Utrum diabolus appetierit esse ut Deus1
O terceiro discute-se assim. –
Parece que o Diabo não desejou ser como Deus.
1. – Pois o
que não incide na apreensão também não incide no apetite;
porquanto, o bem apreendido move o apetite sensível, racional ou
intelectual e só em tais apetites pode haver pecado. Ora, não é
objeto da apreensão, o ser qualquer criatura igual a Deus; pois,
isso implica contradição, porque necessariamente o finito seria
infinito, se com este se iguala. Logo, o Anjo não podia desejar ser
como Deus.
2.
– Demais. – O fim da
natureza pode ser apetecido sem pecado. Ora, assemelhar-se a Deus é
o fim para o qual tende naturalmente
toda criatura. Se portanto, o Anjo desejou ser como Deus, não por
igualdade, mas por semelhança, resulta que nisso não pecou.
3.
– Demais. – O Anjo criado
em maior plenitude de ciência do que o homem. Ora, nenhum homem, a
menos que não seja de todo demente,
elege ser igual ao Anjo e muito menos a Deus; porque a eleição só
pode visar coisas possíveis, com as quais se ocupa o conselho. Logo,
muito menos pecou o Anjo, desejando ser como Deus.
Mas,
em contrário,
diz a Escritura da pessoa do Diabo:
Subirei ao Céu…
e serei semelhante ao Altíssimo.
E Agostinho
diz, que, inchado
de soberba, quis chamar-se Deus.
Solução.
– O Anjo, sem
nenhuma dúvida, pecou, por querer ser como Deus.
Mas, isto se pode entender em duplo sentido: por
equiparação e por semelhança. – Do primeiro modo, não podia
desejar ser como Deus, porque sabia, por conhecimento natural, ser
isso impossível; e nem ao seu primeiro ato pecaminoso, precedeu um
hábito ou uma paixão que lhe ligasse a virtude cognoscitiva, de
modo a, sendo esta deficiente num caso particular, eleger o
impossível, como às vezes acontece conosco. E ainda, dado que isso
fosse possível, seria contra o desejo natural. Pois, há em cada um
o desejo natural de conservar o seu ser, que não se conservaria se
se transmutasse em uma natureza mais elevada. Por onde, nenhum ser de
natureza de grau inferior pode desejar o grau da natureza superior;
assim, não deseja o asno ser cavalo, porque já não seria asno se
se transferisse no grau da natureza superior. Mas, neste ponto, a
imaginação se engana. Pois, por desejar o homem subir a um grau
mais alto, quanto a certos acidentes, que podem aumentar sem a
destruição do sujeito, imagina que pode desejar um grau mais
elevado de natureza, ao qual não pode chegar sem que deixe de
existir. Ora, é manifesto que Deus excede o Anjo, não por certos
acidentes, mas pelo grau da natureza; e assim, também um Anjo excede
outro. Donde, é impossível um Anjo inferior desejar ser igual ao
superior e, muito menos, igual a Deus.
Mas,
desejar ser como Deus, por semelhança, de dois modos pode se dar. –
De um modo, quanto ao, pelo que é natural a um ser o assemelhar-se a
Deus. E assim, quem neste sentido deseja
ser semelhante a Deus não peca, pois, deseja alcançar a semelhança
com Deus, na ordem devida, a saber, enquanto tem essa semelhança
recebida de Deus. Se, porém, desejasse ser semelhante a Deus por
justiça, como por virtude própria e não pela virtude de Deus,
pecaria. – De outro modo, pode alguém desejar ser semelhante a
Deus quanto ao que não lhe é natural que com Deus se assemelhe;
como se alguém desejasse criar o Céu e a terra, o que é próprio
de Deus; e, nesse desejo haveria pecado.
Ora,
deste modo é que o Diabo desejou ser como Deus. Não que com Deus se
assemelhasse, por não haver ninguém a quem fosse inferior,
absolutamente, porque, então, desejaria o seu não-ser; pois,
nenhuma criatura pode existir, senão por participar o ser
dependentemente de Deus. Mas, desejou indebitamente ser semelhante a
Deus, porque desejou como fim último da beatitude aquilo ao que
podia chegar pela virtude da sua natureza, desviando o seu desejo da
beatitude sobrenatural, que é graça de Deus. – Ou, se desejou
como fim último a semelhança com Deus, que é dom da graça, quis
tê-la pela virtude da sua natureza, e não pelo auxílio divino,
segundo a disposição de Deus. E isto é consoante às palavras de
Anselmo,
dizendo ter o Demônio desejado aquilo que obteria se perseverasse. –
E estas duas explicações se reduzem a uma só: de uma e outra
maneira o Diabo desejou ter a beatitude final, pela sua virtude, o
que só é próprio de Deus.
Como,
porém, o que é por si é princípio e causa do que existe por
outro, daí também resulta, que desejou ter um certo principado
sobre todos os outros seres. No que também perversamente quis
assemelhar-se a Deus.
E,
daqui, se deduzem claramente as respostas a todas as objeções.
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