Que são as aparições?1
Contam-se fatos prodigiosos e muitas aparições de almas do purgatório. Isto poderia talvez impressionar a alguns e julgarem que podemos desejar ou procurar, com certa curiosidade, indagar a sorte dos mortos ou facilmente ter comunicação com as almas do Purgatório. Quanta ilusão perigosa e quanta superstição e crendice em torno disto! É mister discernirmos bem as verdadeiras das falsas aparições, e mostrarmos o pensamento da Igreja e dos Santos Doutores para que se evitem confusões e ilusões numa matéria tão grave e delicada, porque tão sujeita a enganos e erros.
Que
é uma aparição? É uma manifestação do outro mundo, de alguém
que nos vem dizer o que lá se passa. Podemos acreditar nas
aparições?
Há
dois extremos igualmente prejudiciais. Um dos que facilmente aceitam
toda sorte de aparições sem exame e não têm a prudência de
estudar e esperar a opinião de pessoas criteriosas, teólogos ou
autoridades eclesiásticas e superiores, que possam discernir com
segurança a verdade de tais aparições. É uma leviandade. Assim o
diz a Escritura: “Qui
cito credit, levis est corde”,2
quem facilmente em tudo crê, é leviano de coração, é um espírito
leviano.
Todavia, rejeitar sistematicamente e obstinadamente toda aparição,
todos os fatos sobrenaturais, mesmo que tenham os sinais de
verdadeiros, é prova de muito ceticismo, de orgulho, e pode levar à
infidelidade a graça, como insinua a Escritura: “Qui
incredulus est infideliter agit”,3
quem é duro em acreditar, procede contra a piedade.
É
mister um equilíbrio neste caso entre os dois extremos. Uma alma
verdadeiramente humilde e obediente nunca poderá se enganar. Outra
questão é se as almas do outro mundo podem se comunicar com os
vivos. Podem voltar à terra quando queiram ou quando desejem os
vivos? Respondemos sem hesitar, com a boa doutrina da Igreja e dos
teólogos: — não e não! Isto só se dá por uma especialíssima
permissão de Deus, raras vezes, e por milagre, para ensinamento e
confirmação da imortalidade da alma, para lição dos vivos ou para
pedir socorro e sufrágios.
Desde
que nossa alma se separou do corpo pela morte, não tem mais órgãos
para se comunicar com os homens, é puro espírito, e só por milagre
se pode tornar sensível. E demais, quando a alma deixou o corpo, já
foi entregue à Divina Justiça, e está no lugar que mereceu: o céu,
o inferno ou o purgatório. Não pode, sem milagre, entrar em
comunicação com os homens. Este milagre das aparições nós os
encontramos na Sagrada Escritura. Samuel
apareceu à Pitonisa de Endor e repreendeu a Saul porque havia
perturbado o repouso dos mortos.
Mostrou o castigo que lhe estava reservado por esta curiosidade vã.
Na
morte de Nosso Senhor, conta São Mateus que os túmulos se abriram e
muitos mortos apareceram e foram vistos em Jerusalém.
Nas vidas dos Santos encontramos inúmeras aparições, e a Santa
Igreja, ao elevar à honra dos altares os servos de Deus, submete a
um rigoroso processo todos os fatos e prodígios que deles narraram,
embora não se pronuncie sobre eles. Portanto, há verdadeiras
aparições.
Verdadeiras e falsas Aparições
Há
verdadeiras e falsas aparições. Estas muito mais frequentes do que
aquelas. Como distingui-las? Há sinais pelos quais facilmente
podemos nos livrar de enganos e afastarmos o perigo da ilusão
diabólica. Devemos imitar sempre a reserva prudente da Santa Igreja
nesta matéria. A Igreja não admite revelação alguma se não for
devidamente comprovada, e ainda assim, não obriga os fiéis a nela
acreditar. Ninguém é obrigado a acreditar numa revelação
particular por mais provada que tenha sido. Não obstante, depois de
bem provadas, seria temerário abusar com uma sistemática atitude de
ceticismo, diante do que Santos e homens doutos e equilibrados
aceitaram e provaram não haver ilusões.
Diz
Bento XIV que podem os fiéis acreditar e podem ser publicadas as
revelações particulares para edificação dos fiéis, contanto que
sejam aprovadas pela autoridade eclesiástica. O Papa Urbano VIII
manda que ao serem publicadas, declare o autor em nada querer se
adiantar aos juízos da Igreja, e
que tais fatos merecem apenas uma fé humana
e não importam em definição da Santa Madre Igreja.
Eis
as cautelas com que a Igreja cerca as aparições.
Há
também regras seguras para discernimento das revelações segundo os
bons autores de espiritualidade e os melhores teólogos. Umas se
referem às pessoas que recebem as revelações, e outras à matéria
das revelações e aos efeitos das mesmas. Quanto às pessoas é
mister indagar dos dotes naturais. É um temperamento equilibrado?
Não se trata de uma psico-neurose
ou de histerismo?
Nestes casos, quantas alucinações perigosas e difíceis de serem
discernidas logo de começo! Quanto ao estado mental, é pessoa
discreta, de juízo reto, ou de imaginação exaltada e de
sensibilidade excessiva? É instruída ou ignorante? Onde aprendeu o
que sabe? Não estaria com o espírito debilitado por jejuns ou por
alguma enfermidade? Quanto a moral, é saber se trata-se de pessoa
sincera ou acostumada a exagerar e a mentir. É um temperamento
calmo, ou apaixonado e sem equilíbrio? A resposta a estas perguntas
não dará, certamente, uma solução para a prova da existência ou
não de uma revelação verdadeira, mas ajudará muito a julgar do
valor do testemunho dos videntes.
Quanto
à matéria das aparições é mister muita atenção para julgá-las.
Segundo a doutrina unânime dos Doutores, nenhuma revelação pode
contradizer o dogma e o que foi ensinado pelo Evangelho. Diz São
Paulo:
“Ainda
que um Anjo do céu vos pregue um evangelho diferente do que
anunciamos, seja anátema”.4
Deus
não se contradiz. Nas falsas aparições há mentiras, erros
teológicos graves, contradições, e muitas vezes coisas contrárias
às leis da moral e da decência.
Muitas
pessoas de imaginação muito viva tomam seus próprios pensamentos
por visões e locuções interiores. Dizia Santa Teresa:
“Acontece
com certas pessoas de tão fraca imaginação que se embebem de tal
maneira na imaginação, que tudo o que pensam claramente lhes parece
que estão vendo”.5
Aparições das Almas do Purgatório
Depois
de termos mostrado a verdadeira doutrina da Igreja sobre as
revelações ou aparições, tratemos das aparições das santas
almas. Podem elas aparecer aos homens? Sim, raramente e por permissão
de Deus. É uma graça para quem recebeu a aparição e uma graça
para a pobre alma, sobretudo quando Deus permite que ela obtenha
socorros para se livrar das chamas expiadoras. Deus o permite para
excitar a nossa fé na imortalidade da alma e para que compreendamos
melhor a sorte das pobres almas e procuraremos sufragá-las com mais
zelo e caridade. Como distinguir as verdadeiras das falsas aparições
de almas do purgatório? Já demos as principais regras deste
discernimento segundo a doutrina da Igreja e a teologia.
Acrescentemos mais algumas. No século XVII o sábio Cardeal Bona
criticou severamente a facilidade e leviandade com que acreditavam
muitos em revelações sobrenaturais e deu algumas regras que podem
nos esclarecer muitos na matéria. Vamos comentá-las:
1.º
— ‘Toda
aparição desejada ou provocada é suspeita’.
Ninguém deve desejar ver nem conversar com os mortos, indagar a
sorte dos defuntos, mesmo que o faça por motivo de caridade e para
rezar por eles. Não se deve desejar aparição alguma de alma do
purgatório. Seria temeridade e presunção.
2.º
— Se
a aparição revela coisas ocultas que seria melhor silenciar sobre
elas, faltas alheias, ensina coisas contrárias ao dogma e ao
Evangelho, tem horror à água benta, ao crucifixo etc., está
provado que se trata do Demônio.
3.º
— As
almas do purgatório aparecem geralmente para solicitar orações,
recomendar restituições, etc. E feito isto, não voltam mais, a não
ser para agradecerem.
Se uma aparição se torna importuna dia e noite, ameaça, perturba a
paz de um homem ou de uma família ou comunidade, é sinal certo de
Demônio.
4.º
— Ninguém
deve aceitar serviços prestados pelas almas do purgatório
que se vem colocar à nossa disposição, morar conosco, etc. É pura
ilusão isto ou coisa diabólica.
5.º
— Todos os bons teólogos místicos ensinam que as aparições
verdadeiras logo de princípio perturbam e assustam, mas depois
lançam a alma numa doce paz, aumenta a humildade, excita o amor de
Deus e do próximo e produzem um grande desejo de perfeição. Quando
alguém começa a se gabar das aparições, mostrar-se digno delas,
perturbar-se em vão e encher-se de presunção, irritar quando os
superiores não fazem caso das suas visões e desobedecerem, eis um
sinal bem certo de engano.
6.º
— É mister que as aparições sejam expostas singelamente a um bom
diretor, sem exageros nem reticências, nem diminuição da verdade.
E depois ficar pelo que ele decidir e obedecê-lo cegamente”.
Com
estas regras seguras dos bons teólogos e autores místicos, não
haverá perigo de ilusão. Deus Nosso Senhor na sua misericórdia tem
permitido muitas revelações das almas do purgatório. Parece mesmo
que são mais numerosas do que qualquer outras. Quanta luz sobre o
purgatório não nos deram, por exemplo, as revelações de uma Santa
Catarina de Gênova! Nesta matéria sejamos muito prudentes e
criteriosos e não nos afastemos do pensamento da Santa Igreja e das
normas que acima vão expostas.
EXEMPLOS
Soror Josefa Menendez,
e os Ensinamentos do Purgatório.6
Josefa nunca desceu ao Purgatório, mas viu e ouviu numerosas almas vindo pedir-lhe orações e algumas dizendo que, graças aos seus sofrimentos, haviam escapado ao Inferno. Essas almas, em geral, acusavam-se humildemente das causas de sua estada no Purgatório.7
Acrescentamos aqui alguns pormenores:
“Eu tinha vocação e perdi-a com uma leitura má. Tinha também desprezado e arrancado meu escapulário”.8
“Estava eu mergulhada em grande vaidade e prestes a me casar. Nosso Senhor se serviu de um meio muito duro para me fechar as portas do Inferno”.9
“Minha vida religiosa careceu de fervor!…
Minha vida religiosa foi longa, mas passei os meus últimos anos a cuidar de mim e a me satisfazer, mais do que a amar a Nosso Senhor. Graças aos méritos de um sacrifício que tu fizeste, pude morrer com fervor e é ainda por causa de ti que não estou no Purgatório por longos anos como o merecia. O importante não é a entrada na religião, mas, a entrada na eternidade”.10
“Estou no Purgatório há um ano e três meses. Sem teus pequenos atos, eu ainda lá ficaria durante longos anos. As pessoas do mundo têm menos responsabilidades do que as almas religiosas. Quantas graças recebem estas, e que responsabilidade se não as aproveitarem!… As religiosas mal sabem como as suas faltas são aqui expiadas!… A língua horrivelmente atormentada expia faltas ao silêncio; a garganta ressecada expia faltas contra a caridade; e a sujeição desta prisão, as repugnâncias em obedecer… Na minha Ordem, há pouco gozo e pouca comodidade, mas a gente pode sempre chegar a arranjar alguma suavização… e como é preciso expiar, aqui, a menor falta de mortificação!… Reter os olhos para evitar uma pequena curiosidade, custa às vezes grande esforço… e aqui… os olhos são atormentados com a impossibilidade de ver a Deus!”11
“Uma outra alma religiosa se acusa de faltas de caridade e de murmurações por ocasião da eleição de uma de suas Superioras”.12
“Estive no Purgatório até agora… porque durante a minha vida religiosa falei muito e com pouca discrição. Comunicava a miúdo minhas impressões e minhas queixas e essas comunicações foram, para várias de minhas Irmãs de hábito, causa de muitas faltas de caridade.
Aproveite-se bem desta lição – acrescentava a Santíssima Virgem, presente à aparição – porque há muitas almas que caem nesse perigo”.
E, Nosso Senhor sublinhava ainda esse grave aviso com as seguintes palavras: “Esta alma está no Purgatório por causa de faltas de silêncio, pois este gênero de faltas arrasta muitas outras: primeiramente, falta-se à Regra; em segundo lugar, há frequentemente, nessas faltas, pecados contra a caridade ou o espírito religioso, procura de satisfação pessoal, desabafos de coração que não convêm às almas religiosas, e isto tudo sem contar que, não somente a própria pessoa é culpada, mas arrasta consigo uma, ou várias outras. Eis porque está essa alma no Purgatório e se consome em desejos de se aproximar de Mim”.13
“Estou no Purgatório, porque não tive bastante cuidado com as almas que Deus me havia confiado, não sabia bastante o que valem as almas e que dedicação exige tão precioso depósito”.14
“Estive no Purgatório um pouco menos de hora e meia, para expiar algumas faltas de confiança em Deus. É verdade que sempre O amei muito, mas com certo temor. É verdade também que o julgamento de uma alma religiosa é rigoroso, porque não é nosso Esposo, mas nosso Deus que nos julga. Entretanto, é preciso, durante a vida, imensa confiança em sua Misericórdia e crer que Ele é bom para nós… quantas graças perdem as almas religiosas que não têm bastante confiança n’Ele”.15
“Estou no Purgatório, porque não soube tratar as almas que Jesus me confiou com o cuidado que merecem… Deixei-me levar por sentimentos humanos e naturais, sem ver Deus nas almas que me eram confiadas, como o devem sempre os Superiores; pois, se é verdade que toda religiosa deve ver, em sua Superiora, Deus Nosso Senhor, a Superiora também, deve vê-lO em suas filhas…”.
“Obrigada a vós que contribuístes para me livrar das penas do Purgatório…”.
Ah! Se as religiosas soubessem até onde pode conduzir um movimento desregrado… como trabalhariam para dominar sua natureza e domar suas paixões”.16
“Meu Purgatório será longo, pois não aceitei a Vontade de Deus, nem fiz o sacrifício da minha vida com resignação bastante, durante a doença.
A doença é uma grande graça de purificação, é verdade, mas se não nos acautelarmos, pode também ser ocasião de nos afastarmos do espírito religioso… de esquecermos que fizemos Votos de Pobreza, Castidade e Obediência, e que fomos consagradas a Deus como vítimas. Nosso Senhor, é todo Amor, sim, mas também é todo Justiça!”.17
São Pio de Pietralcina
Um jovem havia se suicidado, porque zombavam muito dele no exército, por causa da sua piedade. À pergunta dos seus familiares se ele tinha se salvado, respondeu o Padre Pio com tristeza: “Por causa das orações de seus pais e da grande misericórdia de Deus, ele se salvou, mas está bem no fundo do Purgatório e precisa do nosso auxílio”.18
______________________
1. Mons. Ascânio Brandão, “Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!”, 27 de Novembro, pp. 209-215. 2ª Edição, Editora “Ave Maria” Ltda, São Paulo/SP, 1956.
2. Eclo. 14, 4.
3. Is. 21, 2.
4. Gál. 1, 8.
5. Castillo, Moradas sextas, Cap. IX, 9.
6. “Apelo ao Amor – Mensagem do Coração de Jesus ao Mundo”, Soror Josefa Menendez, Apêndice, pp. 527-528. 2ª Edição, Editora Santa Maria, Rio de Janeiro/RJ, 1952.
7. Ver biografia, Cap. V – “Entrada nas trevas de Além-Túmulo”.
8. 27 de julho de 1921.
9. 10 de abril de 1921.
10. 7 de abril de 1922.
11. 10 de abril de 1922.
12. 12 de abril de 1922.
13. 22 de fevereiro de 1922.
14. 9 de agosto de 1922.
15. Setembro de 1922.
16. Abril de 1923.
17. Novembro de 1923.
18. “São Pio de Pietralcina - O Maior Taumaturgo do Século”, Karl Wagner; Cap. 7 – Pe. Pio Olha para o Além, p. 38. 1968. Traduzido do Alemão pelo Prof. João Carlos Cabral de Mendonça.
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