Um embrião e um feto (e querem promover o aborto no terceiro mês da gravidez) são também pessoas, tanto do ponto de vista científico como filosófico. É falsa a afirmação de que o feto faz parte do corpo da mãe e que a mãe pode abortar por ter direito sobre o seu próprio corpo.
Aprovar a autorização legal para abortar, como bem comentam os filósofos Robert P. George e Christopher Tollefsen em seu livro Embryo: a Defense of Human Life, é dar licença para matar uma certa classe de seres humanos como meio de beneficiar outros. Defender os direitos de um feto é a mesma coisa que defender uma pessoa contra uma injusta discriminação – a discriminação dos que pensam que há alguns seres humanos que devem ser sacrificados por um bem maior. Aí está exatamente o cerne da questão, que nada tem que ver com princípios religiosos nem com a eventual crença na existência da alma.
Hoje o que está sendo questionado não é tanto a realidade biológica, inegável, a que acabo de me referir, é coisa muito mais séria: o próprio conceito de “humano” ou de “pessoa”. Trata-se, portanto, de uma pergunta de caráter filosófico e jurídico: quando se pode afirmar de um embrião ou de um feto que é propriamente humano e, portanto, detentor de direitos, a começar pelo direito à vida?
O desencontro das respostas científicas – evidente – acaba deixando a questão sem um inequívoco suporte da ciência. Fala-se de tantos dias, de tantos meses de gravidez… E se chega até a afirmar, como já foi feito entre nós, que só somos seres humanos quando temos autoconsciência. Antes disso, só material descartável ou útil para laboratório. Mas será que um bebê de 2 meses ou de 2 anos tem “autoconsciência”?
Perante essa perplexidade, é lógico que se acabe optando pelo juridicismo. Cada vez mais, cientistas e juristas vêm afirmando que quem deve decidir o momento em que começamos a ser humanos e, em consequência, a ter direito inviolável à vida é a lei de cada país. E é isto que querem fazer: embutir o aborto na reforma do Código Penal. Ora, essas leis, por pouca informação que se tenha, variam de um país para outro e dependem apenas – única e exclusivamente – de acordos, do consenso a que chegarem os legisladores. Em muitos casos, mais que uma questão de princípios, decidir-se-á por uma questão de pressões, ou por complexos comparativos, isto é, pelo argumento de que não podemos ficar atrás dos critérios legais seguidos pelos países desenvolvidos. Mas nem pressões nem complexos parecem valores válidos para decidir sobre vidas humanas.
Quanto ao “consenso por interesse”, é útil recordar que fruto dele foi a legislação que durante séculos definiu uma raça ou um povo como legalmente infra-humanos e, portanto, podendo ser espoliados de direitos e tratados como “coisas”, também para benéficas experiências científicas: caso do apartheid dos negros na África do Sul e dos judeus aviltados e trucidados pela soberania “democrática” nazista.
O juridicismo, hoje prevalente, equivale a prescindir de qualquer enfoque filosófico e naufragar nas águas sempre mutáveis do relativismo. Nada tem um valor consistente, tudo depende do “consenso” dos detentores do poder, movidos a pressões de interesses. Mas se é para falar de consenso democrático, todas as pesquisas, sem exceção, têm sido uma ducha de água fria na estratégia pró-aborto. O brasileiro é contra o aborto. Não se trata apenas de uma opinião, mas de um fato medido em sucessivas pesquisas de opinião. O CFM, representando uma minoria, está promovendo uma ação nitidamente antidemocrática.
Não obstante a força do marketing emocional que apoia as campanhas pró-aborto, é preocupante o veneno antidemocrático que está no fundo dos slogans abortistas. Não se compreende de que modo obteremos uma sociedade mais justa e digna para seres humanos (os adultos) com a morte de outros (as crianças não nascidas).
Além disso, não sei como o Conselho Federal de Medicina consegue articular sua proposta pró-aborto com o juramento hipocrático. A posição da atual diretoria desse conselho, tal como amplamente veiculada pelos meios de comunicação, não parece condizer com o compromisso sobre o qual todos os médicos, velhos ou novos, algum dia juraram. Não creio que o CFM represente o pensamento daqueles que, um dia, prometeram solenemente empenhar sua profissão, seu saber e sua ciência na defesa da vida.
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