Minha
dor está sempre na Minha presença”.
Santo
Tomás diz, que a vista dos pecados dos homens e da ruína de tantas
almas, que se haviam de perder, foi para Jesus Cristo um tormento tão
grande, que sobrepujou as dores de todos os penitentes, mesmo
daqueles que morreram de pura dor. Os Mártires sofreram grandes
dores, cavaletes, unhas de ferro, couraças ardentes, mas suas dores
eram sempre mitigadas por Deus com doçuras internas. Entre tantos
Mártires, não houve um só tão penoso como o de Jesus Cristo, já
que Sua dor e Sua tristeza, foram pura dor e pura tristeza, sem
mistura de consolação: “A
grandeza da dor de Cristo se aprecia da inteireza da dor e da
tristeza”.
Tal foi a vida de nosso Redentor, e tal foi a Sua morte, inteiramente
desolada. Ao morrer na Cruz, privado de todo o alívio, procurava
alguém que O consolasse, mas não encontrou: “Busquei
alguém que Me consolasse e não o encontrei”.
Não
encontrou, então, senão escarnecedores e blasfemadores, que lhe
diziam: “Se
és o Filho de Deus, desce da Cruz. Salvou os outros e não pode
salvar-se a Si mesmo”.
E assim o aflito Jesus, achando-se abandonado de todos, se voltou
para Seu eterno Pai; vendo, porém, que até Seu Pai O havia
abandonado, deu um grande grito e exclamou num lamento supremo: “Meu
Deus, meu Deus, por que Me abandonastes?”.
E assim terminou a vida de nosso Salvador, morrendo como Ele predisse
por Davi, submergido numa tempestade de ignomínias e de dores: “Eu
cheguei ao alto mar e a tempestade Me submergiu”.
Quando nos sentirmos desolados, consolemo-nos com a morte desolada de
Jesus Cristo; ofereçamos-lhe então a nossa desolação, unindo-a
com a que Ele, inocentemente, padeceu no Calvário por nosso amor.
Ah,
meu Jesus, quem não Vos amará, vendo-Vos morrer assim desolado e
consumido de dores, para pagar os nossos pecados? E eu sou um dos
carrascos, que tanto Vos afligi durante toda a Vossa vida, com a
vista de meus pecados. Mas já que me chamastes à penitência,
concedei-me ao menos, que eu participe daquela dor, que sentistes das
minhas culpas durante a Vossa Paixão. Como posso procurar prazeres,
eu que tanto Vos afligi, com os pecados de minha vida? Não, eu não
Vos peço prazeres e delícias, eu Vos suplico lágrimas e dor: fazei
que eu viva o resto de minha vida, chorando sempre os desgostos que
Vos dei. Abraço Vossos sagrados pés, ó meu Jesus crucificado e
desolado, e assim eu quero morrer. Ó Maria, Mãe das dores, rogai a
Jesus por mim. Amém.
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Fonte:
Santo Afonso Maria de Ligório, “A Paixão de Nosso Senhor Jesus
Cristo”, II Volume, Cap. X, Meditações Sobre a Paixão de Jesus
Cristo – 5ª Meditação, pp. 179-181. Editora Vozes Ltda.,
Petrópolis/RJ, 1940.
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